“Houve um tempo em que eu
achava não ser boa o suficiente pra merecer algo ou alguém. Hoje, eu vejo que
muitas pessoas é que não me merecem”.
Pensou Marcela, enquanto
rasgava a sua listinha de resoluções para 2015. Estava resolvida a não esperar
nada nem ninguém. Iria trabalhar mais, investir em suas próprias coisas. Mas em
seguida, sentiu-se apenas uma recalcada pensando assim.
Iria sim ter novos momentos
de tristeza, principalmente afetiva, mas também no trabalho. Ia se sentir
frustrada, com certeza. Porque sim.
Mas estava mais resolvida com
isso. Afinal, aceitar que os problemas existem e continuarão existindo faz
parte do processo.
Estava até ~feliz~. Era final
de tarde do dia 31, e vizinhos já ensaiavam a odiosa queima de fogos que só
servia para assustar os cachorros. A casa era só sua.
Bia estava na casa dos pais,
voltaria pela manhã. Tina viajou para ver a mãe, não escapou, assim como conseguiu
fugir no Natal. Restava somente ela, o silêncio, um ventilador e algumas
garrafas de cerveja.
E uma infinidade de pensamentos.
Talvez assistisse o show da
virada na TV, como muitas vezes fez por não ter opção. Mas era muito
deprimente. Muito mais que o natal da Xuxa. Não queria chorar, não ia.
De repente recebeu uma SMS e
ficou assustada. “Quem envia essas porcarias hoje em dia?”, esbravejou. Mas era
SMS da operadora, desejando feliz ano novo. “Que bom que ao menos a operadora
lembra”.
Deletou.
E por um reflexo de
curiosidade, foi descendo a tela nas SMS que nunca apagou. Tinha mensagem de
Bia, de colegas de trabalho, mais da operadora, e uma SMS não identificada.
Número desconhecido.
Com data de 2012.
Ficou mexida com o conteúdo
da mensagem.
Estava escrito, apenas:
“Saudades de ti”.
Quem será que um dia sentiu
saudades a ponto de enviar uma SMS?
Marcela sentiu-se mal, pois
aquela mensagem jamais foi respondida.
Até hoje o dono daquela
saudade talvez recorde com rancor do seu descaso. Logo ela, que tantas vezes
sentiu-se desprovida de atenção, de carinho. “Meu deus por que eu nunca
respondi? Quem será?”, tentava descobrir. E nada.
Talvez fosse uma amiga, uma
colega de empresa. Mas não. Algo lhe dizia que era um homem. Um homem que
queria lhe ver de novo. Porém nunca mais a veria.
***
Nesse momento Tina estava no
ônibus, atrasado por conta de um congestionamento. Chegaria quase na hora do
jantar. Desistiu de abrir o Whatsapp para não se chatear em saber que Rafael
continua entrando no aplicativo e ignorando a sua mensagem.
Queria dizer muitas coisas,
mas principalmente que o achava um idiota.
Queria também pedir para o
motorista voltar e ir atrás dele. Mas não estava num filme, e ainda lhe sobrava
um pouco de bom senso. “Te preserva mulher”, dizia sua voz interior.
A paisagem lá fora parecia
enquadramento cinematográfico. As casinhas na estrada passando aceleradas, quando o ônibus conseguiu avançar.
Algumas com famílias sentadas nas varandas, esperando o ano novo, e com ele
coisas melhores.
Ao menos era essa a sensação
que todo mundo tinha. Mas o dia seguinte era só azia e ressaca.
Cochilou, ainda demoraria um
pouco para chegar.
***
Bia estava sentada no sofá
enquanto familiares chegavam para as comemorações. Sentia-se extremamente
entediada.
Um Whatsapp do menino lhe
retirou momentaneamente do seu estado quase vegetativo. Sorriu e respondeu suas
felicitações de ano novo, e disse que se veriam no dia seguinte.
Desejou uma trufa.
O clima de ano novo era
realmente estranho. “Por que diabos todo mundo acredita que a simples virada do
calendário vai trazer algum benefício? Por que acham que o misticismo vai
resolver problemas?”, pensou, quando uma tia trouxe pra ela patuás e outras
simpatias para carregar na bolsa.
“Esse aqui é pra espantar a
zica que virou a sua vida, e esse é pra você finalmente arrumar um macho”.
Ouviu aquilo calada, com os
olhos em fogo. Iria xingar sua mãe mais tarde, pelo fato de sempre ter que
relatar seus problemas para toda a família.
Mas por via das dúvidas colocou
as simpatias na bolsa, não podia dar chance ao azar.
***
Marcela já havia bebido duas
garrafas de cerveja, e como era um pouco fraca, já sentia-se bêbada. Músicas
agitadas na playlist de stream tentavam colocá-la para cima.
Se tivesse um pouco de sorte
passaria reprise de A Noviça Rebelde na madrugada. Não estava com a menor
vontade de sair para alguma festa e interagir com gente mais bêbada do que ela.
Por sorte, pensou, é que na
virada do ano temos a impressão de que há mais tempo pra fazermos as coisas
deixadas pra trás. “Mas é só sensação mesmo, temos é cada vez menos tempo”.
No auge de sua solidão, uma
mensagem no Whatsapp:
Tina: Oieeeeee amiga!
Tina: Cheguei não faz muito
na casa da mãe, mas a vontade é de voltar.
Tina: Queria estar aí para te
dar um abraço.
Tina: Não sou a pessoa mais
indicada pra falar, mas acho que há esperança para o ano ser melhor.
Tina: Receba meu abraço.
Tina: Um feliz ano novo, sua
linda <3 o:p="">3>
Marcela sentiu-se mesmo
abraçada. Ou era efeito da bebida.
Pouco depois, Bia entrou no
apartamento.
- Você não achou que fosse te
deixar sozinha, né? Escapei da casa dos meus pais. Eles entenderam.
Ela lhe deu um abraço
apertado, desses de mãe. Sim, o ano não havia sido fácil pra nenhuma delas. O
sinal de internet que conectou cada relacionamento que tiveram por vezes caiu,
ou ficou fraco, ou se perdeu para sempre. Nada que não fosse possível
reiniciar.
- Fiz uma única promessa para
2015, Bia. Vou enterrar cada boy lixo num aterro sanitário, de onde eles nunca
mais vão sair.
- Só não vale fazer a Mãe
Lucinda e ir lá catar eles de novo nos momentos de desespero.
As duas riram.
2015 Não vai ter boy lixo.
Não vai ter baixa autoestima. Não vai ter desespero. Na verdade não sabiam o
que ia ter, mas teriam aquela velha e boa amizade.
Lá fora os fogos estouravam,
anunciando a virada do ano.
- Feliz ilusão nova.
Falou Marcela.
- Não – Disse Bia – feliz ano
novo. Feliz match novo. Feliz cutucada nova. Feliz DM nova. Porque algumas coisas não mudam.
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