Na
semana seguinte ela ainda estava engasgada com o comportamento do terapeuta.
Era inadmissível aquele homem julgá-la assim, numa lavagem a seco. Ele nem a
conhecia.
Mas
por uns momentos pensou que realmente as pessoas devem procurá-lo apenas por
recalque, coração quebrado, essas coisas. Por isso ele tratou logo de
perguntar.
Ficou
chateada por ele sugerir que, de uma forma ou de outra, seu coração seria
fragmentado pelos caminhos inevitáveis do amor. Como se toda história
terminasse num beco sem saída.
“Talvez
termine.”
Ele
já estava sentado, segurando o seu bloquinho.
“Talvez
ele fique escrevendo a lista do supermercado, ou fazendo uma lista com nomes
estranhos de pacientes. Ou escrevendo bilhetes de amor.”
Riu
por dentro, ninguém escreve um email de amor, imagina uma carta. A sociedade
deve ter ficado analfabeta para certas situações.
Como
se a sessão anterior não tivesse acabado, ela respondeu a pergunta.
-
Nenhum dos dois. Eu... eu acho.
Ele
continuou em silêncio. Um silêncio de morte.
Era
um silêncio tão monstruosamente inconveniente que ela ficou constrangida. E por
ficar constrangida, se obrigou a falar.
Falou
desde o início de sua vida amorosa. Que era, na verdade, bastante recente. E
isso lhe doía, porque havia muitas lacunas. E falou que das experiências que
teve, nenhuma tinha sido muito profunda. Mas mentia sempre que alguém lhe
perguntava. Porém não disse sobre a parte da mentira.
Mas
pensou em mentir para o terapeuta. Só que ele tinha olhos de quem lê
pensamentos. Talvez até lesse. Ele tinha um jeito de olhar que era como:
“vamos, fala mais, eu sei que tem mais coisa aí dentro.”
Ela
não queria falar mais. Nem era porque talvez tivesse problemas demais. Estava muito
envergonhada.
O
seu silêncio possibilitou um rio de pequenos ruídos tomar conta do ambiente.
Ouviu o quase silencioso pigarro na garganta do terapeuta. Talvez ele fumasse.
Ou estivesse gripado. Ouviu o barulho do toque silencioso do seu celular no
fundo da bolsa. Percebeu que havia um relógio naquela sala, mas não havia
nenhum ao alcance de seus olhos. Talvez estivesse em uma gaveta. Ouviu o vento
uivando baixinho na fresta da janela. Ouviu o som da sua própria amargura.
Sim,
porque percebeu que era, no fundo, uma mulher amarga. Não pela ausência de um
currículo amoroso maior, mas por ser mais uma personagem entre tantos.
E
ele então lhe disse:
-
Você está se vitimizando. Você é uma quase frouxa. Só não é mais porque teve
cara de falar sobre isso. Sabe esse relógio que você ouviu, mas não viu? Esse
relógio é você. Até semana que vem.
P.S.:
Obra ficcional. O objetivo não é proporcionar nenhum tipo de diagnóstico. Em
casos de algum problema, procure um profissional habilitado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário