segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Amores WI-FI - Temporada 6 Episódio 1 (SEASON PREMIERE): O Amor é um Jogo Perdido





Previously, on Amores WIFI:

E com aquelas poucas palavras, Marcela compreendeu que Márcio não queria mais sair com ela. Podia ter dito para ele verbalizar o que pensava, formalizar o chute, mas achou melhor balançar a cabeça num gesto de “ok”.

*Notificação do Whatsapp*
Marcela havia dormindo novamente. Era cedo ainda. E acordou outra vez no susto, porque tinha sono leve.
Era Tina, ex-colega de trabalho. Por que escrever tão cedo? Talvez estivesse chegando de alguma festa. Tina estava solteira e desempregada, numa dessas épocas da vida que os acontecimentos ruins esperam um momento único para trolar a pessoa.

Além dos documentos e de seu celular com a tela trincada, Marcela teve certeza absoluta que, de alguma forma, aqueles meliantes levaram junto a oportunidade de sair novamente com Arthur. Quando eles correram, se embrenhando na escuridão da cidade vazia, ia com eles sua alegria. Teve certeza.

Bia, ainda deitada na cama olhando a timeline do Twitter, como fazia sempre, pensava no seu ano de 2014. Abriu um sorriso, secou uma lágrima e disse: “QUE ANO DE MERDA”. Ia tuitar isso, mas ao menos três usuários já tinham tuitado a mesma coisa. Certamente estava nos trending topics.

Marcela chorou um pouco, porque acabou entrando em mais um clipe imaginário. A música a fez pensar sobre sua vida até então. Percebeu que tinha saudade de muitas coisas. Sentiu saudade do tempo que era uma adolescente desengonçada e parecia que o futuro era um tempo sem fim. Dos videoclipes que gravava no videocassete. De encontros que não deram certo, mas poderiam ter dado. Tinha saudades do seu pai que já havia morrido, e tinha saudades da sua mãe que estava longe.




Temporada 6
Episódio 1 – SEASON PREMIERE


Trilha inicial



“Eu nunca fui boa em expressar meus próprios sentimentos. Quase nem chorei na vida. Chorei de verdade quando nasci, quando assisti o último episódio da série Six Feet Under e quando minha mãe ficou doente. Fora isso, fui sempre meio reprimida.

Uma chorona enrustida, no armário.

Nem nos relacionamentos fracassados eu chorava. Seria bom se chorasse, poderia encher a Cantareira e salvar as pessoas da seca. Só chorei com Romeu. Mas esse não vale lembrar.

O fato é que estou aqui escrevendo num diarinho, coisa que nunca fiz antes na vida. É tipo uma terapia, porque pra terapia de verdade não tenho dinheiro. E o bom é que não estou fazendo textão inútil no Facebook.

Então, querido diário (no Word, porque não sou obrigada a carregar agendinha de papel), meu nome é Marcela, eu não choro. Talvez eu tenha uma doença. Ou só precise sofrer mais pra chorar. Brincadeira, tá bom assim.

E vou parar por aqui, porque cansei de digitar. Está tarde, a Bia certamente irá assistir alguma coisa no computador até pegar no sono. Acho que vou também. Queria que o que escrevo tivesse o poder de induzir o sonho, sabe?

Mas lembrei de uma piada que li na internet outro dia. Um candidato se apresenta na escola de mutantes. – Qual o eu poder?, perguntou o entrevistador. E o candidato respondeu: – Querer. – Desculpe, mas querer não é poder.

Essa sou eu, querer não é poder.

Querer não é poder encontrar um cara que preste.

Querer não é poder baixar a guarda quando alguém que presta aparece.

Querer não é poder deixar de ser trouxa.

Mas querer já é um começo, eu acho.

É isso. Obrigado por me ouvir. Ou melhor, ler. Ou melhor, você não tá nem lendo, só recebendo o texto e.... Ah, sei lá. Só queria que amanhã fosse igual na vinheta da Globo: “Hoje é um novo dia de um novo tempo que começou”, mas será apenas quarta-feira.

Boa noite.”

Naquela madrugada Marcela não sonhou. Mas dizem que as pessoas sempre sonham, porém nem sempre recordam. Talvez tenha sonhado com algo bom do passado. Beeem do passado.


***


Bia ainda conversava com o rapaz de Berlim, o que conheceu pelo Instagram. Claramente uma fuga da realidade, pois se não conhecia ninguém nas redondezas, imagina um macho do outro lado do mundo.

Ao menos a conversa era agradável e os elogios alimentavam o seu ego, mais faminto que tamagotchi moribundo.

Mas esses papos andavam cada vez mais escassos. Um dia uma amiga no Facebook lhe chamou por inbox e perguntou de onde o conhecia. Bia explicou que apenas de redes sociais, ao que a tal moça contou: “fiquei com ele três vezes ano passado quando fui a Berlim, e esse ano vamos viajar juntos quando eu for novamente pra Europa!”

Bia ficou extremamente sem jeito, recalcada, mas achou graça em como o mundo pode ser pequeno. Desejou felicidades para a amiga, e desde então passou a conversar pequenas trivialidades com o rapaz, até o dia em que os contatos se limitariam a esporádicos likes em fotografias de comida.

Por isso o (nem tão) bom e velho Tinder estava lá, na pastinha do seu celular, proto pra ser ativado quando quisesse encontrar, pela milionésima vez, alguém interessante.

*Notificação do celular*

Era Marcela, convidando a amiga pra beberem uma cerveja antes de irem pra casa.

- Mas hoje é recém quarta-feira!
- E daí? Meu corpo não sabe disso! Preciso beber alguma coisa!

E assim combinaram, na saída do trabalho. A cidade andava mergulhada num misto de chuva sem fim e calor abafado. Isso não impediu Marcela de achar um boteco. De sapatilha molhada, sentou numa mesa da calçada, abaixo de uma cobertura de lona, pra esperar a amiga.

Já estava escuro quando viu um grupo de pessoas se aproximando, e entre eles o mordedor. Ficou sobressaltada. Um pouco gelada, talvez. Aquela sensação de quando a pressão despenca no nível núcleo da Terra. Era assim que Marcela se comportava diante de situações, talvez, mal resolvidas.

Trilha desta cena:

Mordedor vestia um moletom vermelho. Parecia o Papai Smurf, mas ainda assim lhe caiu bem.

Ele aparentemente não viu Marcela ali sentada, sozinha, esperando a amiga. No pequeno espaço de tempo que ele esteve na calçada, Marcela sentiu muitas coisas.

Sentiu um pouco de saudades, até mesmo da mordida. Sentiu pena por ela ter sido tão fechada em si mesma e ter dispensado o garoto. “Mordedor está ainda mais bonito”, pensou.

Chegou a pensar em acenar pra ele, ser educada, mas ele virou-se pra trás e voltou ao ponto de origem com seus amigos. Talvez as forças do universo o protegem, impedindo de olhar para a cara de Marcela.

De qualquer forma seria uma besteira falar com mordedor, era tarde pra isso.

E Marcela pensou que o amor, de fato, é um jogo perdido. Por outro lado, é o único jogo que, mesmo perdendo e voltando várias casas, nunca iria cansar de jogar. E torcer pela própria vitória. Puro egoísmo. Mas essa é a verdade.

*Notificação de celular*

Era Bia no Whatsapp.

Bia: Marcela desculpa, não vou poder ir.
Bia: Uma colega de trabalho passou mal e estou na emergência com ela.
Bia: Não querendo ser inadequada, mas tem um médico ou sei lá o que ele é aqui, e tá me dando mole.
Bia: Vou stalkear quando chegar em casa.
Bia: Bjos, te cuida.

Marcela bebeu mais um gole da cerveja e se sentiu melhor.

Trilha final:


Se sua vida fosse um seriado, nesse momento a câmera iria se afastar devagar, subindo por uma grua, a trilha aumentando, e a chuva recomeçando a cair. Os créditos iriam costurar a imagem, resumindo um estado de solidão aceitável e bonito.

Mas como não estava em um seriado, a chuva chegou mais forte do que esperava, derrubou o toldo de lona e Marcela ficou toda molhada. Talvez um seriado de comédia pastelão. Incrível como a arte imita a vida e vice-versa.

Mas não se abateu, sentiu até uma felicidade repentina. Era efeito da cerveja. Pegou a garrafa e foi para dentro do bar esperar o temporal diminuir. Lá dentro a música dizia: “Eu estou perdida, mas com esperanças.”



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