Previously, on Amores WIFI:
E com aquelas poucas
palavras, Marcela compreendeu que Márcio não queria mais sair com ela. Podia
ter dito para ele verbalizar o que pensava, formalizar o chute, mas achou
melhor balançar a cabeça num gesto de “ok”.
*Notificação do
Whatsapp*
Marcela havia dormindo
novamente. Era cedo ainda. E acordou outra vez no susto, porque tinha sono
leve.
Era Tina, ex-colega de
trabalho. Por que escrever tão cedo? Talvez estivesse chegando de alguma festa.
Tina estava solteira e desempregada, numa dessas épocas da vida que os
acontecimentos ruins esperam um momento único para trolar a pessoa.
Além dos documentos e
de seu celular com a tela trincada, Marcela teve certeza absoluta que, de
alguma forma, aqueles meliantes levaram junto a oportunidade de sair novamente
com Arthur. Quando eles correram, se embrenhando na escuridão da cidade vazia,
ia com eles sua alegria. Teve certeza.
Bia, ainda deitada na
cama olhando a timeline do Twitter, como fazia sempre, pensava no seu ano de
2014. Abriu um sorriso, secou uma lágrima e disse: “QUE ANO DE MERDA”. Ia
tuitar isso, mas ao menos três usuários já tinham tuitado a mesma coisa.
Certamente estava nos trending topics.
Marcela chorou um
pouco, porque acabou entrando em mais um clipe imaginário. A música a fez
pensar sobre sua vida até então. Percebeu que tinha saudade de muitas coisas. Sentiu
saudade do tempo que era uma adolescente desengonçada e parecia que o futuro
era um tempo sem fim. Dos videoclipes que gravava no videocassete. De encontros
que não deram certo, mas poderiam ter dado. Tinha saudades do seu pai que já
havia morrido, e tinha saudades da sua mãe que estava longe.
Temporada 6
Episódio 1 – SEASON
PREMIERE
Trilha inicial
“Eu nunca fui boa em expressar meus próprios sentimentos.
Quase nem chorei na vida. Chorei de verdade quando nasci, quando assisti o
último episódio da série Six Feet Under e quando minha mãe ficou doente. Fora
isso, fui sempre meio reprimida.
Uma chorona enrustida, no armário.
Nem nos relacionamentos fracassados eu chorava. Seria bom se
chorasse, poderia encher a Cantareira e salvar as pessoas da seca. Só chorei
com Romeu. Mas esse não vale lembrar.
O fato é que estou aqui escrevendo num diarinho, coisa que
nunca fiz antes na vida. É tipo uma terapia, porque pra terapia de verdade não
tenho dinheiro. E o bom é que não estou fazendo textão inútil no Facebook.
Então, querido diário (no Word, porque não sou obrigada a
carregar agendinha de papel), meu nome é Marcela, eu não choro. Talvez eu tenha
uma doença. Ou só precise sofrer mais pra chorar. Brincadeira, tá bom assim.
E vou parar por aqui, porque cansei de digitar. Está tarde,
a Bia certamente irá assistir alguma coisa no computador até pegar no sono.
Acho que vou também. Queria que o que escrevo tivesse o poder de induzir o
sonho, sabe?
Mas lembrei de uma piada que li na internet outro dia. Um
candidato se apresenta na escola de mutantes. – Qual o eu poder?, perguntou o
entrevistador. E o candidato respondeu: – Querer. – Desculpe, mas querer não é
poder.
Essa sou eu, querer não é poder.
Querer não é poder encontrar um cara que preste.
Querer não é poder baixar a guarda quando alguém que presta
aparece.
Querer não é poder deixar de ser trouxa.
Mas querer já é um começo, eu acho.
É isso. Obrigado por me ouvir. Ou melhor, ler. Ou melhor,
você não tá nem lendo, só recebendo o texto e.... Ah, sei lá. Só queria que
amanhã fosse igual na vinheta da Globo: “Hoje é um novo dia de um novo tempo
que começou”, mas será apenas quarta-feira.
Boa noite.”
Naquela madrugada Marcela não sonhou. Mas dizem que as
pessoas sempre sonham, porém nem sempre recordam. Talvez tenha sonhado com algo
bom do passado. Beeem do passado.
***
Bia ainda conversava com o rapaz de Berlim, o que conheceu
pelo Instagram. Claramente uma fuga da realidade, pois se não conhecia ninguém
nas redondezas, imagina um macho do outro lado do mundo.
Ao menos a conversa era agradável e os elogios alimentavam o
seu ego, mais faminto que tamagotchi moribundo.
Mas esses papos andavam cada vez mais escassos. Um dia uma
amiga no Facebook lhe chamou por inbox e perguntou de onde o conhecia. Bia explicou
que apenas de redes sociais, ao que a tal moça contou: “fiquei com ele três
vezes ano passado quando fui a Berlim, e esse ano vamos viajar juntos quando eu
for novamente pra Europa!”
Bia ficou extremamente sem jeito, recalcada, mas achou graça
em como o mundo pode ser pequeno. Desejou felicidades para a amiga, e desde
então passou a conversar pequenas trivialidades com o rapaz, até o dia em que
os contatos se limitariam a esporádicos likes
em fotografias de comida.
Por isso o (nem tão) bom e velho Tinder estava lá, na
pastinha do seu celular, proto pra ser ativado quando quisesse encontrar, pela
milionésima vez, alguém interessante.
*Notificação do celular*
Era Marcela, convidando a amiga pra beberem uma cerveja
antes de irem pra casa.
- Mas hoje é recém quarta-feira!
- E daí? Meu corpo não sabe disso! Preciso beber alguma
coisa!
E assim combinaram, na saída do trabalho. A cidade andava
mergulhada num misto de chuva sem fim e calor abafado. Isso não impediu Marcela
de achar um boteco. De sapatilha molhada, sentou numa mesa da calçada, abaixo
de uma cobertura de lona, pra esperar a amiga.
Já estava escuro quando viu um grupo de pessoas se aproximando,
e entre eles o mordedor. Ficou sobressaltada. Um pouco gelada, talvez. Aquela
sensação de quando a pressão despenca no nível núcleo da Terra. Era assim que Marcela
se comportava diante de situações, talvez, mal resolvidas.
Trilha desta cena:
Mordedor vestia um moletom vermelho. Parecia o Papai Smurf,
mas ainda assim lhe caiu bem.
Ele aparentemente não viu Marcela ali sentada, sozinha,
esperando a amiga. No pequeno espaço de tempo que ele esteve na calçada,
Marcela sentiu muitas coisas.
Sentiu um pouco de saudades, até mesmo da mordida. Sentiu
pena por ela ter sido tão fechada em si mesma e ter dispensado o garoto. “Mordedor
está ainda mais bonito”, pensou.
Chegou a pensar em acenar pra ele, ser educada, mas ele
virou-se pra trás e voltou ao ponto de origem com seus amigos. Talvez as forças
do universo o protegem, impedindo de olhar para a cara de Marcela.
De qualquer forma seria uma besteira falar com mordedor, era
tarde pra isso.
E Marcela pensou que o amor, de fato, é um jogo perdido. Por
outro lado, é o único jogo que, mesmo perdendo e voltando várias casas, nunca iria
cansar de jogar. E torcer pela própria vitória. Puro egoísmo. Mas essa é a
verdade.
*Notificação de celular*
Era Bia no Whatsapp.
Bia: Marcela desculpa, não vou poder ir.
Bia: Uma colega de trabalho passou mal e estou na emergência
com ela.
Bia: Não querendo ser inadequada, mas tem um médico ou sei
lá o que ele é aqui, e tá me dando mole.
Bia: Vou stalkear quando chegar em casa.
Bia: Bjos, te cuida.
Marcela bebeu mais um gole da cerveja e se sentiu melhor.
Trilha final:
Se sua vida fosse um seriado, nesse momento a câmera iria se
afastar devagar, subindo por uma grua, a trilha aumentando, e a chuva
recomeçando a cair. Os créditos iriam costurar a imagem, resumindo um estado de
solidão aceitável e bonito.
Mas como não estava em um seriado, a chuva chegou mais forte
do que esperava, derrubou o toldo de lona e Marcela ficou toda molhada. Talvez
um seriado de comédia pastelão. Incrível como a arte imita a vida e vice-versa.
Mas não se abateu, sentiu até uma felicidade repentina. Era efeito
da cerveja. Pegou a garrafa e foi para dentro do bar esperar o temporal
diminuir. Lá dentro a música dizia: “Eu estou perdida, mas com esperanças.”
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