Ela
passou a semana toda pensando naquela metáfora do relógio.
Aliás,
aquele terapeuta adorava metáforas. Não curtiu muito ser o relógio escondido na
gaveta. Odiava escuridão. Mas talvez ela fosse um relógio que se esconde
sozinho, fazendo o seu tic-tac pra ser notada de alguma forma.
“Nem
era isso”, pensou. Certamente era outra coisa, afinal, quem se esconde não quer
ser achado. E o relógio emitiu ruídos naquele tempo de silêncio pra que alguém
o percebesse. Mas pensando bem, ele nunca parou de emitir seu ruído, ele só foi
notado porque o silêncio foi total. Se ela era o relógio, então estava no mundo
pedindo que alguém a notasse.
Ficou
um pouco triste.
No
caminho, uma mensagem de celular. Era ele. O homem supostamente perfeito, ou
quase isso, querendo sair. Deixou pra responder mais tarde, já havia chegado no
consultório do terapeuta.
Lá
estava ele com seu bloco, e sua mesma camisa xadrez.
Sinalizou
para que sentasse.
Estava
um pouco ofegante, fazia muito calor lá fora.
Ela
estava com a história do relógio na cabeça, mas não sabia se falava ou não. Ou
se falava da mensagem no celular.
-
Recebi uma mensagem dele no celular, quando estava chegando aqui.
Disse,
rapidamente.
Ele
quis ver a mensagem.
-
Não fique com vergonha, é mensagem pornô?
-
Nã... não!
-
Então me dá aqui esse celular.
Ela
ficou envergonhada, porque sua tela de fundo era uma imagem de George Clooney
sem camisa. Ele olhou a imagem.
“Certeza
que está me analisando por isso”, pensou.
Até
que ele encontrou a mensagem. Ele leu, aparentemente mais de uma vez, pela
demora, porque era uma mensagem curtíssima. E lhe estendeu o celular de volta.
-
Leia pra mim, em voz alta.
Ela
achou aquilo estranhíssimo, ele sabia ler, obviamente. Seria algum tipo de
teste? Mas o fez, inconformada.
“Oi,
tudo bem? Só queria dizer que pensei em você hoje, e se não quer sair novamente
comigo. Qualquer coisa me avisa.”
Pronto.
Leu a mensagem, lembrando-se das aulas de oratória que fez na época da
faculdade. Meio que imitou voz de locutora, o que não pareceu impressionar nada
o terapeuta. Sentiu-se uma idiota.
Longo
silêncio.
Pareceu
que ele estava deixando espaço para ela pensar no que a mensagem significava.
Ela
falou sobre mensagens enviadas, mensagens não respondidas, e do quanto se
sentiu idiota em muitas ocasiões, e o quanto isso a bloqueava.
Silêncio
breve.
-
Ouça.
-
O quê? – perguntou ela.
-
Percebe o som do relógio?
-
Humm... não.
-
Pois é, a pilha dele acabou. Nunca ninguém vai achá-lo se não for trocada, a
não ser eu. Mas não vou trocar.
P.S.:
Obra ficcional. O objetivo não é proporcionar nenhum tipo de diagnóstico. Em
casos de algum problema, procure um profissional habilitado.
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