quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Amor na Terapia - Sessão 3: O relógio escondido





Ela passou a semana toda pensando naquela metáfora do relógio.

Aliás, aquele terapeuta adorava metáforas. Não curtiu muito ser o relógio escondido na gaveta. Odiava escuridão. Mas talvez ela fosse um relógio que se esconde sozinho, fazendo o seu tic-tac pra ser notada de alguma forma.

“Nem era isso”, pensou. Certamente era outra coisa, afinal, quem se esconde não quer ser achado. E o relógio emitiu ruídos naquele tempo de silêncio pra que alguém o percebesse. Mas pensando bem, ele nunca parou de emitir seu ruído, ele só foi notado porque o silêncio foi total. Se ela era o relógio, então estava no mundo pedindo que alguém a notasse.

Ficou um pouco triste.

No caminho, uma mensagem de celular. Era ele. O homem supostamente perfeito, ou quase isso, querendo sair. Deixou pra responder mais tarde, já havia chegado no consultório do terapeuta.

Lá estava ele com seu bloco, e sua mesma camisa xadrez.

Sinalizou para que sentasse.

Estava um pouco ofegante, fazia muito calor lá fora.

Ela estava com a história do relógio na cabeça, mas não sabia se falava ou não. Ou se falava da mensagem no celular.

- Recebi uma mensagem dele no celular, quando estava chegando aqui.

Disse, rapidamente.

Ele quis ver a mensagem.

- Não fique com vergonha, é mensagem pornô?

- Nã... não!

- Então me dá aqui esse celular.

Ela ficou envergonhada, porque sua tela de fundo era uma imagem de George Clooney sem camisa. Ele olhou a imagem.

“Certeza que está me analisando por isso”, pensou.

Até que ele encontrou a mensagem. Ele leu, aparentemente mais de uma vez, pela demora, porque era uma mensagem curtíssima. E lhe estendeu o celular de volta.

- Leia pra mim, em voz alta.

Ela achou aquilo estranhíssimo, ele sabia ler, obviamente. Seria algum tipo de teste? Mas o fez, inconformada.

“Oi, tudo bem? Só queria dizer que pensei em você hoje, e se não quer sair novamente comigo. Qualquer coisa me avisa.”

Pronto. Leu a mensagem, lembrando-se das aulas de oratória que fez na época da faculdade. Meio que imitou voz de locutora, o que não pareceu impressionar nada o terapeuta. Sentiu-se uma idiota. 
















Longo silêncio.















Pareceu que ele estava deixando espaço para ela pensar no que a mensagem significava.

Ela falou sobre mensagens enviadas, mensagens não respondidas, e do quanto se sentiu idiota em muitas ocasiões, e o quanto isso a bloqueava.


Silêncio breve.


- Ouça.

- O quê? – perguntou ela.

- Percebe o som do relógio?

- Humm... não.

- Pois é, a pilha dele acabou. Nunca ninguém vai achá-lo se não for trocada, a não ser eu. Mas não vou trocar.








P.S.: Obra ficcional. O objetivo não é proporcionar nenhum tipo de diagnóstico. Em casos de algum problema, procure um profissional habilitado. 

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