terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Amor na Terapia - Sessão 2: Os pedaços que ainda não foram quebrados






Na semana seguinte ela ainda estava engasgada com o comportamento do terapeuta.

Era inadmissível aquele homem julgá-la assim, numa lavagem a seco. Ele nem a conhecia.


Mas por uns momentos pensou que realmente as pessoas devem procurá-lo apenas por recalque, coração quebrado, essas coisas. Por isso ele tratou logo de perguntar.

Ficou chateada por ele sugerir que, de uma forma ou de outra, seu coração seria fragmentado pelos caminhos inevitáveis do amor. Como se toda história terminasse num beco sem saída.

“Talvez termine.”

Ele já estava sentado, segurando o seu bloquinho.

“Talvez ele fique escrevendo a lista do supermercado, ou fazendo uma lista com nomes estranhos de pacientes. Ou escrevendo bilhetes de amor.”

Riu por dentro, ninguém escreve um email de amor, imagina uma carta. A sociedade deve ter ficado analfabeta para certas situações.

Como se a sessão anterior não tivesse acabado, ela respondeu a pergunta.

- Nenhum dos dois. Eu... eu acho.

Ele continuou em silêncio. Um silêncio de morte.

Era um silêncio tão monstruosamente inconveniente que ela ficou constrangida. E por ficar constrangida, se obrigou a falar.

Falou desde o início de sua vida amorosa. Que era, na verdade, bastante recente. E isso lhe doía, porque havia muitas lacunas. E falou que das experiências que teve, nenhuma tinha sido muito profunda. Mas mentia sempre que alguém lhe perguntava. Porém não disse sobre a parte da mentira.

Mas pensou em mentir para o terapeuta. Só que ele tinha olhos de quem lê pensamentos. Talvez até lesse. Ele tinha um jeito de olhar que era como: “vamos, fala mais, eu sei que tem mais coisa aí dentro.”

Ela não queria falar mais. Nem era porque talvez tivesse problemas demais. Estava muito envergonhada.

O seu silêncio possibilitou um rio de pequenos ruídos tomar conta do ambiente. Ouviu o quase silencioso pigarro na garganta do terapeuta. Talvez ele fumasse. Ou estivesse gripado. Ouviu o barulho do toque silencioso do seu celular no fundo da bolsa. Percebeu que havia um relógio naquela sala, mas não havia nenhum ao alcance de seus olhos. Talvez estivesse em uma gaveta. Ouviu o vento uivando baixinho na fresta da janela. Ouviu o som da sua própria amargura.

Sim, porque percebeu que era, no fundo, uma mulher amarga. Não pela ausência de um currículo amoroso maior, mas por ser mais uma personagem entre tantos.

E ele então lhe disse:


- Você está se vitimizando. Você é uma quase frouxa. Só não é mais porque teve cara de falar sobre isso. Sabe esse relógio que você ouviu, mas não viu? Esse relógio é você. Até semana que vem. 






P.S.: Obra ficcional. O objetivo não é proporcionar nenhum tipo de diagnóstico. Em casos de algum problema, procure um profissional habilitado.

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