Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=nZ6yQgBvuoI
Ahhhhh o Natal... as famílias
reunidas, a compra de presentes, os enfeites na rua, a neve tocando na janela,
os corais entoando canções clássicas...
Tudo seria perfeito se Bia e
Marcela não estivessem no Brasil, numa temperatura de quase quarenta graus, em
que nada segura a maquiagem nem o bom humor.
Marcela resolveu sair para comprar
o presente de Natal para sua mãe no próprio dia 24, na hora do almoço. Pensou: “Que
morte horrível”.
As ruas pareciam um matadouro
cheio de perus bêbados indo na direção da morte. Espremida no ônibus, saltou no
centro da cidade, suada, escangalhada e querendo assassinar alguém.
Mas precisava comprar o
presente, já que não iria viajar para ver sua mãe. Nem Bia. Que no dia anterior
havia passado pelo mesmo sufoco em busca da compra perfeita.
Odiou com todas as suas
forças o fato do Natal ter virado uma data tão comercial. “Olha pra isso!”, pensava, vendo as pessoas se
acotovelando nas lojas. “Isso não é coisa de Deus!”.
Enquanto avançava pela
multidão sentiu uma fincada triste no peito. Odiava Natal. E isso muito antes
de seu pai falecer. Sempre achou triste. Sempre achou desnecessário. Sempre
engolia o clima da época como se fosse uma pedra.
Na infância ficava depressiva
assistindo aos especiais da Xuxa na TV. “Porra, aquilo era sempre muito triste”,
recordou. E isso tudo moldou a sua aversão à data. Não era exatamente um Grinch,
mas achava dispensável.
Entrou em uma loja para
comprar a sandália que sua mãe havia manifestado interesse. Sua mãe era assim,
quando queria algo, sempre soltava o seu desejo nas entrelinhas de uma conversa
qualquer. Ao menos não precisaria quebrar a cabeça pensando no que comprar.
Estava lá, na multidão,
esperando algum funcionário lhe atender naquele mar de gente sedenta por
presentes, quando avistou seu ex. O falecido Romeu. “Puta que te pariu”, pensou
na hora.
Romeu estava inserido em uma perfeita cena familiar natalina. Estava com a
atual, esperando pacientemente enquanto ela escolhia um sapato. Doeu-lhe pelo
fato de: 1) Romeu nunca ter se prestado a lhe dar um presente e 2) Romeu nunca
ter tido paciência com ela em situação nenhuma. Agora ele estava lá, sorrindo,
enquanto a moça, bonita até, desfilava na frente de um espelho com os sapatos
caros se achando a Beyoncé balançando os cabelos.
Esse episódio só coroou o seu
desastre durante o ano. Se esquivou quando ele olhou em sua direção, não queria
ser vista. Mas a vontade era de ir até lá e exigir que ele lhe devolvesse a
cafeteira que levou quando lhe deu um pontapé.
Mas evitou. Não tinha necessidade
de afrontar o falecido. Não podia dizer que é incorreto chutar cachorro morto,
porque quem estava morta era ela. Resolveu deixá-lo em sua cena de comercial de
TV. Saiu da loja para comprar a sandália em outro estabelecimento, talvez o espírito
natalino tivesse lhe atingido.
***
Bia estava aproveitando para
dormir até mais tarde. Olhou para o criado mudo e estava lá mais uma trufinha
que ganhou do rapaz. Sim, havia passado do terceiro encontro, e ao que tudo
indicava, outros estavam por vir.
Fazia tempo que não se sentia
tão desejada. De uma forma tão completa.
Estava feliz por deixar que
um pouco das barreiras caíssem, afinal, antes tarde do que nunca. Sim, sentia
um pouco de medo. Sim, estava ansiosa, preocupada. Mas precisava partir de um
ponto. E o ponto era aquele jovem.
Levantou-se da cama e viu uma
mensagem de Marcela no Whatsapp:
Marcela: Mulher vai
preparando o peru para nossa ceia!!!
Marcela: Sei que tu ama
colocar o peru no forno
Marcela: kkkk
Bia riu, e respondeu que já
ia começar os preparativos.
Bia: compra mais espumante na
volta, e panetone!!!
Nesse momento, Tina mandou
mensagem no grupinho.
Tina: Meninas, o que vcs vão
fazer na ceia?
Tina: Minha mãe viajou para o
interior e eu não quis ir. Menti que ia passar com Rafael =/
Bia: Eita, venha aqui pra
casa! Tb estaremos sozinhas
Tina: :D levarei umas
coisinhas então. Até mais tarde!
Bia sentiu que o Natal seria
uma mistura de Sex and the city, Esqueceram de mim e algum melodrama qualquer.
***
Próximo das 19 horas Tina
chegou, carregada de comida e uma sacola de presentes. Soltou uma gargalhada
típica, mas bastou entrar na casa e ver a decoração que caiu no choro.
Contou que havia enviado
mensagem de Feliz Natal para Rafael, mas só o que teve em troca foram as
setinhas azuis no Whatsapp. Mentalmente mandou ir se fuder.
- Calma Tina. Eu sei bem como
é. Meu ano foi um cu, e pra piorar, vi Romeu todo feliz com a atual hoje, em
uma loja do centro. Estamos desaplaudidas. Desmerecidas. Menos Bia.
Sim, Bia estava feliz. Mas
não quis demonstrar demais. Ostentar felicidade não é algo a se fazer em todas
as ocasiões.
Foram para a mesa cortar o
peru. Estava torrado.
- Puta que pariu, Bia!
- Olha o palavrão!!! Hoje é
véspera de Natal!
- Foda-se.
O jeito foi comer frutas
secas, farofa, panetone e os doces que Tina trouxe. E beber espumante. Todas as
garrafas.
- Vou colocar um CD com
músicas de Natal!
Falou Tina, que era pra expulsar
todas as tristezas de uma vez.
Apertou o play e: https://www.youtube.com/watch?v=n7JMVEAjyfY
- Mas que merrrrrrrrda! Quem
trouxe o CD da Simone?
Perguntou Marcela, já
alterada pelo álcool.
- Não fui eu! Apenas coloquei
uma coletânea que estava em cima da mesinha! – Falou Tina.
Era de Bia. Só deixou ali
porque estava feliz.
As três sentaram na sala e
ligaram a TV. Estava passando a Missa do Galo. Havia panetone esmagado no
tapete e espumante esquentando em uma taça na mesinha de centro. Já não havia
mais tantas risadas.
Mas o vazio que a tristeza
deixou no peito de Bia e Marcela era ocupado pela amizade das três. Sempre
juntas. Sempre irmãs. Sempre unidas. Inês Brasil.
Pra afundar com o clima de
vez, Marcela achou uma fita VHS antiga com algum especial natalino gravado e
colocou no videocassete que nunca quis se desfazer. A fita ainda funcionava.
Era milagre de Natal.
As três se abraçaram, feito
três crianças, e prestaram toda a atenção do mundo no vídeo. Marcela já
chorava, e Tina secava o rímel, que não era a prova d’água porque estava muito
caro. Bia chorou de felicidade.
Todas choraram naquela noite.
E muitas pessoas deviam estar chorando em outras casas também. Cada um por um
motivo diferente.
Mas Natal era assim mesmo.
Até as pessoas mais duras se transformavam, no mínimo, em um torrãozinho de
açúcar.
“Xuxa, sua vadia, eu te amo”,
pensou Marcela, secando as lágrimas.
Mas afinal de contas, quem é
que nunca pediu por um mundo diferente? Ou, no caso das meninas, por um homem
diferente, embrulhado num presente?
Feliz Natal.
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