sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amores WI-FI - Temporada 3 episódio 10 (SERIES FINALE): A Estrada de Desktops Amarelos





Temporada 3
Episódio 10 – A estrada de desktops amarelos – SERIES FINALE


Trilha inicial deste episódio: https://www.youtube.com/watch?v=HaONHdLF55o


Bia sentia como se a sua vida fosse uma eterna mensagem de:

*File not found ERROR*

Já estava pensando em atualizar o seu status no Facebook para:

Mas resignou-se a ficar calada.
E não tocou uma palavra sequer com Gabriel. Nunca mais.
Bom, nunca mais não. Tempos depois, eventualmente, conversariam meia dúzia de palavras.
Mas Bia jamais tocou no assunto do namoro.
Esse recibo ela não quis passar. De amargurada.
Na verdade, o que a deixou chateada não foi o fato dele querer outra mulher. Afinal, eles não tinham nenhum compromisso. E talvez nem teriam.
O que a deixou mal foi o fato dele saber que Vitória era sua amiga, e mesmo assim, sair com ela ao mesmo tempo.
Não se tratava de lealdade, mas de respeito.
Enquanto digeria aquele prato pesadíssimo, ficou pensando que tipo de problema Gabriel haveria de ter, além de ser cretino. E concluiu que, nos dias atuais, o problema das pessoas é que elas, estando apenas ficando com alguém, namorando ou mesmo casadas, estão sempre com um olho aberto para alguma nova oportunidade que aparecer.
Não há um foco, não há entrega. Ninguém parece querer se dedicar pra ninguém com receio de perder algo que seja melhor. 
Às vezes pode ter. Quem vai saber? 
Dizem que só é possível curar uma decepção com outra.
Por enquanto, sua vontade era colocar todos os últimos caras que conheceu dentro de uma sala e entrar assim:


***


Bia acordou. Ou não dormiu.
Não soube dizer ao certo.
Estava com a cara mais amassada do que papel em processo de reciclagem.
E pensou que essa era uma boa metáfora. Após uma sequência de aborrecimentos, sendo que Gabriel conseguiu a proeza de ficar em primeiro lugar no ranking, iria se reciclar.
Precisava reavaliar a sua vida, os seus atos, a sua forma de enxergar os relacionamentos.
Não que tivesse culpa ao preencher o seu álbum de figurinhas de otários, mas talvez estivesse equivocada ao não perceber o barco furando.
Talvez Bia estivesse em um momento de tamanha necessidade de afeto que não percebeu a probabilidade de erro. Talvez não tenha percebido estar sempre em volta das mesmas situações.
Uns diriam que Bia estava sabotando a si mesma, ao procurar a morte anunciada dos seus casos amorosos como uma forma de se proteger. Mas não era isso.
Era uma mistura de carência com vontade de dar certo.
E sendo assim, Bia sempre tentou. E muitas vezes se deu mal.
Se estivesse em uma história de novela, Bia teria o seu capítulo de redenção já previsto lá na sinopse. Talvez até um casamento.
Mas Bia não estava em uma novela.
E estando na vida real, estava sujeita aos imprevistos. Aos desgostos. Às tentativas frustradas.
Podia ser que o seu “último capítulo” demorasse.
Constatando isso, desejou que aparecesse um letreiro na tela da sua vida dizendo: anos depois.
E que acordasse diferente. Com menos incidentes afetivos, com uma história melhor pra recordar.
Só queria que o tempo passasse.

***


Na cozinha Marcela estava conversando com o barbudo pelo Facebook.
Quando viu Bia entrar percebeu que algum estrago muito grande havia sido feito.
- Barbudo, volto já. Tenho um problema aqui com Bia.

*Barbudo sent you a sticker*

Bia relatou o ocorrido, com requintes da melhor narrativa dramática.
Marcela ficou chocada. Pelo tanto que Bia contava, achou que Gabriel fosse diferente.
- Mas não dá pra generalizar – falou Marcela – o fato de você ter preenchido um álbum inteiro com figurinhas de otários não quer dizer que todos são iguais. Existem caras diferentes.
- Cê jura?
- Sim. E olhe que depois do que me aconteceu, poderia ter perdido a fé no sexo masculino. Mas to aqui. Pronta. Se por um acaso nenhum homem prestar pra namorar, você vai se divertir com todos os errados, porque você é uma mulher incrível.
Marcela falou aquilo porque em parte era verdade, mas sabia que a amiga queria viver uma história diferente. Ela também queria.
Marcela tentava entender, enquanto ouvia a amiga desabafar, a lógica das pessoas. Havia muito “mais amor por favor” e pouca aplicação dessa ideia.
Entendia que esse “mais amor por favor” valia para todo o tipo de afeto. Mas quem escrevia isso nos muros e utilizava como status no Facebook ou em legendas do Instagram falava em amor, aquele que envolve o sexo (ou nem sempre). O amor que não envolve apenas a amizade.
As pessoas parecem gostar de um amor de rede social.
Aquele que muda o status, compartilha fotos, num esforço sobre-humano para dizer que há felicidade.
Às vezes tem, muitas vezes não.
Talvez, se Bia continuasse com Gabriel, fosse se tornar uma dessas pessoas.
Sua amiga queria tanto se sentir feliz que poderia passar facilmente ao estágio de quem importa mais mostrar aos outros do que a si mesma que está realizada.
Ou, quem sabe, fosse aprender a se relacionar com os próprios erros.
Não há como saber.

***

Mais tarde, na saído do trabalho, Bia marcou de encontrar Marcela para passar um pouco do tempo.
Quando saía do prédio recebeu uma notificação no celular.
Era mensagem de Eduardo.
Eduardo: Oi Bia, nossa, você está usando cada vez mais maquiagem hein?
Falou, certamente ao ver uma fotografia recente.
Se estivesse com paciência mandaria a seguinte mensagem:


Mas deixou pra lá.
Eduardo Já havia ficado pra trás.

Quando encontrou Marcela já estava anoitecendo.
As luzes da cidade pareciam mais apagadas do que o normal.
Mas para Marcela, elas estavam cheias de cores vibrantes.
Certamente o estado emocional de cada uma delas fornecia uma percepção diferenciada da própria realidade.
Marcela tratou de fazer tudo o que faziam juntas quando saíam; olharam as lojas, lembraram histórias antigas, riram de piadas esquecidas mas que já haviam sido contadas, para que Bia deixasse de lado, pelo tempo que fosse possível, das rasteiras da vida, essa bandida invisível.
E funcionou.
Viu a amiga sorrir, parecendo menos perdida naquela noite.
Bia entendeu, também, que não havia problema em ficar sozinha. A realização não depende unicamente de estar com alguém.
E assim, quando o movimento nas ruas diminuiu e um outro universo tomava conta das ruas, resolveram voltar pra casa.

***

Bia foi dormir assim que chegou.
Era o momento apenas de Marcela e o barbudo.
Era mais do que claro o nível de entrosamento dos dois.
Marcela pensava no quanto dizia a si mesma, de vez em quando, pra ser racional, mas porque ficar pensando no que é certo ou errado? Não havia como dizer que era errado sorrir feito uma boba toda vez que conversavam.
Porque era assim que se sentia.
Marcela tentava não se importar cada vez que o pessimismo batia na porta.
Marcela tinha medo, claro que tinha.
Medo de se decepcionar, de não agradar, de se sentir triste. Todos diziam para deixar de ter medo. Mas não dá para deixar de tê-los. Enfrentá-los sim.
E era isso que faria, muito em breve.
Porque cada vez que conversavam, era uma surpresa.
O barbudo disse que iria levá-la para comer tomates verdes fritos quando fosse visitá-lo.
Marcela sorriu por dentro.
Aquele sorriso que, se fosse em um filme fatástico, aconteceria em forma de uma nuvem mágica enchendo os espaços.
Porque Tomates Verdes Fritos era um de seus filmes favoritos.
Eram pequenas coincidências que só reforçavam a sua vontade.
Não sabia nada do futuro, mas sabia do presente. E pensando nisso foi dormir.
Naquela noite, Marcela teria um sonho estranho.

O sonho de Marcela


Naquela noite Marcela teve um sonho cheio de metáforas.
Viu-se percorrendo uma estrada amarela. Ela era uma Dorothy que vinha do mundo fracassado dos relacionamentos, carregada por uma tempestade emocional, e parava em uma desconhecida terra chamada internet.
Uma bruxa boa lhe perguntou o que desejava.
- Achar um relacionamento de verdade.
A bruxa riu. Mas mandou que ela seguisse a estrada de desktops amarelos para encontrar a resposta.
E nela estavam as criaturas mais incríveis, que representavam homens que havia conhecido em sua trajetória no mundo real: um espantalho, que como diz o nome, era aquele que não dava medo, e que não tinha nada na cabeça.
O homem de lata sem coração.
E o leão, o covarde que não conseguia dizer a verdade na cara.
Naquele mundo fantástico, Marcela precisava seguir a estrada e chegar até o Grande Mágico do Modem. Era ele que poderia ajudar a potencializar o seu sinal de wi-fi nessa busca pela conexão a dois.
Mas quando Marcela chegasse na frente do Grande Modem, precisaria decidir se apostaria de fato nesse meio virtual ou se gostaria de voltar pro seu mundo e enfrentar os tipos que já conhecia.
Marcela entendeu que, na verdade, não havia distinção entre os dois mundos. E que chegar até o mágico não faria a menor diferença.
Mas aceitou um sinal wi-fi mais poderoso. Afinal, tinha muitos filmes e séries para baixar.
E além do mais, era por esse caminho que chegaria até o barbudo.
Ainda no sonho, olhou para o céu e as nuvens passavam rápido demais.
- É a velocidade da internet aumentando! – Disse o Grande Modem – Você precisa voltar, antes que o sinal caia de vez!!

E Marcela acordou com uma sensação estranha.
Encharcada de suor.
Estranhamente, o sinal wi-fi havia caído.
Foi até a cozinha beber um copo de água e viu Bia sentada no sofá, iluminada pela luz do abajur. Achou aquela cena o cúmulo da depressão. Mas de fato ela estava deprimida.
- Quer conversar?
- Ai. Na verdade, não.
Respondeu, com a voz cortada igual sinal de celular no túnel.
- Sabe Bia, essas nossas experiências ruins não serão em vão.  Depois que essa merda toda passar, você vai ser uma mulher diferente. Não é papo de livro de autoajuda não, é verdade. Eu sou a maior prova.
Bia fez um sinal qualquer com a cabeça, mas não falou nada.
Ficaram as duas em silêncio, uma de frente para a outra.
Eram tão parecidas, em tantos aspectos, que podiam, seguramente, afirmar que uma era a versão do passado e a outra a versão do presente de uma mesma mulher.
As histórias se cruzavam de tal forma que uma entendia a outra sem precisar de nenhuma explicação.
Ambas viveram momentos iguais, porém em épocas diferentes.
Nessa trajetória de relacionamentos, elas viveram experiências bastante intensas.
Havia uma ideia de que o mundo só saberia se relacionar por meio da internet. Havia uma ideia de que na internet era mais fácil, que a oferta poderia ser maior. Mas elas entenderam que as pessoas da internet são as mesmas que elas já conheciam, ou seja, são as pessoas do mundo real inseridas em plataformas diferentes.
Entenderam que elas apenas comportavam-se de outra forma. Mas no fundo, continuava tudo igual.
A internet havia facilitado a aproximação. Havia eliminado algumas etapas mais difíceis, e também aberto espaço para o imediatismo.
Nenhuma delas sabia dizer em que pé isso tudo ia acabar. Talvez existisse uma estrada de desktops amarelos para percorrer, com respostas ao final. Ou talvez fosse surgir uma nova maneira das pessoas encararem – e teorizarem – os relacionamentos.
Enquanto isso, a única coisa que podiam fazer era permanecer no mundo real, pisando nos terrenos desconhecidos, porque é assim que aprenderiam a identificar as oportunidades, quando elas aparecessem.
- Já está quase amanhecendo, que tal irmos naquela padaria aqui perto e tomar um bom café da manhã?
Disse Marcela.
E pra animar a amiga, colocou uma música que elas costumavam ouvir quando estavam de mal com o mundo.


- Deixe a música mexer seu corpo, você vai se sentir nova!
Mas era mentira, assim que a música acabasse, Bia ficaria depressiva novamente.
As duas vestiram um agasalho e saíram cantarolando.
Quando chegaram na calçada, Bia, num reflexo costumeiro, pegou o celular para conferir as notificações.
Mas o sinal wi-fi havia ficado pra trás.
“Tudo bem”, pensou.
Às vezes, era bom viver um pouco a realidade.



FIM

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