quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A Cigana







Ela acreditava que um dia seria merecedora da tal felicidade novelística.

Mas ela cresceu e viu que a vida é feita, mesmo, dos bastidores. Pequenos acidentes, más intenções, enganos, ilusões, promessas. Um mundo ficcional revelado.

Sempre haveria as chamadas gentes de bem, por mais que odiasse essa expressão. Mas elas existiam.  Só não tinha tido a sorte de esbarrar com alguma, como quem tropeça com uma pedra e a chuta. Porque é mais fácil acreditar que todos os tropeços são em pedras insignificantes.

Um dia caminhando pela rua uma cigana parou para ler a sua mão. Nunca acreditou nessas clarividências. Mentira, acreditava sim.

Tanto é que não hesitou nem por um segundo em estender sua mãozinha branca cheia de estradas gravadas na palma para a mulher.

“Cigana Esmeralda”, disse. “Me chamo assim.”

A velha, vestida com indumentárias que pareciam retiradas de um armário de figurinos da televisão, olhou para os caminhos que se transpassavam, olhou para ela e olhou para a mão de novo.

E disse, como se jogasse uma daquelas pedras na sua cabeça.

- Você nunca será feliz por gostar de homens.

Mas o que ela queria, que fosse lésbica? E afinal, pra ser feliz, tudo se resumia em homens?

E o mais triste foi perceber, naquele momento, que sim, estava mais preocupada com sua evolução afetiva, parecendo intelectualmente infectada por alguma coisa que inibisse sua capacidade de avaliar a importância das coisas.

A cigana largou a sua mão e ela caminhou pelo centro da cidade meio vazia. Não era fome. Era uma tristeza, uma descrença que não podia expressar verbalmente. E mais do que tudo, um sentimento de imbecilidade por acreditar tanto em uma andarilha.

Lá atrás, enquanto ela se afastava, a velha retirava o colar de pingentes dourados que havia prendido nos cabelos, os panos vermelhos e guardava tudo em uma bolsa. Mais um dia de trabalho ficava para trás. Afinal, era uma cigana tão verdadeira quanto uma nota de três reais. Seu negócio tinha como produto a ilusão.

Seu nome? Um nome comum. Maria da Conceição.




2/9/2015 

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