sexta-feira, 24 de junho de 2011

Resistência


Às vezes lhe parecia que a vida estava sempre por um fio. Nos momentos mais absurdos achava que um piano lhe cairia sobre a cabeça, igual aos desenhos animados. Passou a não comer mais nada com corante amarelo. “O amarelo dá câncer!”. Aboliu a carne vermelha. Na verdade tinha pena dos bichos. Abandonou o álcool. O cigarro fora mais complicado, largar cinco maços diários não era fácil. Desistiu de experimentar maconha. Passou a fazer muitos exercícios: natação, vôlei, basquete, atletismo. Mesmo assim parecia que a vida estava sempre por um fio.

Não viajava mais de avião, e se fosse de ônibus só para lugares muito perto. Então, aboliu o veraneio. Andar de carro não andava mais, pois era muito mais difícil controlar os outros motoristas do que ele próprio. Tinha medo de cair de cima das passarelas, não atravessava mais para o outro lado. Tinha medo de se cortar e morrer de tétano. Tinha medo de encontrar um escorpião em seus sapatos. Amazônia, nunca. Lembrou-se das tempestades de raios, eram perigosas. Lembrou-se dos assaltos e balas perdidas. Lembrou-se dos maníacos, dos fora de si. Lembrou-se da saúde pública. Lembrou-se das putas assassinas. Lembrou-se dos furacões, dos homens-bomba. Lembrou-se das febres e das gripes epidêmicas. Parecia que a vida estava sempre por um fio.

“Basta estar vivo”, como diziam os mais velhos. Raskiel, um rapaz com apenas dezoito anos, se tornou um ermitão. Um dia largou os esportes, e o sol não pegava mais. “Dá câncer de pele!”. Tudo o que via pela janela eram ameaças e mais ameaças. O mundo era um purgatório, certamente seria castigado. No espelho uma figura horrenda, com muita barba para fazer, não queria correr o risco de se cortar e sangrar até morrer. Na hora de comer, somente faca de plástico. Estava vivendo como um escravo. No entanto, se esqueceu da maior ameaça: a sua consciência. Contra ela nada podia fazer, nem se esconder. Por isso, parecia que a vida estava sempre por um fio.

E esse fio se rompeu, quando sua consciência ordenou sua auto-morte. Tentou se matar com veneno, mas havia jogado tudo fora. As facas de plástico quebraram antes de perfurarem a epiderme. Então, percebeu que, de todas as armas que podia usar contra si mesmo, de todas que havia se desfeito por causa do medo, ainda restavam seus dedos. Apertou suas narinas e a boca, impedindo a passagem do ar. Pouco a pouco o mundo ao seu redor foi ficando escuro, e nenhuma das ameaças podiam alcançá-lo.

Quando o encontraram, muitos dias depois, reconheceram em seus olhos podres com medo mais uma vítima sem fortaleza nem trincheira diante de um mundo quase perdido.

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