Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=rEBxmQR2B9g
Tomada por um nervosismo descomunal,
Marcela saiu ligando para suas amigas. Não porque elas pudessem ajudar, já que
nem conheciam Roni, mas por uma tentativa instintiva de ter alguém para se
apoiar.
Ninguém sabia como ajudar.
Pensou em mil coisas, que Roni tivesse sido
assaltado e sequestrado, que havia levado um tiro nas ruelas escuras do centro,
que pudesse ter caído um tombo, batido a cabeça e perdido a memória... uma
série de conclusões trágicas para justificar aquele sumiço. Sentiu-se viúva sem
ser casada.
- Meu Deus! Meu Deus!
Era tudo o que conseguia dizer.
Foi quando o telefone tocou. Achou que era
a polícia avisando que encontraram o corpo do homem, e no celular uma conversa
recente mostrava seu número, algo assim. Mas era o próprio Roni. “Mas defuntos
não mandam whatsapp!”, pensou Marcela.
Roni: Oi! Você deve estar querendo me matar
haha
Roni: Eu acabei indo jantar na casa de uma
amiga
Roni: Fiquei sem bateria, e dormi por lá
mesmo
Marcela: Você tem ideia do susto que eu
passei desde ontem?
Marcela: Tem?
Nem mencionou o fato dele ter dormido na
casa de uma ~amiga. No momento aquela informação era o menos importante.
Marcela xingou Roni por décadas no whatsapp, onde já se viu, ficar perdendo
cabelo de nervosa?
Porém ficou aliviada por estar tudo bem,
que não iria precisar comparecer em um velório e explicar para a família que
não conhecia muito bem o defunto, porque apenas transava com o falecido de vez
em quando.
E marcou de encontrá-lo durante a tarde na
Feira do Livro que estava acontecendo no centro, antes dele voltar para sua
cidade. Sentiu falta de Roni.
***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=vXhqT7XlFeM
Na noite anterior, Thiago saiu do café
correndo num Uber para a casa de Tina. Pensou nas desculpas que iria pedir e na
possível noite juntos que poderiam ter, caso ela realmente o desculpasse.
As balinhas do carro não foram suficientes
para aplacar sua ansiedade, nem a água. Nem o silêncio do motorista. Nem a
música boa que tocava na rádio.
Quando o carro parou na frente do prédio se
jogou no interfone. Tocou. Tocou. Tocou mais uma vez, e nada. Certamente ela
espiou da janela, ou desconfiou que fosse ele, e fingiu não estar em casa.
Compreensível, havia sido a sua vez de estragar tudo.
Ficou olhando para os lados da calçada,
igual o gif do John Travolta perdido:
E percebeu que a bateria havia acabado, não
teria como chamar outro carro, e sem nenhum ponto de táxi nas proximidades, o
jeito seria sair andando pra casa, ou até passar um no caminho. Seria
assaltado, certamente. E seria bem feito.
Nisso um táxi parou na calçada. “Nem tudo
está perdido!”, pensou. E viu Tina saindo de dentro do automóvel, como se
estivesse sendo cuspida (ou vomitada) por ele.
- Tina????
Pelo seu estado achou que estivesse prestes
a morrer ali mesmo, afogada pelo álcool, ou sufocada pelo cheiro dele, que era
exalado de sua própria boca.
Tina não conseguiu dizer muita coisa, e o
que disse, foi numa espécie de língua morta que jamais conheceria. Foi o tempo
de Tina dar dois passos e cair desmaiada na frente de Thiago.
Thiago, então, juntou Tina, pegou a chave
na bolsinha e a levou para dentro de casa.
Fez com que ela tomasse um banho e colocou
o pijaminha de flanela. Não havia nenhuma tensão sexual naquele momento, Thiago
nem mesmo se recordou de todas as vezes em que estiveram juntos. Só queria
cuidar de Tina.
Ela continuou adormecida. Vomitou duas ou
três vezes durante o banho e ficou serena, limpinha e protegida. Thiago
sentou-se na poltroninha ao lado e ali adormeceu, mas pronto caso Tina
acordasse e precisasse de ajuda.
Na manhã seguinte, Tina iria acordar e
demorar para lembrar da noite no bar, e mais ainda para entender o que Thiago
fazia no seu quarto, dormindo desajeitado naquela poltrona minúscula que quase
parecia as poltroninhas coloridas de criança vendidas nas calçadas da cidade.
Mas teve a certeza de que, quando Thiago
acordasse, ele seria seu.
***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=wzIE3mRFypQ
Quando Roni chegou, Marcela desfiou
novamente o seu novelo de palavrões e xingamentos. Mas falou isso tudo durante
um abraço, óbvio, porque não era tão rainha do gelo quanto parecia.
Roni se desculpou mil vezes, explicou, e
Marcela esqueceu o fato. Queria curtia a presença dele, mas notou que estavam
mais inseridos em um clima de amizade do que outra coisa qualquer.
Caminharam pelas bancas de livros,
sentaram-se no banquinho da praça para conversar, e depois resolveram beber uma
cerveja num boteco das proximidades.
A conversa foi maravilhosa como sempre,
regada por risadas, lembranças antigas e histórias pessoais. E apenas isso. Marcela
continuou sem abraço, beijo ou qualquer outro tipo de afeto. Dois encontros em
que nada aconteceu.
Enquanto ficava lentamente alterada pela
bebida, ficou pensando no que aquilo poderia resultar. E o que aquilo poderia
significar.
Talvez Roni nunca houvesse engolido o
episódio do pseudo pedido de namoro não correspondido. Talvez ele apenas não
tivesse entendido o jeito de Marcela em lidar com as coisas. Talvez ele fosse
entender um dia. Talvez.
Quando a noite chegava, Roni disse que
precisava embarcar de volta. Ela o acompanhou até a rodoviária.
Se despediram com uma certa ternura,
afinal, Roni era importante para ela.
Foi a última vez que o viu pessoalmente.
Pouco depois, Roni passou uma longa
temporada na casa da irmã, que morava no litoral, e entre palavras de saudade e
cobranças, achou que seria melhor seguirem em frente como amigos, pois não
queria deixar Marcela pendente numa relação a distância.
Marcela entendeu, e não guardou nenhum tipo
de ressentimento. Ao menos até o momento.
***
(Volta para o tempo atual, quando iniciou a
temporada)
Domingo, 12 de junho de 2016.
Trilha final: https://www.youtube.com/watch?v=zbYcte4ZEgQ
Marcela se ajeitou na mesa do restaurante,
era apenas mais um dia dos namorados. Esperava sua companhia enquanto bebia
algum drink. Estava feliz.
- Cheguei!!! Desculpa o atraso.
Era Bia, que vinha de um date. Sim, um date
em pleno dia dos namorados.
- Quem foi a vítima?
- Alguém do Tinder, sem muita importância.
- Poderia ter ficado com ele se quisesse,
não ia me importar de jantar sozinha, viu?
- De jeito nenhum, amigos antes dos machos.
E além do mais, nem foi muito bem sucedido. Estou curtindo estar aqui. E
repara, estão achando que somos um casal de lésbicas. – falou, sorrindo.
- Lésbicas maravilhosas, quem sabe a gente
tenta? Brincadeira haha.
Marcela estava feliz de verdade. Roni fora,
no fim das contas, o mais próximo que teve de um relacionamento desde Romeu, ou
seja, participou de um processo pessoal muito importante. Uma peça fundamental
naquela engrenagem que era se relacionar.
Um brinde a si mesma.
FIM
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