Ele havia bebido todas as lágrimas dela na noite anterior.
Lágrimas sofridas. Lágrimas de saquê. Tomou um porre delas. Fez o que tinha que
ser feito.
Mas não queria tanto. Talvez nada. Bebeu socialmente na
forma, e conscientemente no conteúdo.
Bebeu sem nenhum acompanhamento. Aquelas lágrimas caíram no
estômago vazio feito um tiro, revoltando as entranhas igual maré alta.
O primeiro gole foi seco, igual adolescente bebendo
destilado pela primeira vez. Sentiu nojo. Mas depois o gosto levemente salgado
pareceu-lhe normal, e criou uma espécie de pequeno vício. Coisas do cérebro.
Não queria beber mais. Porém as lágrimas continuavam
chegando, como se tivesse um garçom servindo eternamente, ao menor sinal de
copo vazio.
Sentiu o primeiro sinal de embriaguez. Era impressionante o
mundo visto da ótica daquele álcool. Tinha consciência do peso do líquido, da
responsabilidade, mas estava eufórico. Queria mais. E teve mais. Ela chorou
mais.
Continuou bebericando, afogando-se de vez em quando, por
conta da intensidade dos goles. E do sabor. Sabia que, no dia seguinte, iria
sentir-se morto. De corpo, de alma, de tudo. “Morto estando vivo é difícil de
lidar”, pensou.
As cores da casa já haviam mudado. Os móveis
movimentavam-se, e as paredes dançavam num passo sem ritmo. Os lustres pareciam
mãos com Parkinson. Lembrou-se da sequência da animação Dumbo, quando o pequeno
elefante mergulha num transe resultante de umas boas doses de bebida.
Só que sem trilha sonora.
Ergue-se do sofá, segurando-se onde não existia nada para se
amparar, e desse esse momento tudo o que se lembra é de não mais existir.
*Os arquivos foram deletados*
Quando acordou a cabeça pesava toneladas. Olhou para o lado
e ela não estava mais lá. A cama vazia o fez sentir uma perto no peito.
Enquanto ele ocupava-se de sua embriaguez, ainda na noite do
ocorrido, ela pegou um pedaço de papel que achou na gavetinha do criado mudo e
escreveu um recado.
“Desculpe te deixar. Achei que você entenderia, mas começou
a chorar e não parou mais. E bebeu. E fez escândalo. Eu não posso suportar.”
28/8/2015
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