segunda-feira, 16 de junho de 2014

Amores WI-FI Temporadas 1 e 2 completas






Temporada 1
Episódio 1


- A minha vida amorosa é um eterno aguardar do match no Tinder.
Disse Bia, enquanto remexia no aplicativo de celular.
Marcela, sua colega de apartamento, preparava um café.
Cafeteira travando.
- A minha é essa cafeteira: sempre bloqueando o que eu acho que vai me proporcionar um pouco de prazer.
E assim as duas iniciaram o dia.
Na rua, o frio se fazia.
Frio ficou o café de Bia, ocupada que estava com as tentativas de encontrar algum cara interessante que simpatizasse com sua cara no aplicativo. Marcela havia parado de usar essas ferramentas.
Frio mesmo ficou o coração de Marcela, anos antes, quando foi iludida por Romeu, seu ex-namorado, que do Romeu da literatura nada tinha.
- Preciso de cigarro.
Falou Marcela, erguendo-se da poltrona. E abriu a carteira. Lá dentro, uma nota de um real.
- Você é a única pessoa que conheço que tem nota de um real.
- Eu sei, Bia. Mas não a gasto. Ela me dá sorte.
- Pena que não no amor, né querida?
Marcela ficou magoada. Vestiu uma jaqueta velha e saiu.

Três anos antes, Romeu entrou no apartamento da namorada. Bia estava no MSN, teclando com um date qualquer.
Som de *chamar a atenção*
Depois de dez longos anos de relacionamento, Romeu simplesmente falou:
- Conheci uma mulher, ela se chama Dandara, acho que tô afim dela.
- ...
- Foi na sala de bate-papo do UOL.
Marcela continuou muda.
- Vim buscar minha cafeteira. Tchau Marcela.
E desde então, Marcela tem que se virar com uma cafeteira que trava.

No computador, o contato de Bia desmarcava o encontro.

Temporada 1
Episódio 2

Trilha deste capítulo: http://www.youtube.com/watch?v=I-vbyIkkHiQ

Bia conseguiu um match no Tinder.
Estava na cozinha, e ouviu, lá da sala, a sonoplastia típica do aplicativo quando duas pessoas se interessam. Quase não reconheceu o som da notificação.
Fazia muito tempo. Que fase.
E para sua surpresa, o homem puxou assunto.
Ficou louca. Um loba na seca.
- Oi.
Disse ele, lacônico.
- Olá, moço. Reparei em muitas coisas sobre você, mas primeiramente na camiseta dessa banda de folk que eu sempre gostei.
Bia até que se virava bem na internet, sempre passava a imagem de ser segura, divertida, culta. E era. Mas era tímida, e ao vivo sempre parecia outra pessoa.
- Você é mais falante pela internet.
Falavam seus pretendentes. Todos.
E por mais que se soltasse no decorrer do encontro, voltava pra casa com a certeza de que não mais veria o homem.
- Porra Marcela, por que me julgam tanto? Por que não podem levar em consideração que ao vivo é mais difícil? Que por mais inconsciente que seja, num papo pela internet a gente sempre vai mostrar o que temos de melhor? E que isso não é ruim, mas só uma forma de lidar com o meio que a gente tá inserido?
Marcela não sabia o que responder. Ficou comendo um copo de iogurte grego em pé na porta da cozinha.
Bia chorava. E no meio dessa súbita crise parou de responder o novo contato e deletou o Tinder.
Mas iria reinstalar dias depois.

***

Naquele final de tarde Marcela resolveu enfrentar fantasmas e entrar na cafeteria que frequentava com Romeu, o falecido.
Tudo estava do mesmo jeito.
As mesas com toalhinhas vermelhas.
Os vasos de barro com arranjos de alguma flor qualquer que nunca eram iguais.
Os abajures na parede.
A iluminação difusa.
O cheiro de café e condimentos.
Podia ser um pesadelo entrar novamente ali. Voltar para o fundo do poço e reencontrar Samara. Mas precisava, de uma vez por todas, eliminar tudo o que lembrava o falso galã shakespeariano.
- Qual a senha do wifi?
Perguntou para a atendente, pois havia trocado de celular e esqueceu.
- A senha é cupcake.
- Como escreve isso mesmo?
- Cupicaque, porém com pê mudo e k no lugar do queú.
Abriu o Foursquare para fazer check-in.
*O prefeito está na casa*
Era um cliente, chamado Márcio. Ele também havia escrito uma dica. Era bonitinho.
Marcela olhou em volta para ver onde Márcio estava. Mas não o reconheceu, a foto estava com muita sombra e filtro de Instagram.
A dica dizia:
“Um dos melhores cappuccinos da cidade. Peça também o croissant com geleia de pimenta.”
Era o pedido favorito de Marcela. Ironias.
Outro atendente se aproximou ao seu sinal.
- Por favor, um cappuccino e um croissant com geleia de pimenta.
- É o meu favorito.
Disse ele.
Só então Marcela reconheceu. O funcionário era Márcio, do Foursquare. O prefeito. Com muitos amigos, muitos check-ins e muitas badges. 
Ela riu.
Ele riu.
E Marcela, estúpida como toda pessoa fragilizada e carente, cercada por tantas coisas que lembravam Romeu (esse sim merecia morrer envenenado, pensou), entre elas as canecas, os aromas e os ruídos da máquina de café, não conseguiu evitar lembrar-se da letra de uma música que dizia: “Esses são fantasmas que partiram meu coração antes de eu te conhecer.”


Temporada 1
Episódio 3


Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=Z592oUdYFUw

Marcela fumava um de seus muitos cigarros quando recebeu notificação no celular. Mas dessa vez não era mensagem da operadora.
Era Márcio. Sim, ela passou o Whatsapp pra ele. Num impulso. Mentira, não foi impulso.
A verdade era que depois de muito tempo se permitiu sair pra valer com alguém. Não saía com um cara desde que deletou aplicativos e parou de usar Skype. O último foi um homem chamado Alfredo, na casa dos 50 anos. Ele pediu pra ela abrir a cam no Skype e, mesmo relutando, ligou. Ele também.
E o que viu foi um homem ainda mais velho do que já era por foto.
Marcela não tinha problema com homem coroa, maduro, tiozão, etc, já tinha namorado caras mais velhos. Na verdade só não gostava de mentiras. Sentiu-se lesada. Mas tudo bem, ela também mandou uma foto não muito recente.
Porém não eram uns 30 anos de diferença.
Mas Alfredo era um chato. Ele não comia carne. Nada contra isso também, mas passou uma hora falando do sofrimento dos bichinhos, e que o único que comia era peixe, porque tinha a menor memória na hora de ser abatido, e assim, não registrava a dor, blá blá blá.
Não rolou.

Enquanto recebia a mensagem, Bia estava saindo do banho. Tinha um date com alguém chamado Eduardo.
Treinava na frente do espelho uma conversa informal, sobre várias coisas, porque Eduardo era super inteligente. Trabalhava com algo importante, que não lembrava o que era. Não queria correr o risco de parecer desatualizada.

Marcela abriu o Whats (detestava quem falava zap zap).
Márcio: Oi Marcela, o jantar tá de pé na sexta?
Márcio: J
Márcio: <3 p="">
Marcela: Sim
Marcela: Conforme combinado
Márcio: Ok, eu te pego às 8
Márcio: (y)
Márcio adorava emojis, às vezes escrevia apenas com eles. Marcela achava brega, mas até que bonitinho.
Enquanto isso, Bia se perfumava. Usou um perfume que amava, mas que havia saído de linha, portanto estava economizando o último frasco, colocava apenas em ocasiões especiais. Não eram muitas. Já já virava vinagre. Colocou camisinhas na bolsinha de lantejoulas e saiu. Estava decidida a mudar sua postura.
Na sala, Marcela assistia maratona de Will & Grace.


Bia chegou antes do horário combinado, queria ter tempo pra secar o suor do nervosismo.
Escolheu uma mesa estratégica pra observar a porta e outros cantos do restaurante.
Agarrou o cardápio para parecer casual quando ele chegasse.
Ele chegou.
“Meu deus, ele chegou. Puta que pariu, é lindo de verdade.”
Por um momento ficou insegura, o que iria falar mesmo?
Eduardo, no alto de seus dois metros de altura e uma beleza quase descomunal, entrou e sentou-se na mesa da frente. Sim, ele não notou Bia.
“Mas que merda, será que sou tão diferente ao vivo?”
“Oi, cheguei”.
Disse a mensagem de Eduardo no Whats.
Bia respirou fundo. Disfarçou por alguns instantes e chamou Eduardo. Ele ficou sem jeito, riu e mudou para sua mesa.
Conversaram por algumas horas. Beberam café. Comeram sanduíche.
- Bom, preciso ir.
Eduardo foi educado, e caminharam juntos até a esquina onde Bia pegaria um táxi.
Bia ainda tinha esperança de ser beijada naquela noite.
- Então...
- Nos falamos. Qualquer coisa te aviso.
Disse Eduardo.
E se foi.
Bia queria dizer muitas coisas. Que tudo o que fez e falou durante a noite inteira não era sobre a verdadeira Bia. Queria dizer que estava estrategicamente montada sobre um personagem, que mostrou o seu melhor lado, milimetricamente pensado, porque estava se esforçando para agradar. Queria dizer que sim, era tímida, e que esse era seu jeito, que não iria mudar nunca. Queria dizer que gostava de músicas esquisitas. Que detestava o tipo de carne que ele escolheu para o sanduíche. Queria dizer...
Mas não disse, apenas deixou que Eduardo fosse embora.
Ia chegar em casa e escrever alguns tweets sobre isso. No Facebook não comentaria nada, pois lá eram amigos.


Temporada 1
Episódio 4

Trilha do capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=QkMJMNGWeRk

Sexta-feira.
Marcela colocou seu melhor vestido. Uma roupa de domingo, praticamente. Se achou besta por estar tão entregue para alguém que mal conhece, mas “foda-se”, pensou.
Tomou uns goles de café.
O perfume, suave.
Por um momento olhou sua figura no espelho. Estava bonita. Lembrou da forma cretina que Romeu terminou o namoro.
Um namoro longo, não uma brincadeira da festinha da escola.
Quando o conheceu, através de uma sala de bate-papo, pensou que seria apenas sexo casual. Mas Marcela caiu de amores por Romeu.
Tatuado, meio vida loka, o tipo de cara que não quer nenhum compromisso dito de ~gente grande~. Traduzindo, Romeu era um vagabundo. Em um mês estavam juntos. Foram anos bem felizes.
Mas hoje, diante daquele espelho, uma ficha pareceu cair: o quanto carente estava pra topar embarcar em uma aventura com um desconhecido, que para os seus padrões, tinha tudo pra ser um barco furado? Ou apenas resolveu aproveitar o momento, de fato?
Foi interrompida.
*Aviso do whatsapp*
Márcio: cheguei
Márcio: Tô esperando no carro
Márcio: <3 p="">
Marcela: ok!
Marcela: Tô descendo
Se foi ela, meio que flutuando pelos degraus, de tão alegre.
Elevador estragado.
Márcio estava diferente sem o uniforme do café. O achou ainda mais bonito. Charmoso, talvez.
Foram num restaurante árabe, o favorito de Márcio. Marcela nunca havia ido em um, ficou com medo de gafes. Mas era tudo bem atraente no cardápio. Só não pediu quibe cru.
Márcio era o tipo de homem que não deixava o assunto morrer.
Sempre tinha um novo tópico.
Falaram de filmes bons, filmes que queriam assistir. Márcio gostava de clássicos, tipo Laranja Mecânica, Pulp Fiction, e lia muitos livros também. Até mesmo alguns filósofos. Pensou rapidamente que Márcio deveria estar fora do balcão de um café, mas certamente estava lá pra bancar a faculdade.
Márcio falou, em seguida, sobre música, e mais da metade do que citou Marcela nunca tinha sequer ouvido falar.
No geral, Marcela estava bem confortável, e certa de que estava agradando. Marcela adorou os charutos de repolho que ele pediu para ela experimentar.
“Não lembro quando tive um date tão agradável pela última vez”, pensou, enquanto Márcio emendava o fim de um assunto com outro.
Marcela riu com os olhos, era sensual. Assim como Tyra Banks ensinou em um programa de TV, o chamado Smize!!! Porque estava mesmo satisfeita e querendo fidelizar a atração de Márcio.
Na saída do restaurante Márcio beijou Marcela. Beijou com carinho, mas com pegada. E a levou de volta pra casa. Marcela achou fofo. Quando entrou no apartamento mandou um Whatsapp.
Marcela: Adorei te ver.
Márcio: ✔✔

***

Bia estava sentindo-se péssima. Por um momento analisou sua vida na internet. Era uma pessoa popular nas redes sociais. Tinha mais de dois mil amigos no Facebook, três mil seguidores no Twitter, popular por seu gosto musical no Lastfm (onde já havia arrumado alguns encontros, inclusive). Usava um avatar tão bonito que era paquerada até pelo LinkedIn. No entanto, estava sempre sozinha. Tantos amigos, likes, comentários e replys em nada supriam a necessidade orgânica e afetiva que buscava. 
A vida virtual é ingrata.
O faz popular, mas em um universo paralelo. Onde as pessoas não fazem questão de conhecerem umas às outras e de se relacionarem de verdade. É muita zona de conforto. Ou apenas maluquice.
Notificação no celular.
Era uma DM. Alguém elogiando a sua foto nova de avatar e lamentando morar longe.
Bia não respondeu.
Naquela noite de sexta, enquanto Marcela jantava com Márcio, Bia apagou seu perfil no Tinder. Definitivamente.



Bônus do capítulo: aprenda a sorrir com os olhos (Smize), por Tyra Banks - https://www.youtube.com/watch?v=IolPTBw6M9M


Temporada 1
Episódio 5


Trilha da primeira parte deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=oGSKYRctq2E


Marcela abria o Whatsapp de dois em dois minutos. Nenhuma resposta de Márcio.
Nem um emoji sequer.
“Como pode alguém ter sido tão legal, e mesmo depois de um beijo cheio de vontade, sumir?”, perguntou-se.
Havia interesse, ela sabia que sim.
Mas agora era só silêncio. Um silêncio sem explicação, que a incomodava. Feito mariposa girando ao redor da lâmpada.
Marcela pensou que se não havia vontade de continuar saindo, que Márcio tivesse dito, ao invés de ser um homem exemplar. E de a beijar tão bem. Ela achou estranho, nem fizeram sexo, pois isso é mais comum depois do sexo. Resolveu tomar um café pra se acalmar.
Café.
Resolveu ir atrás de Márcio. Foda-se o seu orgulho.

Na rua, a típica cena de filme dramático.
Ela, a mocinha cujo objetivo é desatar os nós de uma vida amorosa desastrosa.
Márcio, no papel de um galã não tão mocinho. Queria um final razoável para o seu filme, já que não havia Empire State para uma cena final digna nem iria viajar pra alguém correr atrás dela no saguão do aeroporto.
Talvez não tivesse final nenhum.
Mas precisava esclarecer os fatos.

Chegando lá, fez o de sempre.
Sentou na mesma mesa.
Check-in no Foursquare.
*O prefeito está na casa*
“Claro que está”, pensou.
Fingiu escolher o pedido até avistar Márcio.
Ele surgiu da cozinha carregando uma bandeja com pães de queijo e chá.
Bateu o olho em Marcela. Antes de qualquer coisa, foi entregar os pedidos dos clientes.
Voltou
- Oi.
- Oi Marcela. O de sempre?
- Sim.
Respondeu ela. E ficou um tempo em silêncio.
Marcela foi direto ao ponto.
- O que você vai fazer no próximo final de semana?
- Ah, estarei bem ocupado, na verdade.
E com aquelas poucas palavras, Marcela compreendeu que Márcio não queria mais sair com ela.
Podia ter dito para ele verbalizar o que pensava, formalizar o chute, mas achou melhor balançar a cabeça num gesto de “ok”. E mordeu o croissant. E nunca ficou com um gosto tão amargo na boca como naquele dia.
Talvez fosse uma outra marca de geleia.

Trilha para essa cena: https://www.youtube.com/watch?v=74JNJ86M4vw

Sozinha de novo, Marcela. Naturalmente.
Enquanto voltava pra casa, uma música tocava na sua cabeça. As pessoas eram estranhas, de fato. Caminhava pela rua sentindo-se nos end credits de algum seriado melodramático, pois esses eram piores do que o dos filmes. Os filmes se resolvem logo, para o bem e par ao mal, e os seriados continuam. Se estivesse mesmo em um, nessa hora subiriam os letreiros, até a imagem entrar em fade out.
Márcio era mais um homem que ficava pra trás.
“Acho que os relacionamentos na era da internet são assim mesmo”, constatou. Mesmo aqueles que não nascem por meio dela acabam se contaminando. Um vírus fora da máquina.
Na calçada, saindo de uma loja, topou com uma ex-colega do colégio. Susi. Igual à boneca. A turma a zuava porque, quem nasceu pra Susi, jamais seria Barbie.
Mas Susi ficou muito mais linda que a Barbie, com o passar do tempo. Foi um VRÁÁÁÁ na cara de Marcela, que também debochava da boneca que estava sempre em segundo lugar na preferência geral. 
Susi puxou assunto.
Mas a música continuava em sua cabeça.
Sozinha, novamente.
Susi começou a falar coisas, mas Marcela não dava a mínima. Uma mistura de falta de paciência e recalque.
Porém, começou a prestar atenção quando ouviu a palavra internet.
- Meu marido e eu, o Antônio, nos conhecemos no Badoo, dá pra acreditar???
E veio Antônio. Um homem mais charmoso do que bonito. Mas de dar inveja em qualquer um que tivesse sido chutado há 30 minutos. Na verdade, em qualquer situação daria inveja.
Antônio era educado, simpático, e carregava no colo a primeira filha do casal.
Sim, existem pessoas que vencem no amor por meio de um site nebuloso da internet.
E Marcela jamais haveria de ser uma delas, pelo andar da carruagem.
Elogiou a criança e se despediu, queria chegar em casa pra chorar as pitangas no ombro de Bia.


***


Em casa, Bia deslogou todas as suas redes sociais. Ao menos por um tempo. Percebeu que andava tão programada para encontrar um homem na internet que não percebia estar procurando no lugar ou da forma errada. Talvez tenha passado pelo homem certo enquanto tuitava na rua ou respondia mensagem no Tinder no ponto de ônibus. Ou na fila do cinema. Ou na hora do almoço. Ou podia até mesmo ter encontrado em algumas dessas redes, vai saber. Lembrou-se de Eduardo.
Sentiu que fez tudo errado, mas também percebeu que ele talvez estivesse desconfortável. Não que ele estivesse interessado.
Mas talvez estivesse preocupado em não passar nenhuma impressão errada, de não dar esperanças. Se tivesse a oportunidade, num dia qualquer, chamaria Eduardo para conversar.
Por enquanto, percebeu que estava vivendo um inferno astral extended version.
Desde o seu aniversário tudo dava errado na vida afetiva. Encontros não se realizavam, os que se realizavam não passavam do primeiro, com ou sem sexo incluído no combo.
Lembrou-se que sofria da síndrome dos três encontros.
Nunca passava do terceiro, e isso a chateava.
*#chatiada*
Tuitou isso. E deslogou de novo.
Mas antes viu que chegaram várias replys de gente fingindo se importar.

Lembrou-se que conheceu Marcela pelo Facebook. Talvez o único caso de amor verdadeiro que a internet tenha lhe proporcionado. Mas era um amor diferente. Ficaram amigas sem precisar de nenhum esforço. De nenhum clicar de coração. Se conheceram pessoalmente em uma festa. Marcela havia recém rompido com Romeu naquela época. Bia estava ficando com um rapaz que conheceu no Twitter, o qual, meses depois, pegaria com uma amiga sua.
Mas nessa noite, Bia e Marcela formaram a relação sem fim. Todos achavam que elas eram um casal, mas não eram. Conheciam tanto uma à outra, havia tanta intimidade, que não havia mais espaço. E assim seguiram o tempo, presenciando as alegrias e os (muitos) fracassos amorosos uma da outra. Como agora.
Bia sabe que, ao entrar por aquela porta, Marcela estará de mal com o mundo.
Não está sendo fácil, pensou.
E qual foi sua surpresa ao ligar a TV?
Numa reprise do Globo de Ouro no Viva, essa música corroborava com os seus pensamentos: https://www.youtube.com/watch?v=4FO-GvUYptY
Fez questão de assistir até o fim.
Ao mudar de canal, passava O Mágico de Oz.
“Espantalho, você tá certo. Cérebro é melhor que coração, como quer o homem de lata.”
Mas pensou melhor, e o certo seria ter um pouco dos dois, e que nenhum anulasse o outro.
Marcela chegou do café.
Adorava O Mágico de Oz.
Estranhou Bia não estar no celular, catando dates, mas entendeu que Bia estava cansada.
Ela também estava.
Desistir de se relacionar? Jamais. Porém, nem tudo pode ser condicionado a um simples clicar de coração num aplicativo. As histórias são mais do que isso.
- Quer ver filme, Marcela?
Pensou em aceitar. Seria o típico final de Sessão da Tarde. Amigas mal amadas no sofá comendo pipoca.
- Não, vou sair pra beber.
- Não está meio cedo?
- Amiga, nunca é cedo pra matar as mágoas afogadas num copo de vodka.
E pegou um casaco, o tempo estava mudando.

Trilha final: https://www.youtube.com/watch?v=CCVdIdAOvNI

*Notificação do Whatsapp*
Ainda estava no apartamento quando o telefone tocou.
Era uma mensagem de Márcio. Viu pela tela bloqueada.
Talvez ele estivesse se desculpando, ou apenas confirmando que não queria mais nada com ela. Mas Marcela não leu. Primeiro, porque não fazia questão. Segundo, porque já estava saindo do prédio.

E lá fora, o sinal de wi-fi aos poucos desaparecia.



FIM



Temporada 2
Episódio 1 – O amor está vivo!
(Capitulo especial estendido)

Previously, on Amores WI-FI:

Naquele final de tarde Marcela resolveu enfrentar fantasmas e entrar na cafeteria que frequentava com Romeu, o falecido.
*O prefeito está na casa*
O prefeito era Márcio, funcionário do café.
- Por favor, um cappuccino e um croissant com geleia de pimenta.
- É o meu favorito.
Ela riu.
Ele riu.

***

Bia queria dizer muitas coisas para Eduardo. Que tudo o que fez e falou durante a noite inteira não era sobre a verdadeira Bia. Queria dizer que estava estrategicamente montada sobre um personagem, que mostrou o seu melhor lado, milimetricamente pensado, porque estava se esforçando para agradar. Mas nada disse.

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Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=UxSyZMX4wzo


Sexta-feira, e Bia acordou muito mais cedo que o comum.
Totalmente improvável sequer acordar, mas acordava.
Programou o despertador para tocar com uma música que falava: o amor está vivo.
Pulou da cama dançando. E mesmo com a temperatura ainda amena, saiu pelo apartamento usando apenas uma bermuda velha e uma camiseta de dormir.
Marcela, em seu quarto, abriu os olhos, mas não deu importância. Estava amarga demais pra qualquer coisa logo cedo.
Bia estava num raro momento de exaltação, de uma felicidade não contida, sem nenhuma razão.
Ergueu os braços pra cima, igual àquelas pessoas consumidas pelo efeito de “balas” na pista de uma balada gritando: É MINHA MÚSICA!
Com os braços pra cima lembrou-se que os últimos meses a colocaram em uma rotina fora do comum.
A música acabou.
Bia caiu sentada no chão.
Foram meses de insatisfação pessoal, de azar nos relacionamentos. Isso já tinha, mas quando as coisas se acumulam, ganham outra dimensão. Estava vazia por dentro.
E achou que podia ser esse o motivo da felicidade. Estava vazia, pronta para preencher com alguma coisa que lhe fizesse bem.
Homens? Eles não seriam o ingrediente principal. Mas com certeza um condimento secundário, afinal, toda receita deve ser divertida de executar.
“Sim, o amor está vivo.”

***

*Notificação do Whatsapp*
Marcela havia dormindo novamente. Era cedo ainda. E acordou outra vez no susto, porque tinha sono leve.
Era Tina, ex-colega de trabalho. Por que escrever tão cedo? Talvez estivesse chegando de alguma festa.
Tina estava solteira e desempregada, numa dessas épocas da vida que os acontecimentos ruins esperam um momento único para trollar a pessoa.
Tina: oiiiiiii
Tina: Tudo bem?
Marcela: Tudo bem, e vc?
Tina: Tudo bem. Olha só, hoje é sexta, tem aquela festa legal que te falei.
Marcela: Que festa?
Tina: -_-
Tina: Te mandei o evento no Facebook! Vai ser de world music!
Marcela sentiu o desânimo corroer seu corpo.
E pensou também que não era possível Tina sair todo final de semana sem emprego.
Marcela: Ai não sei, vou ver.
Tina: Aff
Tina: Vamos, chama a Bia
Tina: minha mãe me emprestou uma grana e consegui uns frees, não vou pedir nada emprestado
Marcela: Vou pensar, te falo depois do almoço
Tina: Tá, bjo
Antes de fechar o Whatsapp, Marcela viu aquela mensagem não lida.
A mensagem de Márcio, há meses marcada inconvenientemente como não lida.
Poderia ter apagado sem ler, mas preferiu deixar ali. Não tinha coragem para apagar, e nem coragem para desvendar o seu conteúdo. Coisa inexplicável pra qualquer pessoa, mais ainda em se tratando de uma mulher querendo responder dúvidas sentimentais dela própria.
E nunca mais pisou no café.
No início sentia saudades e vontade de ir até lá rever Márcio, mesmo que fosse apenas passando pela calçada, mas hoje a saudade do croissant com geleia de pimenta é muito maior. E apenas por isso, incluindo o desgaste, achou que seria melhor não.


***


Algumas horas depois, na hora do almoço, Bia estava de bobeira no Facebook confirmando presença em eventos fakes quando uma janelinha de chat subiu de repente, quase de forma violenta.
Era Eduardo.
Depois de meses, um sinal de vida.
Na verdade, depois do first date desastroso, Bia voltou a falar com o pretendente. O chamou pra jantar algumas vezes. Eduardo confirmava. Mas na hora de combinar ficava semanas sem responder. Então resolveu deixar a história de lado e seguir com a vida.
Mas hoje ele puxou assunto.
- Oi Bia, tudo bom?
Bia sentiu aquele frio no corpo que só o nervosismo dá. Não estava preparada. Ajeitou o cabelo, num reflexo estúpido, como se ele pudesse vê-la sem nenhuma câmera estar ligada.
- Oi, Tudo bem sim.
Escreveu, rapidamente. Se estivesse numa conversa ao vivo, ficaria muda.
- Quanto tempo. Ainda tá de pé aquele convite para jantar?
- Claro que está.
Respondeu, com raiva por nem ao menos criar um pouco de dificuldade. Mas estava cansada desses jogos de charme, cada vez mais frequentes entre quem se conhece por aplicativos de namoro, etc.
- Vamos combinar semana que vem então.
Disse ele.
- Certo, combinamos.
E Eduardo ficou off.
Ficou um tempo parada na frente do computador. Numa mistura de alegria, ansiedade e raiva.
Por que tantos meses depois?
“Devia estar com outra, foi dispensado e ficou tentando com várias até chegar no meu nome na agenda de contatos”, pensou.
Bia preferia pensar sempre no pior.
“Mas podia ser apenas vontade de me ver de novo”.
Afinal, B de Bia vem logo depois do A. Por outro lado, ele podia conhecer um monte de Amandas, Anas, Adrianas...
Apesar das dúvidas, ficou com uma sensação forte de que o amor poderia, sim, estar vivo. Como sentiu logo cedo.


***

Marcela estava nos últimos 15 minutos do horário de almoço quando pegou o celular para responder se ia ou não na festa com Tina.
Criou um grupinho rápido entre ela, Tina e Bia para falar sobre o assunto.
*Renomear conversa: festinha com a Tina*
Marcela: Oi meninas, sobre a festa de hoje, eu topo
Marcela: Tina já me convidou várias vezes e nunca fui, não custa conhecer né
Tina, que já estava online:
Tina: EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE
Tina: <3 p="">
Bia: Vamos sim! Não tinha programado nada hoje.
Marcela: Certo!
Marcela: Falamos depois então, tenho que voltar para o trabalho.
Marcela: Bjos
Tina: Bjos lindaaaaaaas!
Odiava quem escrevia alguma palavra de forma muito prolongada.
Bia: Até depois!
Voltou para as mensagens.
E deu de cara com a mensagem não lida.
Num lampejo de astúcia, Marcela clicou, enfim, na mensagem.

E se deparou com uma longa mistura de palavras, emojis e caracteres desenhados com letras, números e acentos.


Temporada 2
Episódio 2 – Mensagem Recebida


Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=66LnhtnSoKc


Marcela começou a ler a mensagem devagar.
Ao mesmo tempo pensava: será que, durante esse tempo, Márcio entrou no Whatsapp para verificar se eu já tinha lido?
Provavelmente não. Se estivesse tão preocupado, já teria escrito novamente.
Sentou-se num sofá, ainda tinha tempo para ler.
Márcio: Oi Marcela. Desculpe se não pude falar direito com você no café.
Márcio: E desculpe se fui frio.
Márcio: =/
Márcio: A verdade é que curti muito sair com você.
Márcio: Mas não sei se estou pronto para entrar em um relacionamento.
Nessa hora Marcela precisou parar um pouco. “Mas que porra é essa? Quem falou em namorar?”
Márcio: E eu vi que você estava numa vibe raxa amorosa.
Marcela parou de novo. “Mas o que diabos é raxa amorosa?”
Ele explicou.
Márcio: Sabe quando a mulher se apaixona com uma simples gentileza? Então, esse é o pontapé inicial do comportamento de uma raxa amorosa :S
Márcio: :(
Márcio: Eu estava super curtindo sair com você
Márcio: (y)
Márcio: Mas não estou podendo com isso. Não quero lidar com uma raxa amorosa.
Márcio: Dizem que um homem precisa separar a sua vida em dois períodos: o de se divertir e o de se casar.
Márcio: Quero me divertir.
Márcio: Quero ter mais experiência.
Márcio: Não queria ser rude, nem parecer cretino. Eu realmente te acho linda, é divertida, mas tá na hora de você encontrar um cara pra você. O cara certo.
Márcio: E contradizendo Roberto Carlos, esse cara não sou eu.
Márcio: Um beijo, e te cuida.
Márcio: P.S.: se vier no café, pfvr, seja apenas como cliente tá?
Márcio: <3 p="">
Marcela não sabia dizer se estava triste ou com raiva.
Sem dúvidas, foi a mensagem mais absurda que já recebeu. E na próxima vez que Márcio abrir o Whatsapp, saberia que ela leu. Com certeza sentiria um certo orgulho por ser um homem tão transparente e bem resolvido. E tão otário.
Esse é o tipo de homem que se voltasse a lhe procurar, teria prazer em dispensar e mandar passear.

***

Quando chegou em casa, no final da tarde, Marcela mostrou a enorme mensagem para Bia.
Bia começou a ler, alternando reações.
- Pera... ele falou raxa? Tem certeza?
- Sim Bia, falou, tá ali ó.
E mostrou o celular de novo.
- Marcela, amiga, acorda! Esse cara é bixa!
Marcela ficou atônita.
- Mas como assim?
- Acorda mulher, só quem fala raxa são os viados! Haha! Ou é g0y, como virou moda dizer.
Seria possível???
Não havia nenhum problema em ser gay. Marcela só desejou que ele tivesse sido honesto com ela e com ele mesmo. E não ter sido um escroto.
- Mas... mas...
- Acontece, mulher. Homem mal resolvido é o que mais tem. Você só precisa aprender a se ligar mais, usar o seu radar.
Marcela estava impressionada com o conhecimento de Bia.
- Como você sabe tudo isso?
- Sempre tive amigos gays, fui treinada. E eu vou te treinar, começando na festa de hoje.

***

As três, e mais um grupo de amigos de Bia, encontraram-se em um bar próximo da tal festa. As duas já estavam bebendo.
Marcela porque ainda inconformada com a mensagem, que foi a piada da noite.
Bia porque estava eufórica com o contato de Eduardo.
E Tina para mascarar suas desgraças.
Os outros, ninguém sabia dizer.
De repente, Bia viu se aproximando um rapaz que foi muito interessada em pegar.
Rodrigo.
Trabalharam na mesma empresa, anos antes, e na época ele nem 20 anos tinha e Bia já era adultíssima.
Mas ele era gay.
Para a tristeza de Bia.
Ele a cumprimentou e seguiu seu caminho.
- Genteeeee, tá ficando tarde, vamos pegar fila, vamos logo?
Saltou Tina, numa de suas típicas explosões.
E se foram para a tal festa de world music.
Na frente do local meia dúzia de gato pingado, nada de fila, festa flopada.

Mas entraram. E para surpresa de Bia, Rodrigo, o menino gay que desejou ardentemente pegar, estava lá com seus amigos.


Temporada 2
Capítulo 3 – Coração no ritmo da cúmbia

Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=AoJxNciOeaQ

Bia estava observando Rodrigo dançar com os amigos, provavelmente amigos gays como ele.
Lembrou que chamava ele de Bebezinho.
Não apenas pelo fato de, na época, ele ser muito novo, mas ele tinha um rostinho de bebê mesmo.
Jeito de homenzinho, mas carinha de bebê.
O Bebezinho.
Nossa, como Bia o desejava. Na época, Bia estava cursando faculdade, e chegou ao absurdo de inventar uma falsa pesquisa mercadológica sobre o hábito de jovens nas redes sociais.
Tudo mentira pra saber se ele tinha Orkut, Facebook, Msn, e o que mais pudesse servir para stalkear – termo nem utilizado na época.
Mas o bebezinho não tinha nenhuma rede social.
Olhou para o lado e Tina beijava um homem de camisa florida e gravata. Gravata com aquelas presilhas. Mais tarde, Tina iria implicar com a presilha.
Enquanto isso, Marcela bebia.
E dançava.
- Ai Marcela, esse menino, eu era louca por ele, louca!!!! Mas é gay!!!
- Bom, se você diz, acredito, afinal, você é treinada.
Instantes depois, um choque.
Bia ficou desnorteada.
Bebezinho estava beijando uma garota.
*TÃÃÃN – som de erro do Windows*
“Estabiliza e vai!”, pensou Bia. Mas o “vai” não significava ir até lá, mas sim ir ao banheiro, cerveja lhe deixava pior do que bexiga caída. E precisava assimilar a informação longe da pista.

***

Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=SUVlHoZyLmU

Marcela estava num canto dançando kuduro sozinha. Na verdade só lembrou que kuduro existia por causa da abertura de Avenida Brasil.
Oi oi oi...
E lembrou que tuitava isso sempre que a abertura começava.
Marcela estava enfeitiçada naquela boate.
Nunca teve abertura de pélvis o suficiente, mas naquela noite se arreganhou toda na pista.
Estava bêbada.
Estava triste.
Enquanto dançava kuduro, chorava por causa de Márcio.
Ninguém entendia por que diabos alguém se requebrava e chorava ao mesmo tempo. Mas foda-se. A decepção era dela, e a pélvis também.
Tina passou por Marcela e tentou impedi-la antes que se rasgasse. Mas foi em vão. E voltou para o homem da camisa florida e presilha na gravata.
Marcela chorava tanto que ficou com a maquiagem borrada, igual ao Alice Cooper.

***

Começou a tocar uma cúmbia.
Era uma cúmbia remix.
Pra piorar, Beyoncé em espanhol.
Bia não sabia dançar aquilo, mas viu Bebezinho se aproximando do lugar onde ela estava, e de repente seu coração se encheu de uma alegria, de um calor, era uma pulsação nova.
Pulsava ao ritmo da cumbia.
Bia ficou nervosa, como se fosse ainda mais nova do que o Bebezinho na época da firma.
“Ai ele está tão lindo, tá mais homenzinho”, pensou.
Bebezinho parou perto de Bia, e se instalou oficialmente a certeza de que ele estava jogando charme pra ela.
Sim, eles estavam flertando.
Bia já estava alterada, e mesmo nervosa começou a dançar, naquele rito animal em que a fêmea está pronta para a cópula. Mas Bia não tava pensando em copular, exatamente.
Ela se aproximou e pegou na mão de Bebezinho. Bia estava ocupando o papel do macho predador.
“Meu deus, meu Deus...”
Foi tudo o que conseguiu pensar.
Passou o seu rosto no rosto de Bebezinho, ainda sem barba considerável, e em segundos estavam entrelaçados em um beijo cheio de animaizinhos da Disney cantarolando ao redor. Mas a trilha era uma cúmbia remixada.
Beyoncé.
E foi um único beijo.
Em seguida Bebezinho se desprendeu e foi ficar entre os amigos.
Enquanto ele se distanciava, a letra da música dizia: “No hay mas que hablar, terminamos.”
Naquela noite, Bia realizou um sonho. Era como uma página virada, um capítulo finalizado no seu livro afetivo. Se estivesse sua agendinha da Pucca em mãos, iria escrever “Bebezinho” e riscá-lo. Com caneta colorida. Um sonho a menos para alcançar.


Temporada 2
Episódio 3 – Coração no ritmo da cúmbia

Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=AoJxNciOeaQ

Bia estava observando Rodrigo dançar com os amigos, provavelmente amigos gays como ele.
Lembrou que chamava ele de Bebezinho.
Não apenas pelo fato de, na época, ele ser muito novo, mas ele tinha um rostinho de bebê mesmo.
Jeito de homenzinho, mas carinha de bebê.
O Bebezinho.
Nossa, como Bia o desejava. Na época, Bia estava cursando faculdade, e chegou ao absurdo de inventar uma falsa pesquisa mercadológica sobre o hábito de jovens nas redes sociais.
Tudo mentira pra saber se ele tinha Orkut, Facebook, Msn, e o que mais pudesse servir para stalkear – termo nem utilizado na época.
Mas o bebezinho não tinha nenhuma rede social.
Olhou para o lado e Tina beijava um homem de camisa florida e gravata. Gravata com aquelas presilhas. Mais tarde, Tina iria implicar com a presilha.
Enquanto isso, Marcela bebia.
E dançava.
- Ai Marcela, esse menino, eu era louca por ele, louca!!!! Mas é gay!!!
- Bom, se você diz, acredito, afinal, você é treinada.
Instantes depois, um choque.
Bia ficou desnorteada.
Bebezinho estava beijando uma garota.
*TÃÃÃN – som de erro do Windows*
“Estabiliza e vai!”, pensou Bia. Mas o “vai” não significava ir até lá, mas sim ir ao banheiro, cerveja lhe deixava pior do que bexiga caída. E precisava assimilar a informação longe da pista.

***

Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=SUVlHoZyLmU

Marcela estava num canto dançando kuduro sozinha. Na verdade só lembrou que kuduro existia por causa da abertura de Avenida Brasil.
Oi oi oi...
E lembrou que tuitava isso sempre que a abertura começava.
Marcela estava enfeitiçada naquela boate.
Nunca teve abertura de pélvis o suficiente, mas naquela noite se arreganhou toda na pista.
Estava bêbada.
Estava triste.
Enquanto dançava kuduro, chorava por causa de Márcio.
Ninguém entendia por que diabos alguém se requebrava e chorava ao mesmo tempo. Mas foda-se. A decepção era dela, e a pélvis também.
Tina passou por Marcela e tentou impedi-la antes que se rasgasse. Mas foi em vão. E voltou para o homem da camisa florida e presilha na gravata.
Marcela chorava tanto que ficou com a maquiagem borrada, igual ao Alice Cooper.

***

Começou a tocar uma cúmbia.
Era uma cúmbia remix.
Pra piorar, Beyoncé em espanhol.
Bia não sabia dançar aquilo, mas viu Bebezinho se aproximando do lugar onde ela estava, e de repente seu coração se encheu de uma alegria, de um calor, era uma pulsação nova.
Pulsava ao ritmo da cumbia.
Bia ficou nervosa, como se fosse ainda mais nova do que o Bebezinho na época da firma.
“Ai ele está tão lindo, tá mais homenzinho”, pensou.
Bebezinho parou perto de Bia, e se instalou oficialmente a certeza de que ele estava jogando charme pra ela.
Sim, eles estavam flertando.
Bia já estava alterada, e mesmo nervosa começou a dançar, naquele rito animal em que a fêmea está pronta para a cópula. Mas Bia não tava pensando em copular, exatamente.
Ela se aproximou e pegou na mão de Bebezinho. Bia estava ocupando o papel do macho predador.
“Meu deus, meu Deus...”
Foi tudo o que conseguiu pensar.
Passou o seu rosto no rosto de Bebezinho, ainda sem barba considerável, e em segundos estavam entrelaçados em um beijo cheio de animaizinhos da Disney cantarolando ao redor. Mas a trilha era uma cúmbia remixada.
Beyoncé.
E foi um único beijo.
Em seguida Bebezinho se desprendeu e foi ficar entre os amigos.
Enquanto ele se distanciava, a letra da música dizia: “No hay mas que hablar, terminamos.”
Naquela noite, Bia realizou um sonho. Era como uma página virada, um capítulo finalizado no seu livro afetivo. Se estivesse sua agendinha da Pucca em mãos, iria escrever “Bebezinho” e riscá-lo. Com caneta colorida. Um sonho a menos para alcançar.


Temporada 2
Episódio 4 – After party e after paixão

Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=yzibA7YP7VM


Bia despertou por volta das 10 horas. Sua cabeça doía. Fazia tempo que não tinha ressaca.
Levantou devagar e foi até o quarto de Marcela. Que já estava acordada, porém impossibilitada de caminhar porque sentia uma lesão de morte na pélvis.
Deitou-se ao lado da amiga. Que falou, entre gemidos de dor:
- Ééééé Bia, parece que você não estava tão bem treinada. Mas ao menos você se enganou de forma positiva, né?
Sim, ao que tudo indicava, Bebezinho não era gay.
Mas também não fazia diferença, não iria vê-lo tão cedo, não sabia seu sobrenome nem nada para catá-lo nas redes sociais e puxar assunto. Porque assim era mais fácil. Nos últimos anos, depois de sair da firma, se o viu três vezes, sempre ao acaso, foi muito.
Mas enfim, Bebezinho, pela forma como as coisas se desenrolaram, era de fato uma página de agendinha virada.
*Notificação de celular*
As duas olharam, mas era o de Bia.
Tina havia postado fotos da festa e marcado as duas em todas as redes possíveis.
Inclusive Marcela se rachando ao som de kuduro.
- ÓDIO!


***

Enquanto preparava café bem forte, Bia recebeu notificação no celular.
Era um Whatsapp de Eduardo.
Se tremeu toda.
Eduardo: Oi Bia, tudo bem?
Eduardo: Que tal marcarmos aquele jantar segunda?
Bia pensou em fazer gênero, mas foda-se fazer gênero.
Bia: Claro!
Bia: Estarei livre por volta das 19h
Eduardo: Tá.
Eduardo: Te ligo segunda pra combinar o lugar.
Eduardo: Beijo.
E ficou offline.
Bia ainda pensava em Bebezinho, e lembrou que não o conheceu por meios virtuais. Talvez pudesse ligar para a antiga firma e tentar falar com ele, talvez tê-lo encontrado naquela festa fosse um sinal de que poderiam se conhecer melhor. Mas diante da investida de Eduardo, um homem que conheceu na internet, e que agora demonstrava aquele interesse todo, não pôde pensar em mais nada. Era a sua zona de conforto, e abandonar isso acarretaria muitas coisas que não estava disposta a enfrentar no momento.

***

No quarto, Marcela, ainda sem conseguir mover as pernas, lembrou-se de Márcio. Sentiu o assombro da frustração lhe cutucando o peito.
Chorou umas lágrimas curtas.
E pensou que poderia quebrar seus preconceitos e investir de vez na vida virtual. Talvez fosse melhor, porque parecia mais fácil. Ao menos na oferta. Com relação à qualidade, não sabia dizer.
Estava cansada de tentar se enquadrar no que parecia mais aceitável.
Sim, queria ser aquela que conheceu um homem por meios antigos.
Sonhava em encontrar alguém que preste na fila da padaria. Ou quem sabe no parque, num domingo qualquer, enquanto o moço levasse o cachorro para passear, que se desprenderia da coleira e correria na sua direção.
Ok, muito Sessão da Tarde.
Mas em resumo era isso. Porque, em sua cabeça, numa época as pessoas se conheciam assim. Não havia nada que pudesse encurtar distâncias, nem possibilitar ser outra pessoa pra conquistar alguém mais facilmente.
Era tudo olho no olho. Queria algo assim. Mas estava cada vez mais convencida de que era impossível.  Nesse caso, não havia outra solução.
Munida de um pouco de coragem, abriu a loja de aplicativos do seu celular e instalou duas ou três opções de aplicativos de encontro. E páh.

Marcela mudou de ideia.
Marcela estava, enfim, marcando terreno no mundo dos relacionamentos virtuais.

Mas antes de qualquer coisa, apagou as marcações das fotos da Tina.



Temporada 2
Episódio 5 – A única

Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=-FQhrBOovzQ


Marcela acordou na segunda-feira com um gosto doce na boca. Havia bebido vinho na noite de domingo. E acompanhada. Mas não foi resultado dos apps que baixou no celular, e sim obra da confirmação de uma festa no Facebook.


Sábado
15h15

Ainda dolorida, Marcela resolveu passar o sábado na cama com uma bolsa de gelo entre as pernas.
“Nunca mais danço kuduro. Nunca mais bebo.”
Mentira.
Mas naquele momento era verdade.
Estava olhando os inúmeros convites para festas que recebe no Facebook, as quais nunca vai, e resolveu aceitar alguma para socializar com as amigas.
Até porque nenhuma delas iria tocar kuduro.
Escolheu a menor pior e confirmou presença.
*Join*
Não demorou muito chegou uma notificação na inbox. De alguém que não conhecia, ou seja, não tinha entre seus amigos.
Arthur: Oi
Arthu: Tudo bem?
Arthur: Desculpe a invasão, mas acabei de ver vc confirmada na festa e, bem, resolvi vir falar com vc
Marcela: Oi
Marcela: Tudo bem, sem problemas.
Arthur: Posso te adicionar?
Marcela: ok
Marcela não estava dando muita importância para Arthur.
Mas não custava bater um papo, já que ele estava sendo educado. Depois de duas horas de conversa e algumas bolsas de gelo trocadas, Marcela aceitou convite pra tomar um café no domingo.


Segunda-feira
14h
*Notificação do Whatsapp*
Eduardo: Oi Bia
Bia: Oi Eduardo, beleza? Como foi o final de semana?
Falou, sendo genérica no assunto.
Eduardo: Ah foi bom, de muita comilança, e o seu?
Bia: De descanso rsrsrs
Eduardo: Tá certo
Eduardo: Mas então, pensei em te levar naquele restaurante árabe ali perto do hospital, sabe?
Bia: Ah por mim pode ser.
Eduardo: Podemos nos encontrar lá direto, às sete?
Bia: Por mim tudo bem
Eduardo: Até mais tarde então. Bjss
Bia deu uma sacudida no cabelo, tipo comercial de xampu.
Estava sentindo-se a única. Pronta para ser amada.
Concordou, mentalmente, que talvez estivesse um pouco carente, mas estava pronta. Queria, antes de mais nada, se dar oportunidades. E nem sempre é uma tarefa fácil. Mas viu ali uma oportunidade de, ao menos, dar o pontapé inicial.


No dia anterior, domingo
18h
Chovia bastante, e pensou em desistir do café com Arhur.
Mas foi.
Chegou um pouco antes do horário, e pensou consigo mesmo que o café, que também comportava uma livraria, tinha uma péssima decoração. Tinha até uma brinquedoteca na área de livros infantis. Todo o lugar parecia a sala de uma casa mal arrumada. Mas ok, não podia exigir muito de um domingo, e chuvoso. Haviam pessoas estranhas sentadas, e ninguém na mesma situação que ela: um homem sozinho, usando o computador, duas amigas desanimadas debruçadas sobre fatias de torta de frango, e no mezzanino, outras duas amigas conversando.
Arthur demorou muito pra chegar, mas quando chegou, mostrou-se agradável.
Pediu desculpas e sentou-se.
Marcela pediu um mocaccino, mesmo sem gostar muito. Arthur pediu um também.
Conversaram por horas, sobre trabalho, sobre as festas que iam e as que não frequentavam, sobre assuntos sem importância.
O mocaccino acabou, e o café fechou.
- Moro aqui perto, podemos tomar um vinho.
Marcela sabia qual era o código que um convite para beber vinho significava, e por isso resolveu aceitar.
Depois aplicaria mais gelo se fosse preciso, mas naquela noite de domingo, ia #ter.


Segunda-feira
15h
Marcela ainda sentia um gosto bom na boca. Era um gosto de realização pessoal. Estava se sentindo a única, e que merecia ser amada. Ou apenas desejada, que fosse. E nem era por causa de Arthur, mas por estar bem resolvida.
Estava pronta.
*Notificação do Whatsapp*
Arthur: Oi Marcela, tudo bem? Queria saber se você quer ir comigo em uma festa que vai rolar na quarta.
Marcela: ...

________

No próximo episódio de Amores WI-FI:

Bia chegou no restaurante antes de Eduardo, novamente. O mesmo restaurante em que Marcela esteve com Márcio.
Tentou não visualizar o último encontro com ele, mas não conseguiu. Em sua cabeça estavam aqueles momentos todos, uma fantasia delirante onde não era Bia, e sim uma outra mulher.
Tinha em mente o que gostaria de ter dito, mas não sabia se teria ânimo para falar tudo.
Eduardo chegou.
E novamente não a viu sentada na mesa perto da entrada.

“Porra, Eduardo!”



Temporada 2
Episódio 6 – De frente com o medo


Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=rHf6b8LUYCw

Marcela ficou olhando a mensagem no Whatsapp por alguns minutos, e estranhando o fato de Arthur ainda estar demonstrando interesse.
Afinal, seu histórico recente não era muito favorável.
A tal síndrome dos três encontros que assola gente de bem.
Pensou consigo mesma que não teria problemas em aceitar, até porque, dessa vez, não tinha nenhuma expectativa, estava apenas encarando-o como um cara legal para sair. Pela primeira vez desde que o namoro terminou.
Não estava criando nenhuma expectativa, e sentiu-se feliz por isso.
De repente lembrou-se que a festa seria um dia antes do dia dos namorados, e temeu ficar mal por conta de centenas de motivos.
“Foda-se.”
Pensou, e respondeu a mensagem.
Marcela: Claro, vamos sim.
Marcela: Nos encontramos lá?
Marcela: Acho que vou com umas amigas.
Arthur: Ótimo, fica combinado então.
Arthur: Bjo.
Era uma segunda-feira atípica.
Nem viu as horas passarem no trabalho, resultado de quem está menos preocupado com a vida amorosa.
Ao mesmo tempo, Marcela sabia que essa falta de preocupação era passageira. Mas já que a vida era feita de momentos, resolveu aproveitar o atual.
* Notificação do Facebook*
Era Tina, postando fotos perdidas no álbum FESTA WORLD MUSIC COM AS PERIGOSAS e marcando todo mundo.
E lá estava Marcela dançando kuduro.
“Porra, Tina!”

***

Fim da tarde.
Bia ainda estava no trabalho, preparando-se para o jantar.
Mais psicologicamente do que qualquer outra coisa, claro. Sua tarefa era não ficar nervosa.
“Mas se eu ficar nervosa, estarei sendo eu mesma.”
Pensou, diferentemente do que foi no first date.
E com isso ficou menos preocupada. Como não teria tempo de ir para casa e voltar, levou seus apetrechos femininos em uma nécessaire de pelo sintético de vaca. Precisava pelo menos dar um tapa no visual.
Lavou a cara, passou um pouco de corretivo. Apenas para tapar algumas marcas de espinhas. Passou delineador. Batom. E jogou um pouco de blush pra não ficar com cara de internada.
“Gata.”
Disse, ao se olhar no espelho do banheiro da firma. 
*Notificação do Facebook*
Já estava saindo quando o celular tocou.
Era Tina, postando fotos perdidas no álbum FESTA WORLD MUSIC COM AS PERIGOSAS e marcando todo mundo.
Inclusive uma foto que nem sabia ter sido tirada. Nela, Bia aparecia ao fundo atracada com Bebezinho.
“Caralho, Tina!”

***

Marcela estava voltando para casa, e nesse dia resolveu não alterar a sua rota. Normalmente, era obrigada a passar em frente ao café onde Márcio trabalhava, e desde o ocorrido, meses antes, desviava por outra rua.
Mas hoje resolveu dar um basta e matar esse inseto inconveniente que insistia em girar em volta de sua lâmpada.
Caminhou na calçada a passos largos, um tanto ofegante, desviando das senhoras que carregavam compras, das moças passeando com cachorros, das crianças com suas mães voltando pra casa.
Avistou a placa luminosa do café.
Sentiu uma profunda saudade do croissant com geleia de pimenta.
Continuou caminhando.
Parou em frente ao estabelecimento. Pela grande janela correu os olhos pelo lugar, até avistar Márcio preparando alguma bebida quente atrás do balcão.

***

Bia chegou no restaurante antes de Eduardo, novamente. O mesmo restaurante em que Marcela esteve com Márcio.
Tentou não visualizar o último encontro com Eduardo, mas não conseguiu. Em sua cabeça estavam aqueles momentos todos; uma fantasia delirante onde não era Bia, e sim uma outra mulher.
Tinha em mente o que gostaria de ter dito, mas não sabia se teria ânimo para falar tudo.
Eduardo chegou.
E novamente não a viu sentada na mesa perto da entrada.
“Porra, Eduardo!”

*Notificação do Whatsapp*
Eduardo: Oi cheguei
Bia: Eu também, to aqui perto da porta
Eduardo: haha vem aqui no outro lado
Eduardo: :D
Bia: Tô indo.
Bia pegou sua bolsa, sua enorme sombrinha, porque havia chovido um pouco, e foi ao encontro de Eduardo.
Ele estava lindo do jeito que se lembrava, mas de imediato o achou diferente. Estava mais solto.
Cumprimentaram-se com um abraço e acomodaram-se. Eduardo corria os olhos pelo cardápio, mas já sabia o que iria pedir.
Era fã daquele restaurante.
Chamou o garçom e pediu.
Bia não pensou mais em falar todas as coisas que queria, deixou pra lá, porque a noite estava sendo bem mais interessante do que poderia supor. Estava sendo ela mesma, e ele também. Falaram sobre assuntos banais, sobre o trabalho, e sobre telenovela. O que lhe rendeu um convite inesperado.
- Quer ficar um pouco na minha casa? Podemos assistir o final da novela.
- Quero, quero sim.

Respondeu Bia, satisfeita.



Temporada 2
Episódio 7 – De volta pra casa


Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=c4s3dOn0GfQ


Marcela avistou Márcio.
E nada sentiu.
Ficou olhando por alguns instantes através do vidro. A fumacinha do café lhe deu saudades também, porém Márcio nem uma fisgadinha sequer no peito lhe provocou.
Mas bastou ele olhar para a sua direção que a sensação de chão desaparecendo chegou.
Correu da frente do café. Não sabia dizer se Márcio percebeu que ela estava ali, mas o fato é que não estava tão imune assim quanto pensava.
Agora tinha novos fantasmas para exterminar.
Chegou em casa sob um sentimento de derrota.
O que fazer nessa situação? Sim, comer um pote de sorvete.
Foi até a geladeira e pegou um pote de chocolate.
Mas era feijão.
“Bia, sua desgraçada!”.
Nem engordar em paz podia.
Ficou remoendo o fato por um bom pedaço da noite, mas aí lembrou que havia Arthur.
Arthur estava interessado, querendo bons momentos com ela, sem cobranças, sem forçar a barra.
E assim, feito um controle remoto, mudou o canal da sua programação. De um estado de O Diário de Bridget Jones, passou para Duro de Matar.
Mas, por dentro, bem no fundo, ainda estava sem saber para onde ir.

***

Eduardo e Bia saíram do restaurante.
Estava mais frio, por isso Bia falava e saía fumacinha de sua boca. Sentiu-se ridícula por achar aquilo engraçado, mas não comentou, apenas pensou.
Eduardo morava perto do restaurante, por isso foram caminhando até seu apartamento. Bia estava temerosa, já havia sido assaltada algumas vezes, mas desencanou.
Durante o trajeto pouco falaram. Bia não achou bom sinal.
Em poucos minutos estavam diante do prédio.
Bia achou que já seria agarrada no elevador, mas pelo distanciamento, começou a acreditar que Eduardo realmente quisesse apenas ver novela.
Quando entraram no apartamento, que era bem pequeno, Eduardo desculpou-se pela bagunça. Bia não estava nem aí para a bagunça.
Sentaram-se no sofá e ainda estava passando a novela. Assistiram quase todo o tempo em silêncio.
Bia ficou com sede.
E com vontade de fazer xixi.
E com dor de estômago.
Pediu para ir ao banheiro. Chegou lá, jogou um pouco de água na cara, sacudiu os cabelos.
Voltou para a sala, e não demorou muito para Eduardo pegar na sua mão.
“Puta que pariu, que mão enorme.”
Nem olhou para sua cara. Continuou olhando para a TV, rindo da novela.
A novela acabou.
“Que merda, por que estou tensa?”
Olhou para o lado.
“É agora que a gente vai se beijar, senhor!”
E enfim, estava beijando Eduardo. Notou que Eduardo também tinha um rosto enorme. Um rosto lindo. E beijava bem. O pior medo que Bia tinha era de homem que beijava mal. Sua teoria era de que, se o homem beija mal, também trepa mal.
- Vamos ficar um pouco no quarto?
Bia sentiu vontade de rir. Vamos ficar um pouco no quarto is the new quero trepar com você.
Mas foi, claro. Tirou seus sapatinhos de plástico com borracha e deitou na cama. Eduardo veio, todo se querendo, todo macho alfa.
Mas por algum motivo, Bia não estava mais tão encantada.
Ele estava querendo sexo, e enquanto se preparava para tirar a roupa, Bia falou.
- Eduardo, desculpa, mas... Tenho que ir, não posso perder o último metrô.
E se levantou da cama, calçando os sapatinhos de volta. Desculpou-se e deu mais um beijo em Eduardo. Antes de sair da cama, ele disse:
- Da próxima vez seria legal usar um pouco menos de maquiagem, me dá um pouco de alergia na pele do rosto.
Bia olhou para Eduardo, séria, e foi embora. Mas não com o sentimento de que era pra sempre. Ainda iria querer vê-lo. Mas naquela ocasião, algo lhe desligou o interruptor do prazer.
Ou apenas maquiou o nervosismo; a insegurança de fazer algo errado com um homem que quis estar junto durante tanto tempo, o qual quis reparar a má impressão do primeiro encontro.
Maquiagem.
Que homem tem alergia de maquiagem?
Bia chamou um taxi, mesmo tendo tempo para pegar o último metrô.
Se deu ao luxo, iria pagar caro pela corrida.
E pelo vidro da janela, idealizou a sua cena dramática. As luzes da cidade passando, a música tocando no rádio, e seu peito inundado por uma mistura de vergonha, arrependimento e tristeza.

***

Quando chegou em casa, Marcela estava dormindo no sofá.
Toda torta, desgrenhada.
Sentou-se ao seu lado.
Na TV, passava O Casamento do Meu Melhor Amigo.
“Obrigado pelo tapa na cara, TV a cabo. Tudo o que eu queria era um filme sobre mulher arrependida.”
E resolveu ir até a geladeira pegar o sorvete de chocolate.

Mas lembrou que era feijão.



Temporada 2
Episódio 8 – Roubaram minha alegria


Trilha deste capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=H8tS5UQmNQM

A quarta-feira amanheceu em polvorosa.
Na verdade a semana toda estava sendo atípica para Bia e Marcela, e para todas as pessoas também. Sem contar uma possível conjunção dos astros para dar tudo errado, havia a Copa do Mundo.
Começando bem no Dia dos Namorados.
Era muita informação.
E havia a festa logo mais, em que Marcela iria acompanhada de Arthur.
Mas estava estressada mesmo era por outro motivo. Logo cedo, Tina postou novas fotos marcadas.

Resolveu dar um basta e ligou para a amiga.
- Ô Tina, não quero ser indelicada, mas CHE-GA de postar essas fotos em que aparecemos ridículas. Porque você está bem linda em todas. Acha justo? Acha?
Marcela estava descarregando sua raiva.
Estava quase descontrolada.
- De-desculpe Marcela, vou apagar, e não vou postar mais. Até porque acabaram.
- Ótimo. Aliás, vai na festa hoje? Sem a máquina, espero.
- Vou sim.
Tina estava num momento delicadíssimo de sua vida.
Além de estar desempregada, estava insatisfeita afetivamente.
E quem não estava.
Iria desabafar com Bia mais tarde sobre o fato de não ser o tipo de mulher que os homens querem namorar. Ao menos ela achava que eles pensavam isso.
Porque todos os caras interessantes que conhecia só queriam uma noite apenas. Tina nem sempre fazia sexo no primeiro encontro, mas não se policiava com isso, se estivesse com vontade, fazia. Mas não importava as circunstâncias, sempre acabava sozinha.
Ou, talvez, Tina sabotava a si mesma ao perceber que se tratava de um cara legal, e criava todas as barreiras, as quais acha serem culpa dos astros. Mas Tina tinha muito potencial, só precisava aprender a não procurar nada.

***

Bia estava em dúvida se escrevia ou não para Eduardo.
Por que era sempre tão complicado saber o momento certo de fazer contato com alguém? E como saber se a pessoa é ocupada, ou apenas não quer mais nada?
São essas pequenas nuances de interpretação que podiam arruinar qualquer possibilidade. Mas faz parte do pacote que a vida moderna traz.
Resolveu não escrever. Ainda estava com a sensação de que tudo havia desandado quando falou que precisava pegar o último metrô.
“Mas sabe, se ele tiver afim, acho que ele pode me procurar.”
Porém, era fato que ainda iria procurá-lo. Bia detestava ficar com assuntos afetivos mal resolvidos.

***

Marcela já estava em casa quando Bia chegou. Secava o cabelo apressada, queria se dedicar mais à maquiagem. Apesar de Arthur nunca tê-la visto muito maquiada. Mas “sei lá”, pensou, queria se sentir mais bonita.
Bia, por outro lado, estava desanimada. Mas iria porque prometeu.
Conferiu seu celular num vício antigo de verificar novas notificações do Tinder, mas não havia mais Tinder.
Lembrou que uma vez, querendo de toda maneira um date que prestasse, resgatou uma mensagem não respondida de um homem mais velho, interessantíssimo. Não respondeu na época por algo que não se lembrava. Resolveu mandar um oi.
*Sua mensagem não pôde ser enviada*
A vida deveria vir com esses alertas também. Se não era pra ela sair com aquele cara e a vida lhe mandava uma dica em forma de erro de rede, porque não funcionava assim com outros pretendentes ruins?
Tomou um banho e colocou um vestido qualquer, não estava muito inserida no espírito de festa.

***

Tina já as esperava na fila, eufórica como sempre.
Certamente Tina gastava boa parte do seu tempo fingindo estar feliz, e fingia tão bem que acabava convencendo a si mesma que estava tudo bem.
Tina levou um rápido esporro pela história das fotos e fez questão de apagar o álbum ali mesmo.
- Agora não adianta, Tina.
Falou Marcela.
- Uma vez na internet, a informação é eternizada.
Mas estava tudo bem. Marcela estava tão empolgada que não se incomodou por tão pouco.
Quando entraram, Bia tratou de pegar logo um combo duplo. Queria esquecer um pouco o seu fracasso do dia anterior.
Marcela já foi logo procurando Arthur, que não havia chegado ainda.
Tina estava na frente do espelho fazendo selfies. E pediu pra fazer uma com as meninas também.
- Melhor agora, que ainda não estamos bêbadas e com a cara amassada!
Disse ela. E fizeram a foto.
Não demorou muito para a boate ficar lotado, e estava difícil circular e se manter em um lugar de fácil acesso. Marcela queria ser encontrada assim que Arthur chegasse.
Quando voltavam do banheiro deu de cara com ele.
- Vou dar oi para uns amigos e já volto.
Marcela ficou parada feito uma adolescente, mas não estava nem aí.
Ele voltou.
Enquanto isso, Bia pensava: “Senhor, já é dia dos namorados, nos defenda!”
Naturalmente, Marcela e Arthur ficaram juntos a festa inteira. Num momento enorme de sintonia, como não sentiu nem com Márcio.
Bia estava dançando com Tina quando, por volta das quatro horas, Arthur falou:
- Vamos sair pra comer alguma coisa?
Marcela fez que sim e avisou Bia.
Tina já estava se pegando com um cara no outro lado da pista.
Os dois saíram juntos pela avenida, de mãos dadas, a pé. Trocado beijos no meio da rua sem carros. Feito um casal do tipo apaixonadíssimo.
Poderiam ter pego um táxi, mas pelo estado de embriaguez de ambos, nem perceberam que iriam caminhar muito.
Ao passar em frente à uma praça, Marcela olhou para trás e percebeu que iriam ser assaltados.
Arthur largou sua mão.
Bateu aquela sensação de que a morte toca a campainha e não existe vontade de abrir a porta.
E numa jogada rápida de cena, Arthur começou a trocar socos com um dos três homens.
Os outros dois tentaram passar uma rasteira em Marcela, que resistiu e não caiu no chão.
Um deles pegou o celular que estava no bolsinho da sua saia.
Marcela, mesmo com a tela do aparelho toda fodida, tentou argumentar, no auge da bebedeira:
- Moço, pelo amor de Deus, está quebrado!!
Mas não houve tempo para mais nada.
Assim que eles se distanciaram, foi verificar se Arthur estava bem.
Apenas um soco de raspão no rosto.
A seguir ficou um clima estranho no ar. Marcela sentiu que algo mais estava sendo furtado.

Além dos documentos e de seu celular com a tela trincada, Marcela teve certeza absoluta que, de alguma forma, aqueles meliantes levaram junto a oportunidade de sair novamente com Arthur. Quando eles correram, se embrenhando na escuridão da cidade vazia, ia com eles sua alegria. Teve certeza.


Temporada 2
Episódio 9 – Meu cupido é vesgo – Pt. 1


Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=TeLvBPSoRzc

Na noite do assalto já estava acertado que Marcela e Arthur não iriam transar, pois o pai dele estava hospedado em sua casa, vindo do interior para uns compromissos na capital. Iam apenas lanchar e depois ela pegaria o primeiro metrô.
Mas em virtude do assalto, Marcela ficou sem dinheiro, não tinha nem para pegar a condução.
Foi obrigada a ir para a casa de Arthur.
Quando chegaram, o pai de Arthur ficou levemente assustado com o ocorrido, mas foi gentil, e estendeu um colchão na sala para ela dormir.
Poucas horas antes estava vivendo a expectativa de um encontro que parecia mostrar engrenagens menos falhas. Agora, estava ali, deitada na sala do cara que estava pegando, cujo pai dormia no quarto ao lado. Ela estava com a blusa rasgada pelos puxões que levou, sentindo-se um pouco humilhada pela vida.
E para piorar, quando acordasse, seria obrigada a pedir dois reais para poder voltar pra casa.
A vida, ela não estava sendo justa.
Se existe mesmo um filme chamado dia dos namorados macabro, era inspirado nessa quinta-feira. Com a diferença que não eram namorados.
E talvez não se tornariam mais nada.

***

No caminho do metrô, após tomar timidamente uma xícara de café oferecida pelo pai de Arthur, Marcela parou em vários orelhões para avisar Bia que estava bem. Mas a ligação não completava em nenhum.
Estava completamente desgrenhada, sem banho, fedendo a cama.
Na rua as pessoas só falavam em Copa do Mundo. Até mesmo o dia dos namorados ficou meio em off. As floristas pareciam menos preocupadas com os arranjos encalhados.
Encalhada estava ela.
Nos últimos tempos, Marcela era aquele jogador que se posicionava para o pênalti e chutava na trave.
E perdia o jogo.
Foi assim com todos. Por mais que estudasse os esquemas táticos dos relacionamentos, por mais que considerasse as suas próprias experiências, sempre perdia o campeonato. E nem podia dizer que era por falta de apoio da torcida. Marcela era apenas um pé podre nesses jogos afetivos. Essa era a verdade.
Enquanto sentava-se num dos poucos bancos livres, riu da sua própria desgraça, pois, por muito tempo, iria contar em rodas de amigos que argumentou com ladrões para não roubarem seu celular quebrado.

***

Bia estava em casa, foi dispensada do trabalho por conta da abertura da Copa. Não que tivesse interesse no evento, mas depois de uma noite de bebedeira, seria bem bom.
Lembra-se das coisas em fragmentos.
Estava conversando com Tina. No momento seguinte Tina estava enroscada em um barbudo. E foi nesse momento que Bia avisou que iria embora com Arthur.
“Teve.”
Pensou ela. Enquanto recordava-se que havia beijado um cara cuja face era apenas um borrão. Podia ser qualquer um. Podia ser alguém que um dia dispensou. Podia ser uma mulher.
“Nada mais me lembro.”
Nisso, Marcela entrou em casa.
Bia falou.
- Hummmmmmmmmmmmmmmm
- Eu fui assaltada. Junto com Arthur.
- Oi?
E Marcela narrou o corrido. Bia ficou impressionada com o quão fodida a amiga estava na vida amorosa. E agora na vida em geral.
- Eu estou mal, mas você, olha Marcela, nem banho com o oceano inteiro vai ajudar a afastar esse urubu que agoura você.
- Obrigado por ser tão animadora.

Antes de fazer todos os procedimentos de praxe, como cancelar cartões, Marcela tomou um banho demorado. Costumava dizer que o chuveiro era a sua terapia. Era lá que pensava na vida e avaliava o que havia dado errado.
Tudo.
Algumas vezes pensava se era o tipo de pessoa que nasceu para se relacionar.
Marcela não estava desesperada para arrumar um amor pra vida toda, porque no fundo nem acreditava mais nisso, mas só queria ser a mulher que não tem encosto na vida amorosa.
Achar alguém que durasse mais de três encontros.
Se fizesse uma regressão, iria saber, com certeza, que tinha sido uma marafona na outra vida, uma mulher que acabava com os casamentos alheios por puro prazer de ver todo mundo se ferrando.
Agora o carnê do carma estava aí, cobrando suas infinitas parcelas.
E os juros, ah os juros são sempre altíssimos.


Bia estava no Facebook e viu Eduardo online. Quis muito chamá-lo para conversar, combinar a transa que ficou pendente. Ou apenas tomar um café, jantar quem sabe. Qualquer coisa já seria bom.
E percebeu seu desespero.
Era dia dos namorados, vinha de uma série de desamores, portanto, sentiu-se no direito de ficar chateada.
Lembrou-se que nunca, em toda a sua via, passou um dia dos namorados acompanhada.
Seus relacionamentos, todos mais curtos do que um espirro, ou terminavam antes ou começavam depois da data.
Não era dessas mulheres adultas que têm uma caixa grande com lembranças de ex-relacionamentos, presentes do dia dos namorados...  era uma mulher sem experiências concretas o suficiente para poder dizer: “sei bem o terreno onde vou pisar.”
Para Bia, muitas coisas eram novidade.
Por isso a dificuldade em saber lidar com as situações.
E por mais que tenha tentado ganhar essa experiência, a vida lhe passava rasteiras.
“Será que meu cupido é vesgo, tipo Luan Santana? Será que ele mirou nos caras certos, mas o problema de visão o fez cravar a flecha em outros?”
- Não, Bia.
Disse Marcela, que ouviu o comentário da amiga em voz alta.
- Acho que não tem nada a ver com cupido. O problema é com outro cara. Ao que tudo indica, Bia, Santo Antônio ainda não atua no Tinder, não manda DMs sinceras sobre quem você paquera e nem controla quem te cutuca no Face.

***

Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=IrlEalV-dUM


Por que, quando alguém está na fossa, sempre coloca músicas tristes?
Assim estava Bia, choramingando como se estivesse na cena de um filme. Com a música mais cafona que achou na sua playlist.
Jogada no chão olhando para o teto.
Marcela entrou na sala e soltou um grito. Achou que estivesse morta.
Mas mortos não choram. E nem usam o Tinder pra achar homem.
- Isso já está demais. Precisamos sair daqui.
- E encontrar um monte de casais na rua? No way.
Marcela argumentou que era dia de estreia da seleção brasileira na Copa, logo, o dia fatídico seria praticamente esquecido.
- E mesmo que não seja, vamos enfrentá-lo juntas. E tem mais: vamos reinstalar o Tinder e catar uns gringos que vieram pra Copa!
Bia se animou um pouquinho. E se foram pra rua.


Marcela usava um vestidinho azul, aproveitando a inesperada onda de calor.
Bia foi de calça mesmo, e uma blusa qualquer que achou na primeira prateleira. 
O movimento era verde e amarelo. As flores cederam lugar para bandeiras. E os casais estavam camuflados por uniformes iguais.
Não parecia ser tão ruim. A noite não sinalizava nenhum incidente.
Bia e Marcela foram jantar em um dos poucos restaurantes que não estava tomado por torcedores bebendo após a vitória do Brasil sobre a Croácia.
Havia muitos sim, mas não em nível “show da Madonna na promoção do Groupon“.
Acharam uma mesa e já pediram uma porção de batata frita antes do prato principal.
E ligaram o Tinder.
Muito exu, alguns gringos. E as duas loucamente apertando:
X <3 nbsp="" p="" x="">
Até que, de repente, na telinha iluminada de Marcela, aparece Márcio.
Em uma distância de 10 ME-TROS.
Marcela ficou cagada de olhar para os lados. Torceu para que fosse um bug do aplicativo.
Mas não era.
Em uma mesa no seu lado esquerdo, usando uma camiseta da seleção, estava Márcio.

Trilha: https://www.youtube.com/watch?v=mhvBGLQtdYo

Sim, tanta coisa pra dizer.
Ele olhou para o lado no mesmo momento e a viu.
E pensar que quase clicou em coração para Márcio no Tinder. Não que ele fosse clicar também, mas não queria conviver com esse fato.
- Olha lá Bia, o Márcio tá vindo pra cá. O que eu faço?
- Amiga, aja naturalmente.

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Ele levantou e veio devagar. A distância era mínima, mas parece que ele demorou horas para alcançar sua mesa.
Estava bonito, o desgraçado. “Pelo menos eu também tô”, pensou.
- Oi Marcela.
Disse ele.
E pareceu que, naquele momento, o mundo parava, e a única coisa que se movia era o suor caindo de sua testa.



Continua...


Temporada 2 – SEASON FINALE
Episódio 10 – Meu cupido é vesgo – Pt. 2

Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=j5ADQxwBc5s


Marcela ficou esperando Márcio falar alguma coisa além de oi Marcela.
Bia estava muda.
- Tudo bem?
Disse ele, por meio de uma formalidade que fez a frieza inundar seu corpo.
Mas ele não foi mal educado.
- Tudo bem, e você?
- Tudo bem.
Não, não estava tudo bem. Sua vida amorosa degringolava, foi assaltada, e estava ali com sua amiga fazendo um esforço para fingir que estava tudo numa boa, mas queria mesmo era chorar escutando All By Myself, como boa sentimental clichê que era.
Instaurou-se um clima tenso naquele restaurante. Era como se todos os torcedores tivessem parado de comemorar, era como se não houvesse nenhum ruído, e que todos pudessem ouvir a conversa.
- Eu não havia visto que você entrou aqui... vai parecer zueira, mas só vi que você estava perto quando o Tinder mostrou.
- Eu também! O vi do mesmo jeito.
E riram.
Bia já estava achando a conversa estranha.
- Então, o que tem feito?
Perguntou ele, naquele tipo de assunto que alguém recorre quando não tem nada melhor para falar.
- O de sempre, trabalhado, de vez em quando saindo com as meninas... e você?
Ele balançava a cabeça, naquele sinal que pode ser tanto de concordância quanto de “ok, estou concordando, mas nem estou prestado atenção.”
- O de sempre também. Foi bom te encontrar aqui Marcela, queria falar com você.

***

Tina estava em casa, meio zonza por causa de um rivotril.
Mas abriu o Tinder.
Achou que de repente poderia encontrar um homem estrangeiro vindo para a Copa e dar um jeito na sua vida amorosa, já que com os brasileiros eram só decepção.
O barbudo da festa era lindo, e teve uma noite ótima de sexo com ele.
Mas não passou disso.
Nos dias seguintes entrou em parafuso, bateu insegurança, achou que o problema fosse com ela.
Não havia problema com ninguém.
Havia uma pessoa afim de se divertir e alguém que precisava se proteger diante daqueles que não iriam querer nada sério. Se proteger porque, desejar alguém que está na cara que não quer nada, é a certeza de que não vai passar por uma decepção maior.
Foi assim no Tinder.
Antes de clicar no coração analisou os perfis. Eliminou os potencialmente interessantes; aqueles com maior número de amigos e que poderiam ter, digamos assim, uma “carta de recomendação” mais confiável. Preferiu os que nem perfil direito tinham. O último lhe pareceu conhecido, e por isso mesmo clicou em X.
Resolveu enviar Whatsapp no grupinho com as meninas.
Tina: Oi gurias!
Tina: Tudo bem? O que cês tão fazendo?
Tina: Tô sozinha de bad, sei lá, queria fazer algo.
Bia: Tô num restaurante com a Marcela.
Bia: Nesse exato momento ela e Márcio conversam.
Bia: Vem pra cá, podemos fazer algo.
Bia: Já te mando a localização
Bia: :D
Tina: Certo! Vou me arrumar!

***

Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=lcOxhH8N3Bo

- Pode falar, Márcio.
- Então. É que acho que fui grosseiro duas vezes com você. Naquela vez no café e depois pelo Whatsapp. O qual você não respondeu.
- É que... não tinha o que falar, Márcio.
Márcio pareceu estar nervoso. E Marcela já analisou esse indício de mil formas. Todas equivocadas, certamente.
- Eu sei. Mas não devia ter falado aquilo tudo, sei lá porque me comportei daquele jeito. Não estou dizendo que vou te chamar pra sair, acho que essa página já viramos. Mas precisava me desculpar.
- Tudo bem, Márcio.
Disse Marcela. Estava tudo bem mesmo.
E lembrou-se que ele é gay, e queria demonstrar que o apoiava.
- Acho que podemos ser bons amigos. Sabe Márcio, tenho tantos amigos gays, quero que você saiba que tem todo o meu apoio e...
- Oi?
Nesse instante, Bia percebeu o equívoco. E tentou impedir Marcela de continuar seu discurso de candidato político a favor da homossexualidade.
- Me deixa falar, Bia. Sabe Márcio, acho que você tem que ser feliz como quiser. Não importa se você gosta de comer, se você gosta de dar, ou as duas coisas: seja feliz!!! Faça muitos gols na sua vida Márcio, enterre muitas bolas na rede!!
Gritou, levemente embriagada.
- Marcela, eu não sou gay.
- Oi?? Mas... mas a Bia disse que você era, que só viado usa o termo raxa...
- Eu falo porque acho divertido, também tenho amigos gays. Francamente, Marcela.
Nisso chegou uma mulher, vinda do banheiro. Não do tipo maravilhosa, mas mulher.
- Desculpe gatinho, tinha muita fila no banheiro, por isso demorei.
Disse a tal mulher, uma morena misteriosa.
Márcio a apresentou como sua namorada.
E nesse instante Marcela sentiu as placas tectônicas do planeta se abrindo.
Olhou para Bia e só pôde fazer a mesma cara que Patrícia Poeta fez ao vivo no Jornal Nacional.  E como ela, queria apenas sair correndo da bancada, numa outra ocasião.
Márcio pegou a morena pela mão e foram embora.
Marcela ficou duplamente com raiva e entristecida, era muito mais fácil aceitar que fora deixada de lado por Márcio ser gay do que por uma raxa menos atraente do que ela.
- Me lembre de esfregar sua cara no asfalto quando minha tristeza passar.
Falou para Bia.
Mas sua raiva por aquela mulher não avançou, afinal, lembrou-se que Márcio estava caçando no Tinder enquanto a sujeita urinava.

***

Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=1W_-dU9jEZc

Tina vinha pela rua, ainda tropeçando por conta do remédio. Encontrou Marcela com cara de poucas amizades. Ela e Bia já estavam na calçada.
- Bia, já ia te mandar um Whats avisando que estávamos saindo. Deu tudo errado. A noite foi uma merda.
- Não tem problema gente. Ai não tô bem. Tomei remédio. Tô meio Vanusa cantando o hino.
- Mulher te preserva!
Enquanto caminhavam, um pouco sem rumo (perfeita metáfora para aquele dia 12 de junho), Tina cruzou na rua com um homem que havia visto no Tinder, mas que não clicou no coração. Ele ficou sorrindo pra ela e disse oi. Mas Tina fez aquela cara de “ WTF?”
Ele parou, deu meia volta e se aproximou.
- Oi Tina, não está me reconhecendo?
- Como você sabe meu nome?
- Tá no Tinder.
- Tô.
Disse ela, sem jeito.
- Sim, eu sei que você tá no Tinder, eu cliquei em coração e você não. Mas não é isso. Nos conhecemos do colégio. Sou eu Tina, o Rafael.
E Tina precisou de alguns segundos para viajar até o seu longínquo passado juvenil na escola e lembrar quem era Rafael.
Trilha para esse flashback: https://www.youtube.com/watch?v=LPn0KFlbqX8
Viajou tanto que quase perdeu a noção de espaço-tempo.
Viu a si mesma, uma figura disforme daquilo que os meninos consideravam uma adolescente atraente. Sentiu-se entristecida por rever aquela Tina. Não tanto pelo quesito beleza, o qual evoluiu, mas por uma série de questões. Tina se sentia eternamente perdida, sozinha.
E como se estivesse diante de uma tela do The Sims, viu a sua sala de aula.
Estava sentada na frente, enquanto era zuada por alguém.
O sinal para o intervalo soou.
No pátio, Tina comia seu bolinho de baunilha quando veio ele, Rafael.
Tina lembrou-se bem.
Rafael não era o menino mais bonito, mas muitas meninas queriam ele, porque ele tinha atitude, era descolado.
O Rafael jovem disse:
- Oi, Tina.
- ...
- Queria saber se você quer sair comigo no sábado... você estará livre?
Tina, cinéfila que era, rapidamente entendeu a história que iria viver. No cinema da sua vida, o convite de Rafael era uma armadilha em conjunto com as meninas populares para ser #aomilhada na frente de todos.

Tina voltou da viagem. Estava de volta para o tempo atual.
- Eu assisti filmes como Carrie, Rafael. Por isso naquele dia eu não aceitei o seu convite.
- Que diabos, Tina? Eu realmente queria sair com você. Depois daquele dia você me evitou pra sempre. E quando saiu do colégio, nunca mais soube de nada a seu respeito.
- Queria mesmo sair comigo?
Falou, estarrecida.
- Sim. Queria. E te achei no Tinder. Fiquei feliz mesmo. Acho uma pena que você nunca tenha tido interesse. Tchau.
E se afastou. Mas sua presença havia deixado a vida do passado mal resolvido de Tina ali, naquela calçada.
- Tina, mas que caralho??? Vai deixar ele ir embora?
Disse Marcela, puta da vida.
- Vai atrás dele!!
- Tá, eu... eu vou. Mas esqueci um batom, vocês tem? E um lenço de papel?
Bia e Marcela não entenderam, mas cataram o que ela pediu nos confins de suas bolsas.
Tina desenhou um coração no papel com o batom (o batom da coleção assinada pela Lorde que Bia viu numa revista) e se foi.
- Rafael!!!! Rafael me espera!
Rafael se virou. Estava lindo com sua camiseta da seleção.
- Eu estraguei tudo aquela vez. Aí te vi no Tinder, e te reconheci. Fiquei com receio. E cliquei no X. Mas sei lá, se ainda der tempo, eu te dou o coração.
E mostrou o papelzinho com um coração torto desenhado.
Rafael sorriu, e pediu seu telefone.
Enquanto isso, Bia e Marcela procuravam câmeras pela rua.
- Essas porras de cenas românticas eram pra rolar só em filmes, não aqui, nessa porcaria de mundo real.
Falou Marcela.
E foram todas pra casa.

***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=NGeYzX25yFg

Abriram o apartamento e um cheiro súbito de mofo invadiu suas narinas.
Poderia ser o cheiro das três.
Mas era de uns casacos de inverno que Bia havia retirado do armário.
Desilusão no dia dos namorados? Não existe coisa mais clichê. Mas o que é a vida, senão um amontoado de clichês, que em determinados contextos, soam como novidade? Boa ou ruim. E eles se repetem. É aí que soam verdadeiramente como clichê.
Portanto, aquele dia 12 de junho era um clichê. Nem tanto para Marcela, mas para Bia e Tina sim.
Tina estava camuflando uma felicidade diferente por ter encontrado Rafael. Estava no lucro aquela noite, mas não queria atrapalhar a amargura das amigas. Agradeceu por elas não estarem ouvindo Adele.
De repente Bia soltou um riso.
Era uma mensagem de Eduardo no Whatsapp.
Eduardo: Oi Bia, como você tá?
Ela pensou em mil coisas pra responder, mas não se animou, sabia que ele era do tipo que puxava assunto, mas sumia por semanas. Resumiu tudo o que queria dizer da seguinte maneira:
Bia: ¯\_()_/¯
E desligou o celular. Aquela noite era pra curtir as amarguras até elas esgotarem por dentro.
Um tanto empolgada com o ocorrido, Tina teve uma ideia.
- Meninas, falta pouquinho para a meia noite.
- E daí?
Falou Macela.
- E daí que é dia de Santo Antônio amanhã.
- E sexta-feira 13.
Observou Bia.
- Ai gente, vocês não entenderam. É na virada do dia que a tradição orienta fazer uma simpatia para descobrir a letra do seu próximo amor.
- Oi?
- Sim Marcela, com uma vela. Vocês não tem curiosidade em saber?
Nenhuma das duas acreditava naquela besteira sem tamanho, mas pensaram: “o que é um peido para quem está cagada?”, e aceitaram fazer a tal simpatia.
Era assim: à meia-noite, cada uma deveria pingar cera de vela em um prato ou bacia com água. Reza a lenda que as gotinhas de cera, ao caírem na água se solidificando, se uniam carinhosamente e formavam a inicial do nome de quem vai ser um grande amor.
- Minha mãe fez e formou um J. Meu pai se chama João, e estão juntos até hoje.
Disse Tina, orgulhosa.
E assim fizeram.
Conforme as gotas caíam começavam a se juntar, num movimento de ciranda que encantou Marcela, embora continuasse não acreditando.
Tina reconheceu um H. Não era R de Rafael como queria, mas tudo bem.
Bia não ganhou letra nenhuma, pois a cera caiu, se acumulou e formou um enorme borrão.
Marcela ganhou um F. Riu e largou a vela na pia.
Achou engraçado, elas que vinham de uma sucessão de relacionamentos virtuais, agora estavam realizando uma prática tão rudimentar. E já bêbada, filosofou:
- Sabe o que mais, gente? Não adianta apagar aplicativos, deletar cutucadas no Facebook, esquecer a internet. Homens errados não são frutos da internet, porque eles vieram antes dela. Portanto, apesar das decepções até aqui, vamos continuar fazendo o que sempre fizemos. Se rolar alguém que preste na internet, será ótimo, se rolar fora dela, também. Só não podemos baixar o olhar para quem passa perto da gente. E então, vamos reativar nossos aplicativos?
E ali, no meio da cera de vela respingada e o cheiro de mofo do casaco de Bia, as três começaram a brincar no Tinder. Não por acaso, começou a tocar uma música na playlist de Marcela, uma música que adorava e tinha muito significado para ela: https://www.youtube.com/watch?v=CcNo07Xp8aQ

E sempre que tocava, era assim que Marcela se sentia: http://37.media.tumblr.com/8056cd95c714528210d17cb3bd8c78e5/tumblr_n4bdqzK9wR1s2yegdo1_r1_400.gif

Uma coisa era verdade: No amor, a gente nunca tem certeza de nada, apenas deve-se esperar que dê certo. Afinal, a conexão entre duas pessoas nunca vai ser perfeita. O importante é recuperar o sinal quando cair, sempre que possível. Porque ele sempre cai.





FIM

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