Texto e ilustração: Ricardo Rodrigues
Ana invadiu os sonhos dele,
porque também estava sonhando. Nos sonhos, João desenhava um sol na parede de
um quarto sem janela. João era pintor. Pintava gente. Abstrata, cubista, gente
moderna e contemporânea. Gente. Gente de todos os tamanhos e cores. Com cabelo
e sem cabelo. Mas no sonho pintou um sol, e sua pintura irradiou luz por todo o
quarto, ofuscando os olhos de Ana. João acordou. Era a leiteira de Ana.
Ana acordara meia hora
antes. O leite na leiteira já espumava.
A leiteira apita, tal dia como a madrugada. Antes, fizeram um amor fugaz. Na mesa o café respinga do bule. No coração, um alerta de amor, como o alerta na gamela onde o amanhecer fora anunciado. Ana e João brindaram com café e leite, brindam um amor sem propósito, sem roteiro, sem caminho... e por isso mesmo tão bom.
A leiteira apita, tal dia como a madrugada. Antes, fizeram um amor fugaz. Na mesa o café respinga do bule. No coração, um alerta de amor, como o alerta na gamela onde o amanhecer fora anunciado. Ana e João brindaram com café e leite, brindam um amor sem propósito, sem roteiro, sem caminho... e por isso mesmo tão bom.
Ana serviu mais café para
João, enquanto que este passava margarina no pão.
- Não...
João não queria mais pão.
Serviu só de gula, o que queria era mais um beijo. Ana o deu esse beijo,
adocicado com o mel de sua torradinha quase queimada.
O jornal estava lá fora, e o cachorro dormia. Por isso estava inteiro. O mundo não lhes interessava, porque o mundo, para eles, era aquela mesa, aquele bule e xícaras, o pão e o leite. Ah, o mel também, Ana adorava mel. João queria até aprender apicultura, só para fornecer-lhe o mel mais fresco todos os dias. Em troca, beijos de mel.
O jornal estava lá fora, e o cachorro dormia. Por isso estava inteiro. O mundo não lhes interessava, porque o mundo, para eles, era aquela mesa, aquele bule e xícaras, o pão e o leite. Ah, o mel também, Ana adorava mel. João queria até aprender apicultura, só para fornecer-lhe o mel mais fresco todos os dias. Em troca, beijos de mel.
Durante o dia esperavam o
vento balançar os seus cabelos. Era o vento do final da tarde. Então, João
acendia o lampião do galpão para pintar suas gentes. Mas pintou também um sol,
só que um sol de tinta não ilumina nada, só em sonho. Porém , quando
acabou de pintá-lo, virou dia dentro do galpão que até estão estava mergulhado
nas trevas noturnas, salvo por um lampião. Era como se mil pequeninas estrelas
tivessem voado para dentro do lugar. Era ele, o sol de tinta.
- Mas como? - falou Ana,
surpresa.
E os dois, um segurando a
mão do outro, perceberam que ainda estavam dentro do sonho, e que um dia
inteiro pode ser apenas sonho.
Mas Ana não queria acordar,
nem João. Pois ainda sentiam o gosto do café nos lábios um do outro. Mas o sol
fora anunciado, e aos poucos se infiltrou nas persianas dos seus olhos.
Não seria a mesma coisa.
Não seria nem de longe parecido, nem de perto, nem de jeito nenhum. Pois os
sonhos são sempre abstratos, e a vida dura e seca, como se fosse tinta seca.
Mas os dias acabam, e juntos disseram:
- Adeus dia, olá noite, até
amanhã.
Ambos precisavam dormir,
apenas dormir.
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