sexta-feira, 30 de maio de 2014

Amores WI-FI - CAPÍTULO FINAL




Trilha da primeira parte deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=oGSKYRctq2E


Marcela abria o Whatsapp de dois em dois minutos. Nenhuma resposta de Márcio.
Nem um emoji sequer.
“Como pode alguém ter sido tão legal, e mesmo depois de um beijo cheio de vontade, sumir?”, perguntou-se.
Havia interesse, ela sabia que sim.
Mas agora era só silêncio. Um silêncio sem explicação, que a incomodava. Feito mariposa girando ao redor da lâmpada.
Marcela pensou que se não havia vontade de continuar saindo, que Márcio tivesse dito, ao invés de ser um homem exemplar. E de a beijar tão bem. Ela achou estranho, nem fizeram sexo, pois isso é mais comum depois do sexo. Resolveu tomar um café pra se acalmar.
Café.
Resolveu ir atrás de Márcio. Foda-se o seu orgulho.

Na rua, a típica cena de filme dramático.
Ela, a mocinha cujo objetivo é desatar os nós de uma vida amorosa desastrosa.
Márcio, no papel de um galã não tão mocinho. Queria um final razoável para o seu filme, já que não havia Empire State para uma cena final digna nem iria viajar pra alguém correr atrás dela no saguão do aeroporto.
Talvez não tivesse final nenhum.
Mas precisava esclarecer os fatos.

Chegando lá, fez o de sempre.
Sentou na mesma mesa.
Check-in no Foursquare.
*O prefeito está na casa*
“Claro que está”, pensou.
Fingiu escolher o pedido até avistar Márcio.
Ele surgiu da cozinha carregando uma bandeja com pães de queijo e chá.
Bateu o olho em Marcela. Antes de qualquer coisa, foi entregar os pedidos dos clientes.
Voltou
- Oi.
- Oi Marcela. O de sempre?
- Sim.
Respondeu ela. E ficou um tempo em silêncio.
Marcela foi direto ao ponto.
- O que você vai fazer no próximo final de semana?
- Ah, estarei bem ocupado, na verdade.
E com aquelas poucas palavras, Marcela compreendeu que Márcio não queria mais sair com ela.
Podia ter dito para ele verbalizar o que pensava, formalizar o chute, mas achou melhor balançar a cabeça num gesto de “ok”. E mordeu o croissant. E nunca ficou com um gosto tão amargo na boca como naquele dia.
Talvez fosse uma outra marca de geleia.


Sozinha de novo, Marcela. Naturalmente.
Enquanto voltava pra casa, uma música tocava na sua cabeça. As pessoas eram estranhas, de fato. Caminhava pela rua sentindo-se nos end credits de algum seriado melodramático, pois esses eram piores do que o dos filmes. Os filmes se resolvem logo, para o bem e par ao mal, e os seriados continuam. Se estivesse mesmo em um, nessa hora subiriam os letreiros, até a imagem entrar em fade out.
Márcio era mais um homem que ficava pra trás.
“Acho que os relacionamentos na era da internet são assim mesmo”, constatou. Mesmo aqueles que não nascem por meio dela acabam se contaminando. Um vírus fora da máquina.
Na calçada, saindo de uma loja, topou com uma ex-colega do colégio. Susi. Igual à boneca. A turma a zuava porque, quem nasceu pra Susi, jamais seria Barbie.
Mas Susi ficou muito mais linda que a Barbie, com o passar do tempo. Foi um VRÁÁÁÁ na cara de Marcela, que também debochava da boneca que estava sempre em segundo lugar na preferência geral.  
Susi puxou assunto.
Mas a música continuava em sua cabeça.
Sozinha, novamente.
Susi começou a falar coisas, mas Marcela não dava a mínima. Uma mistura de falta de paciência e recalque.
Porém, começou a prestar atenção quando ouviu a palavra internet.
- Meu marido e eu, o Antônio, nos conhecemos no Badoo, dá pra acreditar???
E veio Antônio. Um homem mais charmoso do que bonito. Mas de dar inveja em qualquer um que tivesse sido chutado há 30 minutos. Na verdade, em qualquer situação daria inveja.
Antônio era educado, simpático, e carregava no colo a primeira filha do casal.
Sim, existem pessoas que vencem no amor por meio de um site nebuloso da internet.
E Marcela jamais haveria de ser uma delas, pelo andar da carruagem.
Elogiou a criança e se despediu, queria chegar em casa pra chorar as pitangas no ombro de Bia.


***


Em casa, Bia deslogou todas as suas redes sociais. Ao menos por um tempo. Percebeu que andava tão programada para encontrar um homem na internet que não percebia estar procurando no lugar ou da forma errada. Talvez tenha passado pelo homem certo enquanto tuitava na rua ou respondia mensagem no Tinder no ponto de ônibus. Ou na fila do cinema. Ou na hora do almoço. Ou podia até mesmo ter encontrado em algumas dessas redes, vai saber. Lembrou-se de Eduardo.
Sentiu que fez tudo errado, mas também percebeu que ele talvez estivesse desconfortável. Não que ele estivesse interessado.
Mas talvez estivesse preocupado em não passar nenhuma impressão errada, de não dar esperanças. Se tivesse a oportunidade, num dia qualquer, chamaria Eduardo para conversar.
Por enquanto, percebeu que estava vivendo um inferno astral extended version.
Desde o seu aniversário tudo dava errado na vida afetiva. Encontros não se realizavam, os que se realizavam não passavam do primeiro, com ou sem sexo incluído no combo.
Lembrou-se que sofria da síndrome dos três encontros.
Nunca passava do terceiro, e isso a chateava.
*#chatiada*
Tuitou isso. E deslogou de novo. 
Mas antes viu que chegaram várias replys de gente fingindo se importar. 

Lembrou-se que conheceu Marcela pelo Facebook. Talvez o único caso de amor verdadeiro que a internet tenha lhe proporcionado. Mas era um amor diferente. Ficaram amigas sem precisar de nenhum esforço. De nenhum clicar de coração. Se conheceram pessoalmente em uma festa. Marcela havia recém rompido com Romeu naquela época. Bia estava ficando com um rapaz que conheceu no Twitter, o qual, meses depois, pegaria com uma amiga sua.
Mas nessa noite, Bia e Marcela formaram a relação sem fim. Todos achavam que elas eram um casal, mas não eram. Conheciam tanto uma à outra, havia tanta intimidade, que não havia mais espaço. E assim seguiram o tempo, presenciando as alegrias e os (muitos) fracassos amorosos uma da outra. Como agora.
Bia sabe que, ao entrar por aquela porta, Marcela estará de mal com o mundo.
Não está sendo fácil, pensou.
E qual foi sua surpresa ao ligar a TV?
Numa reprise do Globo de Ouro no Viva, essa música corroborava com os seus pensamentos: https://www.youtube.com/watch?v=4FO-GvUYptY
Fez questão de assistir até o fim.
Ao mudar de canal, passava O Mágico de Oz.
“Espantalho, você tá certo. Cérebro é melhor que coração, como quer o homem de lata.”
Mas pensou melhor, e o certo seria ter um pouco dos dois, e que nenhum anulasse o outro.
Marcela chegou do café.
Adorava O Mágico de Oz.
Estranhou Bia não estar no celular, catando dates, mas entendeu que Bia estava cansada.
Ela também estava.
Desistir de se relacionar? Jamais. Porém, nem tudo pode ser condicionado a um simples clicar de coração num aplicativo. As histórias são mais do que isso.
- Quer ver filme, Marcela?
Pensou em aceitar. Seria o típico final de Sessão da Tarde. Amigas mal amadas no sofá comendo pipoca.
- Não, vou sair pra beber.
- Não está meio cedo?
- Amiga, nunca é cedo pra matar as mágoas afogadas num copo de vodka.
E pegou um casaco, o tempo estava mudando.


*Notificação do Whatsapp*
Ainda estava no apartamento quando o telefone tocou.
Era uma mensagem de Márcio. Viu pela tela bloqueada.
Talvez ele estivesse se desculpando, ou apenas confirmando que não queria mais nada com ela. Mas Marcela não leu. Primeiro, porque não fazia questão. Segundo, porque já estava saindo do prédio.

E lá fora, o sinal de wi-fi aos poucos desaparecia.



FIM

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