Esqueça o duplo sentido do título. Essa é a história sobre
ele e o seu pavor de velórios.
Ele odiava velórios.
Não pelo fato de ter comparecido no velório do próprio pai,
de tios e outros parentes, ou amigos e pais de amigos. Apenas não conseguia
manter um pingo de serenidade em um ambiente como aquele.
Também não se sentia confortável com as crises de choro
alheias. Nem com os votos de pêsames. Nem com a indumentária negra que muita
gente ainda insistia em usar, porque certamente achavam chique.
O abafamento das capelas e o cheiro azedo das coroas de
flores e a chama das velas formavam a cereja do bolo. Ficava levemente enjoado.
E tinha verdadeiro pavor dos chumacinhos de algodão enfiados
nas narinas dos mortos.
E pensar que após uma vida toda, com suas histórias, amores,
afetos e desafetos, realizações, frustrações... tudo se resumia a um
terno/vestido barato e algodão no nariz.
Muitas vezes cogitou pedir aos seus familiares que não lhe
fizessem velório. Que o cremassem. Mas tinha medo de fogo. Sim, estaria morto,
mas a ideia o apavorava.
Não iria querer velório. Talvez para íntimos. Talvez não
morresse. Talvez vivesse pra sempre.
Riu de suas bobagens.
O fato é que, para ele, que não tinha necessariamente medo
de morrer, confrontar a morte alheia significava aceitar que a vida talvez entrasse
na mira de um estrábico agente. Que talvez os alvos fossem inocentes. Falar em
merecimento seria complicado, mas pensou que algumas de fato entrariam nessa
lista. Muitas não.
De todos os velórios que precisou participar tirou duas conclusões:
1) nunca teria jardins tão bonitos em sua casa e 2) o cheiro da morte parecia
colar nas suas roupas pra sempre.
31/8/2015
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