Ele entrou no ônibus e percebeu que ela havia retornado ao
seu posto de trabalho. Depois de muito tempo, a cobradora que nunca sorria
estava de volta.
Pensou que ela estivesse de férias, ou havia sido trocada de
linha temporariamente.
Seja o que for, não foi o suficiente para fazer a mulher
esboçar um mínimo sorriso. Nada. Nem mesmo aquele sorriso com os olhos.
Seus olhos estavam falecidos.
Neste dia ele não havia levado o bilhete eletrônico.
Entregou o valor da passagem em dinheiro e tocou a não da cobradora. Aquele
toque mínimo resultante de um descuido.
Era morna.
Um calor perceptível em quem está, de fato, vivo.
"Ela está viva", pensou ele. E sentiu o mesmo
calor no peito, junto com um aperto. Pois não havia nada mais triste do que ver
alguém morto fingindo estar vivo.
Ele sentou em uma poltrona livre e ficou lá, olhando a
mulher. Queria conversar com ela. Mas no caso dela estar morta de verdade, teve
medo dela, sorrateiramente, sequestrar sua vontade de viver.
Porém um calor na pele não engana.
Imaginou então que ela devia chegar em casa, no fim do dia,
com a pele gelada e dura igual a de um defunto. Que os problemas, os mínimos e
os gigantes, aos poucos iam sugando aquele calorzinho que sentiu pela manhã.
Talvez ela morresse durante a jornada de trabalho, entre as
notas de dinheiro e avisos de paradas. E talvez chegasse em casa com um fiapo
de vida a prender a alma no corpo. E, possivelmente, ela tomava um banho quente
pra reaver a temperatura de quem está neste mundo, a temperatura próxima do
estado febril. Talvez ela comesse um pedaço de chocolate pra adoçar o ânimo.
Talvez ela desejasse um beijo, quem sabe até ganhasse.
E nesse processo de ressuscitar, todas as noites ela se
preparava para a quase morte do dia seguinte.
E, no fundo, era assim que todo mundo fazia. Alguns mais, outros
menos.
25/8/2015
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