Temporada 2
Capítulo 9 – Meu cupido é vesgo –
Pt. 1
Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=TeLvBPSoRzc
Na noite do assalto já estava acertado que Marcela e Arthur
não iriam transar, pois o pai dele estava hospedado em sua casa, vindo do
interior para uns compromissos na capital. Iam apenas lanchar e depois ela pegaria
o primeiro metrô.
Mas em virtude do assalto, Marcela ficou sem dinheiro, não
tinha nem para pegar a condução.
Foi obrigada a ir para a casa de Arthur.
Quando chegaram, o pai de Arthur ficou levemente assustado
com o ocorrido, mas foi gentil, e estendeu um colchão na sala para ela dormir.
Poucas horas antes estava vivendo a expectativa de um
encontro que parecia mostrar engrenagens menos falhas. Agora, estava ali,
deitada na sala do cara que estava pegando, cujo pai dormia no quarto ao lado.
Ela estava com a blusa rasgada pelos puxões que levou, sentindo-se um pouco
humilhada pela vida.
E para piorar, quando acordasse, seria obrigada a pedir dois
reais para poder voltar pra casa.
A vida, ela não estava sendo justa.
Se existe mesmo um filme chamado dia dos namorados macabro,
era inspirado nessa quinta-feira. Com a diferença que não eram namorados.
E talvez não se tornariam mais nada.
***
No caminho do metrô, após tomar timidamente uma xícara de
café oferecida pelo pai de Arthur, Marcela parou em vários orelhões para avisar
Bia que estava bem. Mas a ligação não completava em nenhum.
Estava completamente desgrenhada, sem banho, fedendo a cama.
Na rua as pessoas só falavam em Copa do Mundo. Até mesmo o
dia dos namorados ficou meio em off. As floristas pareciam menos preocupadas
com os arranjos encalhados.
Encalhada estava ela.
Nos últimos tempos, Marcela era aquele jogador que se
posicionava para o pênalti e chutava na trave.
E perdia o jogo.
Foi assim com todos. Por mais que estudasse os esquemas
táticos dos relacionamentos, por mais que considerasse as suas próprias
experiências, sempre perdia o campeonato. E nem podia dizer que era por falta
de apoio da torcida. Marcela era apenas um pé podre nesses jogos afetivos. Essa
era a verdade.
Enquanto sentava-se num dos poucos bancos livres, riu da sua
própria desgraça, pois, por muito tempo, iria contar em rodas de amigos que
argumentou com ladrões para não roubarem seu celular quebrado.
***
Bia estava em casa, foi dispensada do trabalho por conta da
abertura da Copa. Não que tivesse interesse no evento, mas depois de uma noite
de bebedeira, seria bem bom.
Lembra-se das coisas em fragmentos.
Estava conversando com Tina. No momento seguinte Tina estava
enroscada em um barbudo. E foi nesse momento que Bia avisou que iria embora com
Arthur.
“Teve.”
Pensou ela. Enquanto recordava-se que havia beijado um cara
cuja face era apenas um borrão. Podia ser qualquer um. Podia ser alguém que um
dia dispensou. Podia ser uma mulher.
“Nada mais me lembro.”
Nisso, Marcela entrou em casa.
Bia falou.
- Hummmmmmmmmmmmmmmm
- Eu fui assaltada. Junto com Arthur.
- Oi?
E Marcela narrou o corrido. Bia ficou impressionada com o
quão fodida a amiga estava na vida amorosa. E agora na vida em geral.
- Eu estou mal, mas você, olha Marcela, nem banho com o
oceano inteiro vai ajudar a afastar esse urubu que agoura você.
- Obrigado por ser tão animadora.
Antes de fazer todos os procedimentos de praxe, como
cancelar cartões, Marcela tomou um banho demorado. Costumava dizer que o
chuveiro era a sua terapia. Era lá que pensava na vida e avaliava o que havia
dado errado.
Tudo.
Algumas vezes pensava se era o tipo de pessoa que nasceu para
se relacionar.
Marcela não estava desesperada para arrumar um amor pra vida
toda, porque no fundo nem acreditava mais nisso, mas só queria ser a mulher que
não tem encosto na vida amorosa.
Achar alguém que durasse mais de três encontros.
Se fizesse uma regressão, iria saber, com certeza, que tinha
sido uma marafona na outra vida, uma mulher que acabava com os casamentos alheios
por puro prazer de ver todo mundo se ferrando.
Agora o carnê do carma estava aí, cobrando suas infinitas
parcelas.
E os juros, ah os juros são sempre altíssimos.
Bia estava no Facebook e viu Eduardo online. Quis muito
chamá-lo para conversar, combinar a transa que ficou pendente. Ou apenas tomar
um café, jantar quem sabe. Qualquer coisa já seria bom.
E percebeu seu desespero.
Era dia dos namorados, vinha de uma série de desamores,
portanto, sentiu-se no direito de ficar chateada.
Lembrou-se que nunca, em toda a sua via, passou um dia dos
namorados acompanhada.
Seus relacionamentos, todos mais curtos do que um espirro,
ou terminavam antes ou começavam depois da data.
Não era dessas mulheres adultas que têm uma caixa grande com
lembranças de ex-relacionamentos, presentes do dia dos namorados... era uma mulher sem experiências concretas o
suficiente para poder dizer: “sei bem o terreno onde vou pisar.”
Para Bia, muitas coisas eram novidade.
Por isso a dificuldade em saber lidar com as situações.
E por mais que tenha tentado ganhar essa experiência, a vida
lhe passava rasteiras.
“Será que meu cupido é vesgo, tipo Luan Santana? Será que
ele mirou nos caras certos, mas o problema de visão o fez cravar a flecha em
outros?”
- Não, Bia.
Disse Marcela, que ouviu o comentário da amiga em voz alta.
- Acho que não tem nada a ver com cupido. O problema é com
outro cara. Ao que tudo indica, Bia, Santo Antônio ainda não atua no Tinder,
não manda DMs sinceras sobre quem você paquera e nem controla quem te cutuca no
Face.
***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=IrlEalV-dUM
Por que, quando alguém está na fossa, sempre coloca músicas
tristes?
Assim estava Bia, choramingando como se estivesse na cena de
um filme. Com a música mais cafona que achou na sua playlist.
Jogada no chão olhando para o teto.
Marcela entrou na sala e soltou um grito. Achou que
estivesse morta.
Mas mortos não choram. E nem usam o Tinder pra achar homem.
- Isso já está demais. Precisamos sair daqui.
- E encontrar um monte de casais na rua? No way.
Marcela argumentou que era dia de estreia da seleção
brasileira na Copa, logo, o dia fatídico seria praticamente esquecido.
- E mesmo que não seja, vamos enfrentá-lo juntas. E tem mais:
vamos reinstalar o Tinder e catar uns gringos que vieram pra Copa!
Bia se animou um pouquinho. E se foram pra rua.
Marcela usava um vestidinho azul, aproveitando a inesperada
onda de calor.
Bia foi de calça mesmo, e uma blusa qualquer que achou na
primeira prateleira.
O movimento era verde e amarelo. As flores cederam lugar
para bandeiras. E os casais estavam camuflados por uniformes iguais.
Não parecia ser tão ruim. A noite não sinalizava nenhum
incidente.
Bia e Marcela foram jantar em um dos poucos restaurantes que
não estava tomado por torcedores bebendo após a vitória do Brasil sobre a
Croácia.
Havia muitos sim, mas não em nível “show da Madonna na promoção
do Groupon“.
Acharam uma mesa e já pediram uma porção de batata frita
antes do prato principal.
E ligaram o Tinder.
Muito exu, alguns gringos. E as duas loucamente apertando:
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Até que, de repente, na telinha iluminada de Marcela,
aparece Márcio.
Em uma distância de 10 ME-TROS.
Marcela ficou cagada de olhar para os lados. Torceu para que
fosse um bug do aplicativo.
Mas não era.
Em uma mesa no seu lado esquerdo, usando uma camiseta da
seleção, estava Márcio.
Sim, tanta coisa pra dizer.
Ele olhou para o lado no mesmo momento e a viu.
E pensar que quase clicou em coração para Márcio no Tinder. Não
que ele fosse clicar também, mas não queria conviver com esse fato.
- Olha lá Bia, o Márcio tá vindo pra cá. O que eu faço?
- Amiga, aja naturalmente.
Ele levantou e veio devagar. A distância era mínima, mas
parece que ele demorou horas para alcançar sua mesa.
Estava bonito, o desgraçado. “Pelo menos eu também tô”,
pensou.
- Oi Marcela.
Disse ele.
E pareceu que, naquele momento, o mundo parava, e a única
coisa que se movia era o suor caindo de sua testa.
Continua...
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