No capítulo
anterior...
Enquanto o caixão era acomodado na sepultura, e as
últimas pás de terra selavam o destino do marido, e depois o cimento lacrando a
tampa para todo o sempre, Rosaura, enfim, caiu num pranto silencioso, que lhe
fazia arquear os ombros. Era o que os fofoqueiros precisavam para encará-la
como uma viúva normal, pois não derramara uma lágrima por toda a noite. Então,
foi amparada pelos sogros até a saída, enquanto um vento frio varria os túmulos
e causava uma sensação mórbida em cada um dos presentes naquela despedida da
vida.
Capítulo 10
No dia seguinte, o delegado Miranda já tentava
investigar a fundo o caso. Intimou um montante de pessoas, conhecidos e
desconhecidos, inclusive a viúva. Ela fora a primeira a ser chamada na
delegacia. Às oito horas em ponto entrou ela, lindamente vestida de preto por
causa do luto, com suas incríveis duas gotas de Chanel n.º 5 estrategicamente
colocadas no corpo, virando a cabeça dos homens pelo caminho.
- Seu Miranda, “ela” chegou.
Disse Jorge, um dos policiais, e só quando a mulher
entrou é que Miranda entendeu por que Jorge estava ofegante e com um ar de
assombro por algo que parecia não ser deste mundo. Rosaura mais parecia uma
aparição, algo irreal, um tipo de mulher que nem no cinema poderia existir.
Certamente “Gilda”, de Rita Hayworth, não era nada perto da viúva Rosaura.
- Se-sente... – falou ele, vesgo de susto e pavor.
- Obrigada. – respondeu, cheia de graça, e com uma
melancolia que, estranhamente, lhe deixava ainda mais linda.
- Bom, D. Rosaura, como já disse, Preciso
interrogar todos, D. Rosaura.
Ela respondeu:
- Pois sim.
- Preciso de detalhes – disse o homem, com uma
ínfima esperança de desvendar as minúcias do cotidiano da poderosa viúva,
inclusive os que revelavam as particularidades da cama.
- Não me faça sofrer, delegado Miranda.
- Esse caso tem muitas portas abertas, muitas –
disse o inspetor ao lado de Miranda – Diga tudo.
- Exato
Assim sendo, Rosaura concordou.
E começaram as perguntas. Perguntas frívolas, perguntas
relevantes, perguntas que lhe invadiam a privacidade. Rosaura respondeu tudo,
sem nada a temer. Até mesmo o fato de não haver mais sexo entre o casal muito
tempo antes do ocorrido foi mencionado por ela. O delegado Miranda
surpreendeu-se com a inibição de Rosaura, e entre um momento de reflexão e
outro de admiração às suas pernas, pensava que ela estava, realmente, disposta
a colaborar. Duas horas e meia depois, Rosaura foi liberada, mas avisada de que
poderia ser chamada para novos depoimentos. João, seu motorista, que ficara lhe
esperando no carro, desejava com todas as suas forças que ela cometesse algum
engano em seu depoimento, algo que a denunciasse, uma contradição qualquer, um
ínfimo detalhe que pusesse abaixo sua inocência. Porém, quando avistou a
patroa, com suas lindas pernas, faceira e bela caminhando em sua direção,
pensou:
- Vagabunda...
Até aquele momento ela saíra impune, livre, ilesa
do homicídio que, para ele, tinha alguma coisa a ver com Rosaura. Ninguém lhe
tirava da cabeça o fato de que ela fizera alguma coisa que causou a morte de
seu tão estimado patrão, um homem que conhecia há uma vida inteira.
Ela entrou no carro e falou, com um ar de
superioridade que lhe irritou profundamente:
- Para casa João, agora. Estou exausta.
De vez em quando ela abria seu estojinho de
maquiagem e retocava o batom, várias vezes, numa espécie de ritual
desnecessário e insuportável. Só de raiva, João freava bruscamente, com o único
motivo de vê-la raivosa com o batom borrado, formando um risco vermelho na
bochecha. Só então reparou que ela estava maquiada demais para um luto. Pensou:
- Vagabunda...
Quando o carro dobrou a esquina da casa, notaram
que havia vários automóveis parados nas calçadas, eram jornalistas, levemente
atrasados, mas ainda sedentos por informações sensacionalistas. Ao avistar o
automóvel, os jornalistas correram em sua direção, querendo declarações e
retratos da viúva Rosaura. Um grupo em especial, do jornal A Manhã, do Rio de
Janeiro, foi mais insistente. Um jornalista, com um rosto conhecido, que ela já
tinha visto antes, dependurou-se na vidraça (ela viria a se lembrar mais tarde,
casualmente, que o vira na estréia da peça Vestido de Noiva, quando foi com o
marido ao Rio de Janeiro):
- D. Rosaura, D. Rosaura, uma declaração, por favor!!!
Rosaura não sabia por que razão, mas o fato é que
aquele jornalista foi o único a quem ela concedeu uma entrevista. Então,
deixou-o entrar no automóvel, e foram para o interior da casa. Durante cerca de
uma hora e meia, Rosaura narrou sua vida, seu casamento e os dias anteriores ao
crime. De vez em quando chorava de desespero, de tristeza, de amargura. O homem
lhe consolava, e retomavam a entrevista. Foi aquele, o primeiro dia após a
morte do marido, um dia difícil para a viúva.
Na próxima
segunda-feira:
De qualquer forma, acabou se entregado ao momento,
e deixou-se amar por Leandro, mais uma vez, como uma fêmea deveria ser amada, e
fazia amor como uma loba. E o pior: na cama do marido morto.
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