Temporada 2 – SEASON
FINALE
Capítulo 10 – Meu cupido é vesgo – Pt. 2
Capítulo 10 – Meu cupido é vesgo – Pt. 2
Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=j5ADQxwBc5s
Marcela ficou esperando Márcio falar alguma coisa além de oi
Marcela.
Bia estava muda.
- Tudo bem?
Disse ele, por meio de uma formalidade que fez a frieza
inundar seu corpo.
Mas ele não foi mal educado.
- Tudo bem, e você?
- Tudo bem.
Não, não estava tudo bem. Sua vida amorosa degringolava, foi
assaltada, e estava ali com sua amiga fazendo um esforço para fingir que estava
tudo numa boa, mas queria mesmo era chorar escutando All By Myself, como boa
sentimental clichê que era.
Instaurou-se um clima tenso naquele restaurante. Era como se
todos os torcedores tivessem parado de comemorar, era como se não houvesse
nenhum ruído, e que todos pudessem ouvir a conversa.
- Eu não havia visto que você entrou aqui... vai parecer
zueira, mas só vi que você estava perto quando o Tinder mostrou.
- Eu também! O vi do mesmo jeito.
E riram.
Bia já estava achando a conversa estranha.
- Então, o que tem feito?
Perguntou ele, naquele tipo de assunto que alguém recorre
quando não tem nada melhor para falar.
- O de sempre, trabalhado, de vez em quando saindo com as meninas...
e você?
Ele balançava a cabeça, naquele sinal que pode ser tanto de
concordância quanto de “ok, estou concordando, mas nem estou prestado atenção.”
- O de sempre também. Foi bom te encontrar aqui Marcela,
queria falar com você.
***
Tina estava em casa, meio zonza por causa de um rivotril.
Mas abriu o Tinder.
Achou que de repente poderia encontrar um homem estrangeiro vindo
para a Copa e dar um jeito na sua vida amorosa, já que com os brasileiros eram
só decepção.
O barbudo da festa era lindo, e teve uma noite ótima de sexo
com ele.
Mas não passou disso.
Nos dias seguintes entrou em parafuso, bateu insegurança,
achou que o problema fosse com ela.
Não havia problema com ninguém.
Havia uma pessoa afim de se divertir e alguém que precisava
se proteger diante daqueles que não iriam querer nada sério. Se proteger
porque, desejar alguém que está na cara que não quer nada, é a certeza de que
não vai passar por uma decepção maior.
Foi assim no Tinder.
Antes de clicar no coração analisou os perfis. Eliminou os
potencialmente interessantes; aqueles com maior número de amigos e que poderiam
ter, digamos assim, uma “carta de recomendação” mais confiável. Preferiu os que
nem perfil direito tinham. O último lhe pareceu conhecido, e por isso mesmo
clicou em X.
Resolveu enviar Whatsapp no grupinho com as meninas.
Tina: Oi gurias!
Tina: Tudo bem? O que cês tão fazendo?
Tina: Tô sozinha de bad, sei lá, queria fazer algo.
Bia: Tô num restaurante com a Marcela.
Bia: Nesse exato momento ela e Márcio conversam.
Bia: Vem pra cá, podemos fazer algo.
Bia: Já te mando a localização
Bia: :D
Tina: Certo! Vou me arrumar!
***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=lcOxhH8N3Bo
- Pode falar, Márcio.
- Então. É que acho que fui grosseiro duas vezes com você.
Naquela vez no café e depois pelo Whatsapp. O qual você não respondeu.
- É que... não tinha o que falar, Márcio.
Márcio pareceu estar nervoso. E Marcela já analisou esse
indício de mil formas. Todas equivocadas, certamente.
- Eu sei. Mas não devia ter falado aquilo tudo, sei lá
porque me comportei daquele jeito. Não estou dizendo que vou te chamar pra
sair, acho que essa página já viramos. Mas precisava me desculpar.
- Tudo bem, Márcio.
Disse Marcela. Estava tudo bem mesmo.
E lembrou-se que ele é gay, e queria demonstrar que o
apoiava.
- Acho que podemos ser bons amigos. Sabe Márcio, tenho
tantos amigos gays, quero que você saiba que tem todo o meu apoio e...
- Oi?
Nesse instante, Bia percebeu o equívoco. E tentou impedir
Marcela de continuar seu discurso de candidato político a favor da
homossexualidade.
- Me deixa falar, Bia. Sabe Márcio, acho que você tem que
ser feliz como quiser. Não importa se você gosta de comer, se você gosta de
dar, ou as duas coisas: seja feliz!!! Faça muitos gols na sua vida Márcio,
enterre muitas bolas na rede!!
Gritou, levemente embriagada.
- Marcela, eu não sou gay.
- Oi?? Mas... mas a Bia disse que você era, que só viado usa
o termo raxa...
- Eu falo porque acho divertido, também tenho amigos gays.
Francamente, Marcela.
Nisso chegou uma mulher, vinda do banheiro. Não do tipo
maravilhosa, mas mulher.
- Desculpe gatinho, tinha muita fila no banheiro, por isso
demorei.
Disse a tal mulher, uma morena misteriosa.
Márcio a apresentou como sua namorada.
E nesse instante Marcela sentiu as placas tectônicas do
planeta se abrindo.
Olhou para Bia e só pôde fazer a mesma cara que Patrícia
Poeta fez ao vivo no Jornal Nacional. E
como ela, queria apenas sair correndo da bancada, numa outra ocasião.
Márcio pegou a morena pela mão e foram embora.
Marcela ficou duplamente com raiva e entristecida, era muito
mais fácil aceitar que fora deixada de lado por Márcio ser gay do que por uma
raxa menos atraente do que ela.
- Me lembre de esfregar sua cara no asfalto quando minha
tristeza passar.
Falou para Bia.
Mas sua raiva por aquela mulher não avançou, afinal,
lembrou-se que Márcio estava caçando no Tinder enquanto a sujeita urinava.
***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=1W_-dU9jEZc
Tina vinha pela rua, ainda tropeçando por conta do remédio. Encontrou
Marcela com cara de poucas amizades. Ela e Bia já estavam na calçada.
- Bia, já ia te mandar um Whats avisando que estávamos
saindo. Deu tudo errado. A noite foi uma merda.
- Não tem problema gente. Ai não tô bem. Tomei remédio. Tô
meio Vanusa cantando o hino.
- Mulher te preserva!
Enquanto caminhavam, um pouco sem rumo (perfeita metáfora
para aquele dia 12 de junho), Tina cruzou na rua com um homem que havia visto
no Tinder, mas que não clicou no coração. Ele ficou sorrindo pra ela e disse
oi. Mas Tina fez aquela cara de “ WTF?”
Ele parou, deu meia volta e se aproximou.
- Oi Tina, não está me reconhecendo?
- Como você sabe meu nome?
- Tá no Tinder.
- Tô.
Disse ela, sem jeito.
- Sim, eu sei que você tá no Tinder, eu cliquei em coração e
você não. Mas não é isso. Nos conhecemos do colégio. Sou eu Tina, o Rafael.
E Tina precisou de alguns segundos para viajar até o seu
longínquo passado juvenil na escola e lembrar quem era Rafael.
Trilha para esse flashback: https://www.youtube.com/watch?v=LPn0KFlbqX8
Viajou tanto que quase perdeu a noção de espaço-tempo.
Viu a si mesma, uma figura disforme daquilo que os meninos
consideravam uma adolescente atraente. Sentiu-se entristecida por rever aquela
Tina. Não tanto pelo quesito beleza, o qual evoluiu, mas por uma série de
questões. Tina se sentia eternamente perdida, sozinha.
E como se estivesse diante de uma tela do The Sims, viu a
sua sala de aula.
Estava sentada na frente, enquanto era zuada por alguém.
O sinal para o intervalo soou.
No pátio, Tina comia seu bolinho de baunilha quando veio
ele, Rafael.
Tina lembrou-se bem.
Rafael não era o menino mais bonito, mas muitas meninas
queriam ele, porque ele tinha atitude, era descolado.
O Rafael jovem disse:
- Oi, Tina.
- ...
- Queria saber se você quer sair comigo no sábado... você
estará livre?
Tina, cinéfila que era, rapidamente entendeu a história que
iria viver. No cinema da sua vida, o convite de Rafael era uma armadilha em
conjunto com as meninas populares para ser #aomilhada na frente de todos.
Tina voltou da viagem. Estava de volta para o tempo atual.
- Eu assisti filmes como Carrie, Rafael. Por isso naquele
dia eu não aceitei o seu convite.
- Que diabos, Tina? Eu realmente queria sair com você.
Depois daquele dia você me evitou pra sempre. E quando saiu do colégio, nunca
mais soube de nada a seu respeito.
- Queria mesmo sair comigo?
Falou, estarrecida.
- Sim. Queria. E te achei no Tinder. Fiquei feliz mesmo.
Acho uma pena que você nunca tenha tido interesse. Tchau.
E se afastou. Mas sua presença havia deixado a vida do
passado mal resolvido de Tina ali, naquela calçada.
- Tina, mas que caralho??? Vai deixar ele ir embora?
Disse Marcela, puta da vida.
- Vai atrás dele!!
- Tá, eu... eu vou. Mas esqueci um batom, vocês tem? E um
lenço de papel?
Bia e Marcela não entenderam, mas cataram o que ela pediu
nos confins de suas bolsas.
Tina desenhou um coração no papel com o batom (o batom da
coleção assinada pela Lorde que Bia viu numa revista) e se foi.
- Rafael!!!! Rafael me espera!
Rafael se virou. Estava lindo com sua camiseta da seleção.
- Eu estraguei tudo aquela vez. Aí te vi no Tinder, e te
reconheci. Fiquei com receio. E cliquei no X. Mas sei lá, se ainda der tempo,
eu te dou o coração.
E mostrou o papelzinho com um coração torto desenhado.
Rafael sorriu, e pediu seu telefone.
Enquanto isso, Bia e Marcela procuravam câmeras pela rua.
- Essas porras de cenas românticas eram pra rolar só em
filmes, não aqui, nessa porcaria de mundo real.
Falou Marcela.
E foram todas pra casa.
***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=NGeYzX25yFg
Abriram o apartamento e um cheiro súbito de mofo invadiu
suas narinas.
Poderia ser o cheiro das três.
Mas era de uns casacos de inverno que Bia havia retirado do
armário.
Desilusão no dia dos namorados? Não existe coisa mais
clichê. Mas o que é a vida, senão um amontoado de clichês, que em determinados
contextos, soam como novidade? Boa ou ruim. E eles se repetem. É aí que soam
verdadeiramente como clichê.
Portanto, aquele dia 12 de junho era um clichê. Nem tanto
para Marcela, mas para Bia e Tina sim.
Tina estava camuflando uma felicidade diferente por ter
encontrado Rafael. Estava no lucro aquela noite, mas não queria atrapalhar a amargura
das amigas. Agradeceu por elas não estarem ouvindo Adele.
De repente Bia soltou um riso.
Era uma mensagem de Eduardo no Whatsapp.
Eduardo: Oi Bia, como você tá?
Ela pensou em mil coisas pra responder, mas não se animou,
sabia que ele era do tipo que puxava assunto, mas sumia por semanas. Resumiu
tudo o que queria dizer da seguinte maneira:
Bia: ¯\_(ツ)_/¯
E desligou o celular. Aquela noite era pra curtir as
amarguras até elas esgotarem por dentro.
Um tanto empolgada com o ocorrido, Tina teve uma ideia.
- Meninas, falta pouquinho para a meia noite.
- E daí?
Falou Macela.
- E daí que é dia de Santo Antônio amanhã.
- E sexta-feira 13.
Observou Bia.
- Ai gente, vocês não entenderam. É na virada do dia que a
tradição orienta fazer uma simpatia para descobrir a letra do seu próximo amor.
- Oi?
- Sim Marcela, com uma vela. Vocês não tem curiosidade em
saber?
Nenhuma das duas acreditava naquela besteira sem tamanho,
mas pensaram: “o que é um peido para quem está cagada?”, e aceitaram fazer a
tal simpatia.
Era assim: à meia-noite, cada uma deveria pingar cera de
vela em um prato ou bacia com água. Reza a lenda que as gotinhas de cera, ao caírem
na água se solidificando, se uniam carinhosamente e formavam a inicial do nome
de quem vai ser um grande amor.
- Minha mãe fez e formou um J. Meu pai se chama João, e
estão juntos até hoje.
Disse Tina, orgulhosa.
E assim fizeram.
Conforme as gotas caíam começavam a se juntar, num movimento
de ciranda que encantou Marcela, embora continuasse não acreditando.
Tina reconheceu um H. Não era R de Rafael como queria, mas
tudo bem.
Bia não ganhou letra nenhuma, pois a cera caiu, se acumulou
e formou um enorme borrão.
Marcela ganhou um F. Riu e largou a vela na pia.
Achou engraçado, elas que vinham de uma sucessão de
relacionamentos virtuais, agora estavam realizando uma prática tão rudimentar.
E já bêbada, filosofou:
- Sabe o que mais, gente? Não adianta apagar aplicativos,
deletar cutucadas no Facebook, esquecer a internet. Homens errados não são
frutos da internet, porque eles vieram antes dela. Portanto, apesar das decepções
até aqui, vamos continuar fazendo o que sempre fizemos. Se rolar alguém que
preste na internet, será ótimo, se rolar fora dela, também. Só não podemos
baixar o olhar para quem passa perto da gente. E então, vamos reativar nossos
aplicativos?
E ali, no meio da cera de vela respingada e o cheiro de mofo
do casaco de Bia, as três começaram a brincar no Tinder. Não por acaso, começou
a tocar uma música na playlist de Marcela, uma música que adorava e tinha muito
significado para ela: https://www.youtube.com/watch?v=CcNo07Xp8aQ
E sempre que tocava, era assim que Marcela se sentia: http://37.media.tumblr.com/8056cd95c714528210d17cb3bd8c78e5/tumblr_n4bdqzK9wR1s2yegdo1_r1_400.gif
Uma coisa era verdade: No amor, a gente nunca tem certeza de
nada, apenas deve-se esperar que dê certo. Afinal, a conexão entre duas pessoas
nunca vai ser perfeita. O importante é recuperar o sinal quando cair, sempre
que possível. Porque ele sempre cai.
FIM
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