terça-feira, 11 de outubro de 2016

Amores WI-FI - Temporada 7 Episódio 21 (SEASON FINALE): A Engrenagem dos Relacionamentos






Tomada por um nervosismo descomunal, Marcela saiu ligando para suas amigas. Não porque elas pudessem ajudar, já que nem conheciam Roni, mas por uma tentativa instintiva de ter alguém para se apoiar.

Ninguém sabia como ajudar.

Pensou em mil coisas, que Roni tivesse sido assaltado e sequestrado, que havia levado um tiro nas ruelas escuras do centro, que pudesse ter caído um tombo, batido a cabeça e perdido a memória... uma série de conclusões trágicas para justificar aquele sumiço. Sentiu-se viúva sem ser casada.

- Meu Deus! Meu Deus!

Era tudo o que conseguia dizer.

Foi quando o telefone tocou. Achou que era a polícia avisando que encontraram o corpo do homem, e no celular uma conversa recente mostrava seu número, algo assim. Mas era o próprio Roni. “Mas defuntos não mandam whatsapp!”, pensou Marcela.

Roni: Oi! Você deve estar querendo me matar haha
Roni: Eu acabei indo jantar na casa de uma amiga
Roni: Fiquei sem bateria, e dormi por lá mesmo
Marcela: Você tem ideia do susto que eu passei desde ontem?
Marcela: Tem?

Nem mencionou o fato dele ter dormido na casa de uma ~amiga. No momento aquela informação era o menos importante. Marcela xingou Roni por décadas no whatsapp, onde já se viu, ficar perdendo cabelo de nervosa?

Porém ficou aliviada por estar tudo bem, que não iria precisar comparecer em um velório e explicar para a família que não conhecia muito bem o defunto, porque apenas transava com o falecido de vez em quando.

E marcou de encontrá-lo durante a tarde na Feira do Livro que estava acontecendo no centro, antes dele voltar para sua cidade. Sentiu falta de Roni.


***




Na noite anterior, Thiago saiu do café correndo num Uber para a casa de Tina. Pensou nas desculpas que iria pedir e na possível noite juntos que poderiam ter, caso ela realmente o desculpasse.

As balinhas do carro não foram suficientes para aplacar sua ansiedade, nem a água. Nem o silêncio do motorista. Nem a música boa que tocava na rádio.

Quando o carro parou na frente do prédio se jogou no interfone. Tocou. Tocou. Tocou mais uma vez, e nada. Certamente ela espiou da janela, ou desconfiou que fosse ele, e fingiu não estar em casa. Compreensível, havia sido a sua vez de estragar tudo.

Ficou olhando para os lados da calçada, igual o gif do John Travolta perdido:


E percebeu que a bateria havia acabado, não teria como chamar outro carro, e sem nenhum ponto de táxi nas proximidades, o jeito seria sair andando pra casa, ou até passar um no caminho. Seria assaltado, certamente. E seria bem feito.

Nisso um táxi parou na calçada. “Nem tudo está perdido!”, pensou. E viu Tina saindo de dentro do automóvel, como se estivesse sendo cuspida (ou vomitada) por ele.

- Tina????

Pelo seu estado achou que estivesse prestes a morrer ali mesmo, afogada pelo álcool, ou sufocada pelo cheiro dele, que era exalado de sua própria boca.

Tina não conseguiu dizer muita coisa, e o que disse, foi numa espécie de língua morta que jamais conheceria. Foi o tempo de Tina dar dois passos e cair desmaiada na frente de Thiago.

Thiago, então, juntou Tina, pegou a chave na bolsinha e a levou para dentro de casa.

Fez com que ela tomasse um banho e colocou o pijaminha de flanela. Não havia nenhuma tensão sexual naquele momento, Thiago nem mesmo se recordou de todas as vezes em que estiveram juntos. Só queria cuidar de Tina.

Ela continuou adormecida. Vomitou duas ou três vezes durante o banho e ficou serena, limpinha e protegida. Thiago sentou-se na poltroninha ao lado e ali adormeceu, mas pronto caso Tina acordasse e precisasse de ajuda.

Na manhã seguinte, Tina iria acordar e demorar para lembrar da noite no bar, e mais ainda para entender o que Thiago fazia no seu quarto, dormindo desajeitado naquela poltrona minúscula que quase parecia as poltroninhas coloridas de criança vendidas nas calçadas da cidade.

Mas teve a certeza de que, quando Thiago acordasse, ele seria seu.


***



Quando Roni chegou, Marcela desfiou novamente o seu novelo de palavrões e xingamentos. Mas falou isso tudo durante um abraço, óbvio, porque não era tão rainha do gelo quanto parecia.

Roni se desculpou mil vezes, explicou, e Marcela esqueceu o fato. Queria curtia a presença dele, mas notou que estavam mais inseridos em um clima de amizade do que outra coisa qualquer.

Caminharam pelas bancas de livros, sentaram-se no banquinho da praça para conversar, e depois resolveram beber uma cerveja num boteco das proximidades.

A conversa foi maravilhosa como sempre, regada por risadas, lembranças antigas e histórias pessoais. E apenas isso. Marcela continuou sem abraço, beijo ou qualquer outro tipo de afeto. Dois encontros em que nada aconteceu.

Enquanto ficava lentamente alterada pela bebida, ficou pensando no que aquilo poderia resultar. E o que aquilo poderia significar.

Talvez Roni nunca houvesse engolido o episódio do pseudo pedido de namoro não correspondido. Talvez ele apenas não tivesse entendido o jeito de Marcela em lidar com as coisas. Talvez ele fosse entender um dia. Talvez.

Quando a noite chegava, Roni disse que precisava embarcar de volta. Ela o acompanhou até a rodoviária.

Se despediram com uma certa ternura, afinal, Roni era importante para ela.

Foi a última vez que o viu pessoalmente.

Pouco depois, Roni passou uma longa temporada na casa da irmã, que morava no litoral, e entre palavras de saudade e cobranças, achou que seria melhor seguirem em frente como amigos, pois não queria deixar Marcela pendente numa relação a distância.

Marcela entendeu, e não guardou nenhum tipo de ressentimento. Ao menos até o momento.


***


(Volta para o tempo atual, quando iniciou a temporada)

Domingo, 12 de junho de 2016.




Marcela se ajeitou na mesa do restaurante, era apenas mais um dia dos namorados. Esperava sua companhia enquanto bebia algum drink. Estava feliz.

- Cheguei!!! Desculpa o atraso.

Era Bia, que vinha de um date. Sim, um date em pleno dia dos namorados.

- Quem foi a vítima?

- Alguém do Tinder, sem muita importância.

- Poderia ter ficado com ele se quisesse, não ia me importar de jantar sozinha, viu?

- De jeito nenhum, amigos antes dos machos. E além do mais, nem foi muito bem sucedido. Estou curtindo estar aqui. E repara, estão achando que somos um casal de lésbicas.  – falou, sorrindo.

- Lésbicas maravilhosas, quem sabe a gente tenta? Brincadeira haha.

Marcela estava feliz de verdade. Roni fora, no fim das contas, o mais próximo que teve de um relacionamento desde Romeu, ou seja, participou de um processo pessoal muito importante. Uma peça fundamental naquela engrenagem que era se relacionar.

Um brinde a si mesma.





FIM

Amores Wi-Fi - Temporada 7 Episódio 20: Deixe o Rio Correr






Tina fico lá, em um estado semimorto, até que a última pessoa cantasse a última canção no karaokê. No caso foi alguma do Gypsy Kings.

Logo depois o bar entrou num clima de deserto que só nos filmes mais tristes era possível existir. Sozinha e entorpecida, Tina cochilou e, sonhando, entrou em um de seus flashbacks do tempo de escola.

Trilha do flashback de Tina: https://www.youtube.com/watch?v=cv-0mmVnxPA

Viu a si mesma no dia da sua formatura. Pareceu que havia sido ontem. Viu cada detalhe da sua roupa – uma calça bag com o jeans de aspecto marmorizado e uma blusa rosa deixando um dos ombros à mostra.

Não quis usar vestido, quis ser diferente. E sem saber bem ao certo o motivo, pediu para ser oradora da turma. E mais estranho ainda foi que concordaram.

Na hora de discursar, Tina pegou suas anotações e se dirigiu ao púlpito. Ficou uns minutos em silêncio, sob as risadinhas de deboche. Então, rasgou os seus papéis e iniciou uma fala improvisada.

“Não vou falar sobre a faculdade, não vou falar sobre os anos que passamos nessa escola, não vou falar sobre esforço, sobre mérito ou sobre a educação. Vou falar sobre amor. Vou falar também sobre anulação. É isso que acontece quando a gente deixa os outros decidirem por nós o que é certo. Certo quem sabe o que é sou apenas eu, é você e você. Vou sair daqui hoje esperando nunca mais olhar para a cara de nenhum de vocês, e nem para a minha própria. Pois, a partir de amanhã, quando me olhar no espelho, serei outra Tina (começou ali sua relação íntima com o espelho). Vou sair daqui e encher a cara, vou cantar alguma música brega e vou dançar nua, em comemoração a mim mesma. Quero deixar meu muito obrigado. Se essa escola não houvesse sido tão idiota, eu não seria eu hoje. Amor é isso. Amor próprio, antes de qualquer outro. E um dia eu terei o amor de quem eu mereço e, especialmente, de quem me merece e...”

Tina foi interrompida pelo som mecânico do DJ, igual aos ganhadores do Oscar quando são interrompidos em seus discursos que excedem o tempo regulamentado.

Saiu da escola sob olhares de questionamento, mas estava realizada.

Sabia que um dia seria a Tina que deveria ser, e estava apenas começando.

Voltou do Flashback.


Acordou com alguém balançando seu ombro, e com uma ardência que só um fluxo gástrico fora de hora é capaz de proporcionar.

Longe dali, a garçonete trazia a terceira xícara de café para Thiago.

- Obrigado, o café está ótimo. – Disse ele, num tom melancólico que comoveu a funcionária.

Ela estava saindo, mas resolveu voltar e disse.

- É curioso, mas o senhor me lembrou muito uma moça que esteve aqui há várias semanas. Ela se sentou nessa mesa ao lado, bebeu várias xícaras desse mesmo café, e ali ficou. Como se esperasse por alguém. Nunca vi alguém tão decepcionada. A mesma expressão de decepção que está no rosto do senhor agora. Com licença.

Aquelas palavras caíram como uma bomba de consequências inimagináveis sobre Thiago. Tina havia, realmente, falado a verdade. Foi apenas mais uma ação atrapalhada daquela mulher.

Não que merecesse, mas a primeira coisa que fez foi pagar os cafés e se dirigir para a casa de Tina pedir desculpas.


***



Na manhã seguinte, a primeira coisa que Marcela fez foi olhar o whatsapp para ver se Roni havia recebido sua mensagem. Ela continuava marcada como não recebida.

Marcela, enfim, entrou em pânico.

Tentou ligar para o celular e só caía na caixa postal. Pensou em ligar para a recepção do hotel, mas lembrou que ele havia dito que se hospedou em um hotel diferente, e não lembrava do nome.

Chorou por dentro. “Meu Deus aconteceu alguma coisa muito grave com esse homem!”, concluiu. Sabia apenas a região onde ele estaria. Fez, então, uma filtragem dos hotéis daquela parte da cidade e ligou um por um, implorando para os recepcionistas que dissessem se ele estava hospedado lá ou não.

Roni não estava em nenhum. Já inconsolável, ligou no último, e uma mocinha muito prestativa, diante de sua aflição, foi verificar no sistema.

- Sim, o hóspede Roni está registrado nesse hotel, vou transferir a ligação para o quarto.

Marcela respirou aliviadíssima. Iria xingar tanto Roni por mais aquela preocupação que iria gastar muitos minutos só com desaforos. Foi então que ouviu novamente a voz da mocinha da recepção.

- Senhora, a ligação retornou, ele não está no quarto. Verifiquei e a chave está conosco. Ele não voltou na noite passada.

Marcela, então, sentiu-se mais no chão do que Bolsonaro quando se jogou nos braços do povo.


Amores Wi-Fi - Temporada 7 Episódio 19: Undererê





Marcela chegou em casa e ainda não havia recebido mensagem de Roni avisando que já estava no hotel.

“Aquela peste deve ter caído no sono mais uma vez”, pensou.

Mesmo assim perguntou pelo whatsapp.

Marcela: Oiee
Marcela: Chegou bem?
Marcela: Avisa assim que puder, criatura.

Ficou olhando o aplicativo processar a mensagem. Segundos intermináveis com aquele ícone girando como se fosse uma roleta de cassino. Tanta espera para, ao final, aparecer o ícone de mensagem não recebida. Como se Roni estivesse com o celular desligado ou sem bateria.

“Deve ter sido isso mesmo, não vou me preocupar, não vou me preocupar”, repetiu, tantas e tantas vezes que até passou a acreditar.

Foi até a cozinha Enquanto isso escutou na sala o som de uma notificação.

- É o meeeeu!

Gritou Bia.

Mensagem de Snapchat. Há muito tempo que não recebia snap.

Abriu o aplicativo afoita para saber se era nude de alguém interessante, ou aquela gente sem noção que posta o mesmo snap na história e no privado. OU aquele tipo de gente que manda snap da festa. Ou aquele tipo de gente que faz snap como se fosse youtuber, e o pior, como se alguém se importasse com o tanto de coisa estúpida que fala.

Depois de muito tempo processando o snap abriu, era de um ex peguete com quem se envolveu por um tempo até que razoável.

Abriu o snap, e na foto, estava ele, o ex peguete e a atual namorada, ambos de roupa íntima na frente do espelho.

- Por que caralho esse homem me mandou snap no privado? Aquele tipo de snap? Por que eu preciso ver ele com a outra?

Esbravejou sozinha. Marcela havia entrado no banheiro.

Aquele “vrá” havia lhe deixado a lição de estar zerada, em mais uma temporada sozinha, que todo mundo a sua volta havia abandonado a busca por alguém em aplicativos. E que ela, somente ela, ainda tentava compreender as coisas e passar pelas próprias barreiras.


***




Thiago entrou no café, e havia meia dúzia de pessoas espalhadas pelas mesas. Na certa alguém em fim de date, ou pessoas se preparando para irem a outros lugares, encontrar outras pessoas e fazer coisas mais divertidas.

Estava mesmo sentindo-se no fundo do poço. Na TV da Samara. Em cima do telhado com medo do ataque dos vermes malditos.

Talvez estivesse sendo mesmo cabeça dura com Tina. Talvez pudesse deixar o bolo para lá, e tantos outros erros que Tina havia cometido, e enfim se acertar.

Mas não era tão fácil.

A garçonete se aproximou.

- Deseja pedir alguma coisa, ou quer um cardápio?

- Não, pode me trazer o café passado direto na xícara, por favor.

- Pois não.


Longe dali, em um bar qualquer, Tina bebia o quinto shot de Tequila e arrancava o microfone do karaokê das mãos de uma mulher para cantar Eliana de Lima.

- Essa música é MINHA!

Gritou, com a dicção prejudicada pelo álcool.

“Agora estou sozinha precisando de vocêêê e você não está por perto pra me ajudaaaaar”, cantava, secando as lágrimas e sujando a roupa com rímel, que não era a prova d’água.

Terminou de cantar, e estava tão sofrida, tão cagada, que ninguém ousou aplaudir aquela manifestação de sofrimento.


Tina pegou mais uma dose e foi sentar na mesa no fundo do bar, e escutar alguém cantando Evidências, apenas para sofrer mais um pouquinho. 

Amores Wi-Fi - Temporada 7 Episódio 18: Apenas Bons Amigos?





O verão estava quase no fim. Naquele dia de clima indeciso, Marcela combinou de encontrar Roni. O que fariam ainda era incerto, pois ele não sabia se iria dormir na sua cidade ou se iria ficar na cidade vizinha, onde tinha parentes.

“Sem problemas, pelo menos a gente vai se ver”, pensou Marcela.

Estava com amigas na rua, a Carolina e a Gia, com sua cachorrinha, a Preta, quando chegou Roni. Abraços burocráticos, afinal, Roni não era muito de demonstrações de afeto em público.

Roni estava com o cabelo platinado. Marcela não costumava curtir, mas achou bem em Roni. Ou é porque estava muito afim dele. Foram todos bater perna pelo bairro, ate que Preta ficou cansada e Gia achou melhor levá-la para casa. Carolina foi também, então Marcela e Roni resolveram comer alguma coisa.

Pediram tanta comida, mas tanta comida, que Marcela passou mal em silêncio. Não quis dizer que havia comido demais. Conversaram sobre muitas coisas, sobre música, sobre filmes, sobre pessoas que conheciam de redes sociais. Parecia mais um primeiro encontro.

Marcela começou a se sentir incomodada, queria ser tocada, queria um abraço. Queria ser beijada. Talvez para que a vissem trocando afeto, é bem verdade, estava cansada de ser sempre a sozinha dos grupinhos. Mas, de verdade, queria estar com Roni.

Mas Roni seguia com sua intimidade pouco avançada.

De vez em quando Marcela pensava se ele esteve realmente afim de estar com ela alguma vez. Se, talvez, o episódio do pedido recusado não invalidou o que ele, aparentemente, vinha demonstrando sentir por ela.

Eram muitos questionamentos, mas nenhuma conclusão.

Quando anoiteceu, Marcela resolveu ir embora. Diante do clima estranho, e de ter saído de casa sem suas coisas pessoais para passar a noite, não foi para o hotel com Roni. Pegaram um taxi juntos até a estação de trem mais próxima, que ficava perto do hotel. Eles desceram juntos, e Roni faria o resto do percurso a pé.

- Mas essa região é muito perigosa Roni, vá com o táxi, não vai fazer quase diferença nenhuma.

- Imagina, vou num instantinho, logo chego.

Aquela despedida quase de amigos deixou Marcela incomodada.

- Você não vai me dar um beijo?

- Aqui?

- E o que tem?

Meio rindo, meio obrigado, Roni lhe deu um beijo. Teria sido mais excitante ganhar um selinho da Hebe.

- Nos vemos amanhã? – perguntou ele.

- Com certeza. E me avise assim que chegar no hotel, tá?

E se despediram. Enquanto se encaminhava para a bilheteria viu Roni se distanciando, um quase amigo.


***



Enquanto isso Tina resolveu colocar um ponto final na novela Avenida Thiago. Nunca mais passaria por aquela avenida. Já estava conformada. Estava enterrada viva igual Nina, atolada no lixão igual Mãe Lucinda, sentindo-se otária igual Tufão.

Pegou sua bolsinha transversal e saiu. Resolveu chegar na casa de Thiago de surpresa, para não dar espaço para desculpas inventadas.

Pegou o metrô, calculando quando tempo teria para falar, para poder pegar o último metrô para voltar. Não teria muito tempo. “Melhor assim, porque aí eu falo tudo de vez com medo de ficar presa na rua”, pensou.

Longe dali, Thiago se preparava para sair de casa. Escolhia um livro para levar, iria espairecer a cabeça em um desses cafés que fecham bem tarde.

Se olhou no espelho, num ritual de perguntas sem respostas, sem saber que aquela era uma prática antiga de Tina. Queria saber o que fazer, quando, no fundo, sabia que era apenas questão de engolir o seu orgulho inútil.

Se tivesse amigos astrólogos creditariam justificariam a prática do orgulho ao signo.

Parou na calçada e abriu o aplicativo do Uber. Em pouco tempo o carro chegou, e foi comendo balas a viagem toda.

Foi nesse instante que Tina dobrou a esquina. Tocou o interfone. Lembrou da vez que foi caminhando toda aquela distância a pé, e acabou chamando a mãe de Thiago de vagabunda. Águas passadas.

Tocou. Tocou de novo. Tocou mais uma vez. Ficou mais no vácuo do que mensagem lida no whatsapp. Desistiu e foi embora, foi beber em algum bar. Talvez aquela ausência fosse um sinal claro de que o ponto final já havia sido dado.


E sem a possibilidade de ser corrigido. 

Amores Wi-Fi - Temporada 7 Episódio 17: Carteira de Trabalho do Coração






Os dias passavam e Marcela seguia na vida de desempregada. Até fazia uns trabalhos esporádicos como freelancer, mas não era o suficiente para cobrir as contas. Logo, logo estaria com o nome mais negativo que a barriga das blogueiras fitness.

Tinha medo que a sua carteira de trabalho ficasse igual sua vida amorosa. Depois de Romeu, não teve nenhuma experiência efetiva. Se no amor as pessoas tivessem um documento que registrasse as experiências, discriminando as atitudes, o início e o término, as faltas cabíveis, entre outros aspectos, a sua estaria prestes a ficar corroída pela ação natural do tempo.

“Que empresa vai querer me contratar depois de tanto tempo de lacunas vazias?”, pensou. O que servia para os dois casos.

Não soube dizer o que seria mais difícil. Mas se lhe perguntassem o que gostaria primeiro, preferia o trabalho. Não era bem verdade que havia macho para toda hora, como disse Cristina Rocha, mas também não era tão burocrático. E tão escasso.

“Mas analisando bem, os dois mercados estão em crise. Não há trabalho, nãop há homem. Estamos em uma crise generalizada”, pensou. Diante disso, soltou, sem querer, um Fora Temer enquanto caminhava na rua. Ninguém deu bola.

Isso a fez pensar no caso de Roni. Havia tanto em comum, e ao mesmo tempo a distância parecia maior que a geográfica.

Nas vezes seguintes que se viram depois daquela conversa, Roni havia perdido toda a atmosfera amorosa que lhe cabia no dia que o conheceu. Como se a recusa de Marcela houvesse rompido as camadas mais profundas e quebrado as possibilidades.

Queria apenas que Roni entendesse que precisava apenas de tempo. Afinal, mesmo tendo resolvido muitas coisas, Marcela ainda era uma medrosa. Mas havia se permitido mais do que achou que poderia.

“Em outros tempos eu já tinha mandado Roni pastar”, falou a si mesma.

E foi assim, reflexiva, caminhando na rua, como se fosse uma personagem de Shonda Rimes, que pegou o telefone e enviou uma mensagem para Roni.

E, baixinho, pronunciou: “IT’S HANDLED”.

Se a vida no amor não lhe permitia ser contratada, iria ser empreendedora do seu próprio campo afetivo. Sobre aquela Marcela, apenas um recado: “Te deixei e você não faz mais falta”.


***




Bia não havia se dado conta, mas, afetivamente, estava mais desempregada do que Marcela. Carteira de trabalho não registra freelancer, que era a sua única ocupação nesse setor.

 “De que adianta ser tão qualificada se o mercado procura apenas serviço temporário?”, refletiu.

*notificação do Tinder*

Um novo match, uma nova conversa vazia, um novo fracasso em marcar encontro. Esse poderia ser o seu currículo recente.

Era esse o prognóstico.

“Mas tão bonitinhos os boys”, pensou, vendo as novas combinações. Se não podia  ser contradada, iria ter que continuar se virando com os serviços temporários. Que ao menos valessem a pena.

Nisso viu que um dos moços era um ex-colega de faculdade. Estava diferente, mais charmoso, atraente. Porém usando apenas camiseta e cueca na foto principal.

-_-

Mesmo assim, movida por uma carência súbita, resolveu puxar assunto. E tudo o que recebeu em troca foi um papo sobre a temperatura.

Não estava sendo nada fácil acertar o caminho.


***





Enquanto isso, Tina havia, intuitivamente, jogado fora a sua carteira profissional do coração. Achou que passado o período de experiência seria contratada, mas foi apenas descartada. Em parte por erros seus, em parte pela falta de visão alheia.

Mas rasgar a carteira de trabalho afetiva não inibia o sofrimento de perder uma vaga.

Por isso achou que comer sorvete pudesse ajudar. Mas não resolveu. Nem dançar nua pelo quarto ajudou.

“Que minhas amigas feministas maravilhosas me perdoem, mas vou sofrer por amor sim”, pensou.


E pensando nisso deu por terminado o seu dia. Mais um dia. Menos um dia. 

Amores Wi-Fi - Temporada 7 Episódio 16: Um a Menos






As coisas entre Roni e Macela estavam realmente diferentes desde a última conversa. Na visão de Roni, e isso ele falou, era que Marcela havia “cagado e andado” para seus sentimentos.

Marcela tomou o cuidado de explicar que não, não havia desdenhado de suas intenções, mas que era importante conhecerem mais um ao outro. Se, por vezes, conhecendo bem alguém as coisas não funcionam, conhecendo pouco as chances eram bem menores.

Sentiu-se muito adulta por pensar assim. Em outros tempos, ela estaria no lugar de Roni. Ou talvez era apenas o medo? Não soube dizer a si mesma, em suas reflexões durante o tempo que gastava no coletivo ouvindo música e imaginando videoclipes.

Quando chegou em casa, depois de alguns contatos nada bem sucedidos para trabalho, resolveu escrever novamente no seu diarinho do Word. Fazia tme pó que não desabafava com ele.

“Olá diário.

Faz tempo que não converso aqui. Ainda bem que você me de graça, né? Porque tô falida. Bem, não tão de graça, tem a conta da luz, etc, mas enfim.

Tô um pouco preocupada, porque esse moço, o Roni, é um cara e tanto. Faz tempo que não me permito tanto conhecer alguém, e você bem sabe. Sempre reclamei das pessoas por coisas que eu mesma criava na minha cabeça.

Algumas vezes eu antecipei os finais, porque sabia que eles iriam chegar logo, e seriam bem doloridos.

Com Roni é diferente, eu apenas me deixo levar por ele. Mas não sei como vai ser, porque já vi que funcionamos em ritmos diferentes. Será que eu deveria abandonar as crenças pessoais que me dão segurança, ou apostar em alguma coisa assim, no escuro?

Você também não serve nem par ame ajudar, me dar uma resposta que preste. Não falo mais com você, humpf.”


***


O papo entre Bia e Davi até que fluiu bem. Parecia haver um interesse mútuo, mas nenhum sinal de que haveria algo mais íntimo. Talvez ele fosse envergonhado, ou apenas muito educado, e não quis forçar nada.

O fato é que o encontro estava chegando ao fim, e Bia não saberia quando o veria de novo.

- Vamos indo para a saída? Já estão vindo me buscar.

Disse ele, de forma cordial.

Na escada rolante Bia observou ele com mais atenção, pois acabou ficando na sua frente nos degraus. Era realmente bonito, tinha jeito de gente rica, e talvez ele tenha achado ela reles demais para ele.

“Eu vou dar na minha própria cara!”, falou em pensamento, diante daquela constatação depreciativa. “Como queria dar uns beijos nesse boy!”

Perto da saída, de repente, chegou duas senhoras bem distintas, bem vestidas.

- Bia, essa é minha mãe e minha tia.

*Beijinhos no rosto*

- Prazer, como vão?

- Estamos bem, obrigada! Vamos, Davi?

Falou a senhora, a sua mãe.

Davi, então, se despediu e disse que voltaria o quanto antes. Mas Bia sabia que era mentira, as pessoas falam coisas por educação.


E foi a primeira vez, em muito tempo, que foi apresentada para a mãe de um homem. Ainda que não tivesse (e nem iria) acontecer nada entre eles. Um a menos. Mas um dia seria apenas um. 

Amores Wi-Fi - Temporada 7 Episódio 15: Escrito nas Estrelas






Tina estava se sentindo tão travada na vida que, na falta de opções racionais, achou que seria uma boa ideia consultar uma cartomante indicada por uma colega de trabalho. Maria João, dizia no cartãozinho. “Leio a sorte no tarô. O passado, presente e futuro”.

Por que diabos alguém iria querer saber do passado, que já foi enterrado, e do presente? Queria saber sobre o futuro. Se iria conseguir laçar o homem por quem estava apaixonada. Isso sim.

Tomou coragem, pegou o cartão e ligou.

- Alô, por favor, eu queria marcar uma hora com a Maria João?

- Sou eu. – Disse uma voz masculina.

- Oi?

- Maria João. Meus pais eram portugueses. E fãs da história de João e Maria.

- ...

- Quando quer o horário?

- Pra ontem seu Maria, é urgente!

- Um segundo.

Tina ouviu o farfalhar do papel, provavelmente a agenda do tarólogo. Alguns instantes depois ele disse:

- Tenho horário somente para semana que vem.

- Seu Maria  o senhor precisa me ajudar, é realmente URGENTE. Eu pago mais!

Tina não entendeu seu próprio desespero, mas seguiu em frente.

- Tá certo, ora pois. Venha às 18h que eu encaixo a senhorita.

E assim selou a sua sorte. Desligou o telefone e ficou imaginando mil coisas que gostaria de escutar. Queria ouvir, da boca de Maria João, que o romance com Thiago estava escrito nas estrelas. Ao menos numa folha de papel.


***



Bia se preparava para um novo date. Depois do encontro não tão bem sucedido com Andrey e dos sumiços e crises de carência do vizinho da piscina, achou que era hora de experimentar novas possibilidades.

Iria sair com Davi, um homem que havia tido match no Tinder há um certo tempo, mas como morava em outra cidade, nunca tinham conseguido se encontrar.

Naquela tarde ele estaria na cidade, então era a oportunidade perfeita.

O calor estava de matar escorpião desidratado. Quando saiu para pegar o metrô sentiu o tecido da roupa colar no corpo, e teve a nítida sensação de que nunca mais descolaria. Quis morrer. Mas achou que tudo valeria a pena.

Chegou no shopping, que ficava perto de onde Davi estava participando de um evento, e esperou. O suficiente para secar o suor.

Viu ele se aproximando, do outro lado da rua, e ficou ligeiramente nervosa. O achou mais bonito ao vivo, chegou a tremer.

- Oi, tudo bem?

- Tudo! Disse Bia – Até que enfim né?

Davi explicou que não teria muito tempo, pois logo voltaria para sua cidade, com alguns familiares, portanto, Bia pensou: “Preciso beijar esse homem o quanto antes”.


***




Tina chegou quase meia hora antes do horário marcado, para não correr o risco de ficar sem atendimento. Entrou na salinha de espera, coberta por panos em tons quentes e imagens estranhas penduradas na parede. Um incenso atacou sua rinite, e havia um clima de mistério no ar.

Acho bom, talvez Maria João fosse mesmo bom no seu trabalho.

Alguns minutos depois uma cliente saiu da outra sala, separada por muitos panos e mantas coloridas, com um ar de felicidade estampado no rosto. Sentiu uma ponta de esperança de que, para ela, as previsões também seriam positivas.

Logo depois, uma senhora vestida de branco e usando um turbante falou:

- Senhorita Tina, pode entrar.

E se retirou. Tina ficou sozinha com Maria João, que nesse momento ainda estava de costas. EM outra situação acharia aquilo tudo roteiro de um filme de comédia barata, mas quem nunca ficou cega pelas emoções?

- Por favor, sente-se e me conte o que deseja.

Tina achou que Maria João lhe observava de um jeito estranho, mas continuou. Contou resumidamente todas as suas histórias até chegar em Thiago, o objeto em questão.

- Seu Maria, quero saber se Thiago vai me perdoar, veja nas cartas, sim?

Maria João misturou o baralho, no maior estilo de mesa de jogo em Las Vegas, e falou:

Corte em dois bolinhos de carta, na sua direção.

Ele começou, então, a postar as cartas, sem muita expressão. E começou a fazer perguntas que Tina imaginou serem para auxiliar na leitura.

- Com que frequência vocês tinham relações sexuais?

- Quê?

- Vocês tinham fetiches juntos?

- Seu Maria…

- A senhorita costumava dar a bunda?

Tina ficou tão chocada que nem conseguiu formular algum desaforo para dizer. Maria João, certamente, estava mais interessado na vida sexual de Tina do que em ler o seu futuro. A não ser que, no futuro, estivesse dentro da bunda de Tina.

Iria telefonar outro dia e dizer uns bons desaforos, ah se ia. Quem sabe até fazer uma denúncia.


Caminhando pela rua, olhou par ao céu e observou as estrelas. Não conseguiu ler nada. “Tá certo que estou cega de amor, mas não aprendi a ler esse braile estrelar”, pensou, como se pudesse tocá-las.