quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Amor na Terapia - Sessão 4: A ditadura da razão




O decorrer dos dias entre uma sessão e outra só foi possível de aguentar por conta das muitas xícaras de café que ela tomou.

Ela respondeu a mensagem do homem perfeito. Disse que aceitava sim, mas precisava de uns dias pra acalmar a situação no trabalho. Ele concordou, aparentemente animado.

Porem a verdade era que só queria adiar aquele encontro. O máximo que pudesse.

E percebeu que era de fato um relógio com a pilha fraca. Estava quase emudecendo o seu tic tac no fundo de uma gaveta.

Diria isso durante a terapia.

“Nossa como estou falante”, pensou.

Estava sentada na salinha de espera branca olhando os quadros de pintores famosos reproduzidos na parede e com a sensação de que pudesse ser, talvez, um caso perdido. Talvez nunca fosse receber alta.

- Ele está lhe aguardando, pode entrar.

Falou a senhorinha recepcionista.

E entrou. Ele, claro, com a mesma camisa xadrez colorida.

Desligou o celular e sentou-se. E diferentemente dos outros dias, desatou a falar. Contou sobre o que respondeu na mensagem. Ele olhando-a fixamente, parando de vez em quando para escrever no seu bloquinho.

- Por que, ao invés de adiar o encontro, você não cancelou de vez? Não seria mais prático para você?

Disse ele.

E ela não soube responder.

Imaginou novamente que fosse o caso do relógio. Escondida, porém querendo ser notada.

Comentou que havia falando sobre isso com as amigas, e que toas diziam que deveria estar louca, o tal homem era incrível, maravilhoso e etc, que havia perdido a noção das coisas.

- Acho que todas elas tem razão.

Ela disse, soltando um suspiro infantil, desses que estremece as bochechas.

- Pois não existe razão. O que acontece é que as pessoas vivem numa ditadura da razão, como se existisse um padrão de comportamento. Tem gente que é um relógio de pulso, tem gente que é um relógio de parede, tem gente que é um relógio de celular. Todos trabalham e atuam de formas diferentes.

- Mas com um objetivo igual. Isso não seria um padrão?

Ela o questionou.  E isso o incomodou um pouco.

- Sim. Por um objetivo igual, mas nunca de forma igual.

E ela ficou pensando. Sendo assim, não era louca como as amigas disseram. Medrosa sim, mas louca não.

E isso a deixou aliviada. Um problema a menos para resolver.

E chegou o momento de silêncio. Aproveitou para relembrar do homem. Tão lindo... teve vontade de ligar pra ele ali mesmo, mas a imagem das câmeras sendo reveladas novamente lhe veio na mente e ficou paralisada.

Ele percebeu sua angústia, pois anotou coisas freneticamente no bloco.

Ficou preocupada.

De repente, era como se sua vida pudesse ser retratada em simples traços num bloco de terapeuta. Tão vazia que poucas folhinhas seriam o suficiente.

“Queria poder preencher mais algumas folhas.”










P.S.: Obra ficcional. O objetivo não é proporcionar nenhum tipo de diagnóstico. Em casos de algum problema, procure um profissional habilitado.


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