Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=9QiHwk56dNk
Tina fico lá, em um estado semimorto, até
que a última pessoa cantasse a última canção no karaokê. No caso foi alguma do
Gypsy Kings.
Logo depois o bar entrou num clima de
deserto que só nos filmes mais tristes era possível existir. Sozinha e
entorpecida, Tina cochilou e, sonhando, entrou em um de seus flashbacks do tempo de escola.
Trilha do flashback de Tina: https://www.youtube.com/watch?v=cv-0mmVnxPA
Viu a si mesma no dia da sua formatura.
Pareceu que havia sido ontem. Viu cada detalhe da sua roupa – uma calça bag com
o jeans de aspecto marmorizado e uma blusa rosa deixando um dos ombros à
mostra.
Não quis usar vestido, quis ser diferente. E
sem saber bem ao certo o motivo, pediu para ser oradora da turma. E mais
estranho ainda foi que concordaram.
Na hora de discursar, Tina pegou suas
anotações e se dirigiu ao púlpito. Ficou uns minutos em silêncio, sob as
risadinhas de deboche. Então, rasgou os seus papéis e iniciou uma fala
improvisada.
“Não vou falar sobre a faculdade, não vou
falar sobre os anos que passamos nessa escola, não vou falar sobre esforço,
sobre mérito ou sobre a educação. Vou falar sobre amor. Vou falar também sobre
anulação. É isso que acontece quando a gente deixa os outros decidirem por nós
o que é certo. Certo quem sabe o que é sou apenas eu, é você e você. Vou sair
daqui hoje esperando nunca mais olhar para a cara de nenhum de vocês, e nem
para a minha própria. Pois, a partir de amanhã, quando me olhar no espelho,
serei outra Tina (começou ali sua relação íntima com o espelho). Vou sair daqui
e encher a cara, vou cantar alguma música brega e vou dançar nua, em
comemoração a mim mesma. Quero deixar meu muito obrigado. Se essa escola não
houvesse sido tão idiota, eu não seria eu hoje. Amor é isso. Amor próprio,
antes de qualquer outro. E um dia eu terei o amor de quem eu mereço e,
especialmente, de quem me merece e...”
Tina foi interrompida pelo som mecânico do
DJ, igual aos ganhadores do Oscar quando são interrompidos em seus discursos
que excedem o tempo regulamentado.
Saiu da escola sob olhares de
questionamento, mas estava realizada.
Sabia que um dia seria a Tina que deveria
ser, e estava apenas começando.
Voltou do Flashback.
Trilha anterior: https://www.youtube.com/watch?v=9QiHwk56dNk
Acordou com alguém balançando seu ombro, e
com uma ardência que só um fluxo gástrico fora de hora é capaz de proporcionar.
Longe dali, a garçonete trazia a terceira
xícara de café para Thiago.
- Obrigado, o café está ótimo. – Disse ele,
num tom melancólico que comoveu a funcionária.
Ela estava saindo, mas resolveu voltar e
disse.
- É curioso, mas o senhor me lembrou muito
uma moça que esteve aqui há várias semanas. Ela se sentou nessa mesa ao lado,
bebeu várias xícaras desse mesmo café, e ali ficou. Como se esperasse por
alguém. Nunca vi alguém tão decepcionada. A mesma expressão de decepção que
está no rosto do senhor agora. Com licença.
Aquelas palavras caíram como uma bomba de
consequências inimagináveis sobre Thiago. Tina havia, realmente, falado a
verdade. Foi apenas mais uma ação atrapalhada daquela mulher.
Não que merecesse, mas a primeira coisa que
fez foi pagar os cafés e se dirigir para a casa de Tina pedir desculpas.
***
Trilha final: https://www.youtube.com/watch?v=taOL5HJdx1A
Na manhã seguinte, a primeira coisa que
Marcela fez foi olhar o whatsapp para ver se Roni havia recebido sua mensagem.
Ela continuava marcada como não recebida.
Marcela, enfim, entrou em pânico.
Tentou ligar para o celular e só caía na
caixa postal. Pensou em ligar para a recepção do hotel, mas lembrou que ele
havia dito que se hospedou em um hotel diferente, e não lembrava do nome.
Chorou por dentro. “Meu Deus aconteceu
alguma coisa muito grave com esse homem!”, concluiu. Sabia apenas a região onde
ele estaria. Fez, então, uma filtragem dos hotéis daquela parte da cidade e
ligou um por um, implorando para os recepcionistas que dissessem se ele estava
hospedado lá ou não.
Roni não estava em nenhum. Já inconsolável,
ligou no último, e uma mocinha muito prestativa, diante de sua aflição, foi
verificar no sistema.
- Sim, o hóspede Roni está registrado nesse
hotel, vou transferir a ligação para o quarto.
Marcela respirou aliviadíssima. Iria xingar
tanto Roni por mais aquela preocupação que iria gastar muitos minutos só com
desaforos. Foi então que ouviu novamente a voz da mocinha da recepção.
- Senhora, a ligação retornou, ele não está
no quarto. Verifiquei e a chave está conosco. Ele não voltou na noite passada.
Marcela, então, sentiu-se mais no chão do
que Bolsonaro quando se jogou nos braços do povo.
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