Nos capítulos anteriores...
Então Rodolfo viu, sobre a maca, Nina cavalgando sobre o
colo de Dr. Abílio, sem a parte de cima de sua combinação, com a saia
arreganhada e amontoada no seu tronco.
***
Sem poder resistir, Rosaura deixou-se beijar, como se
fosse uma cadela no cio que não pode negar o sexo ao cachorro desesperado e
tomado por seu instinto...
Capítulo 9
Nesse momento, Dr. Alberto, que estivera sumido por
alguns instantes, entrou na capela. Estava perturbado, nervoso. De repente,
chorou algumas lágrimas, silenciosas, mas podia vê-las escorrendo face abaixo.
Rosaura sentiu pena do homem, eram muito amigos. Foi confortá-lo:
- Alberto, acalme-se... eu sei que é difícil, mas
precisa ser forte... Ele era seu amigo, eu sei... Vamos nos conformar...
Dr. Alberto não dizia nada, ao contrário, chorava mais
e mais. As pessoas já estavam olhando, atraídos pelo som que agora emitia o seu
pranto. Então, ele foi para a rua, precisava vomitar. Nina, que estava ao lado
do caixão, observou Dr. Alberto saindo em silêncio. Séria, emergiu-se em
pensamentos.
Naquela tarde, ela estava arquivando umas fichas
quando o Dr. Abílio chamou-a em sua sala. Fazia pouco tempo que Rosaura tinha
lhe entregado a pasta preta. Ela foi, desconcertada, pois não tinha acabado de
fazer um serviço qualquer. Mas não era por isso que ele havia chamado-a.
- Pois não? – falou ela, sem jeito.
Sem muitas palavras, Dr. Abílio agarrou-a pelas
nádegas e tratou de arrancar sua blusa e a parte de cima de sua combinação. A
calcinha foi apenas afastada para o lado, enquanto que a saia ficara amontoada
no tronco da mulher. Transaram por cerca de dez minutos, sobre a maca.
Nina voltou à si, quando uns parentes do falecido
se aproximaram para ver o corpo. De repente, sentiu um tremor que percorreu
toda a sua espinha dorsal, algo parecido com o sentimento de culpa, e precisou
pegar um pouco de ar.
Enquanto isso, Rosaura se consumia numa tentativa
desesperada de tentar imaginar quem poderia ter feito uma coisa daquelas.
Olhava todas as pessoas à sua volta, o assassino poderia estar entre eles.
Diante dessa possibilidade, Rosaura quase desfaleceu de pavor. Hirta de medo,
começou a olhar um por um todos os presentes. A capela estava cheia, e o calor
quase insuportável por causa dos círios que ardiam. Viu Dr. Alberto, mas esse
era amicíssimo de Dr. Abílio, não, não. Viu, também, a Dra. Elisabeth, essa
quase nem conhecia, mas sua figura apática não lhe despertou desconfiança
alguma. Tinha muitos parentes que nem conhecia, amigos, a maioria anônimos para
ela. Seria difícil tentar reconhecer um insensível assassino naquela multidão.
Percorrendo as pessoas deu de cara com João, com o seu olhar frio e inquisidor.
Sentiu uma sensação ruim, pesada, quase palpável. O motorista lhe observava
como um louco, um mostro, alguém que a repudiava de todas as maneiras, alguém
que podia cometer os atos mais vis contra sua pessoa. Então, um pensamento lhe
ocorreu: “Será que... será que João deu cabo da vida de meu marido?”, mas logo
desfez a ideia, aquele homem era fiel demais ao seu patrão. E retomou o seu
posto de viúva ao lado do caixão.
Metido em seu eterno terno preto de chofer, João,
em pé desde que chegara, só tinha olhos para a patroa. Não lhe saía da cabeça
que era ela a culpada pela morte do próprio marido. Não sabia como, mas só
podia ser ela. “Talvez ele tenha pego a mulher no flagra com o frangote e,
temendo a humilhação, ela o matara”, supôs ele, enquanto ela conversava com o
Dr. Alberto, que estava aos prantos. “Como pode ser tão falsa!”, resmungava
para si. João trabalhava com a família de Dr. Abílio há muitos anos, desde que
era apenas um rapaz. Tinha quinze anos quando viu Dr. Abílio nascer. Servira
seus pais até pouco tempo, e depois servira Dr. Abílio e a esposa. Sempre achou
estranho o fato de nunca terem filhos, afinal, os filhos perpetuam a família e
unem os casais, pensava. “Vai ver a vagabunda é mesmo seca por dentro”,
concluiu. O fato é que, até o dia em que foi colocada no carro, amparada pelo
jovem médico, João não tinha certeza do que, até então, não queria acreditar
ser possível: Rosaura era, de fato, uma grandessíssima vagabunda. Traiu o
marido. Uma mulher não devia fazer isso, não devia, nunca, nunca. Mas ela fez,
e agora chorava com a cara mais deslavada. Mas só quando chegou, pois nem
lágrima derramava mais.
- Vagabunda...
Mas não podia negar o quanto Rosaura era bonita.
Linda, até, com suas incomparáveis pernas. “Ah, Rosaura, Rosaura...” gemeu ele,
e uma espécie de força cresceu dentro de si, um arrepio quente, um calor, mas
não o calor da capela, era um outro calor. Aquela energia se convertia, lentamente,
no mais puro e forte tesão animal. Olhando Rosaura, toda vagabunda, sob o
flerte de Leandro, sua vontade era de ultrapassar as pessoas que choravam e
conversavam e segurá-la pelos braços e deitá-la ali mesmo, na frente de todo
mundo, diante do caixão, e arrombar suas entranhas genitais sem a menor pena, a
seco, com toda a sua força cavalar. João, quase não suportando mais, tocou o
próprio sexo, fato que passou desapercebido pelo montante de pessoas, mais
preocupadas em comentar o assassinato e falar sobre o calor do que prestar
atenção no motorista. Tocou, mexeu, roçou, até chegar ao clímax de um ato
solitário, desesperado e sem volta. Suspirava, suspirava, suspirava, suando,
cansado. Olhou para frente e a criadinha da casa o olhava com enormes olhos
arregalados de estupefação, a única que percebeu o seu ato. João não deu a
mínima, pois, na sua cabeça, havia a imagem de uma única mulher, e de seus
lábios, um som baixinho dizia:
- Vagabunda...
A noite se desfez, cedendo lugar ao domingo como se
véus de noiva caíssem do céu. O corpo já fedia, e ninguém entendia como o
processo de decomposição podia ter começado tão rápido. O cortejo seguiu pelas
ruelas de túmulos, passando por covas recém cobertas, coveiros sinistros e
cachorros vira-latas penetras. Rosaura estava exausta, cansada mentalmente, e
exasperada com a possibilidade de estar perto de um assassino. “Meu Deus, assim
acabo louca!”, pensou, mas o que mais lhe incomodou foi o olhar de João, ainda
assustador, maléfico, inquisidor. Sentiu-se uma bruxa perseguida, condenada,
preste a ser enforcada. Os pais de Dr. Abílio choravam compulsivamente, e ela
continuava sem lágrimas, porém com o rosto lívido. Deveriam estar comentando
sobre sua passividade diante do último ato, o adeus final, a despedida. Mas ela
não pensava em nada disso, pensava em Leandro. O rapaz ficara a noite inteira na
capela, suando em bicas dentro de seu traje escuro, contemplando-a,
desejando-a, e ela, mesmo que fosse um ato profano, desejando-o também. Dali
para diante, teria três grandes problemas: o seu amor por Leandro, a identidade
não descoberta do assassino e o olhar desconfiado de João, o motorista. Então,
Rosaura percebeu que estava sozinha. Enquanto o caixão era acomodado na
sepultura, e as últimas pás de terra selavam o destino do marido, e depois o
cimento lacrando a tampa para todo o sempre, Rosaura, enfim, caiu num pranto
silencioso, que lhe fazia arquear os ombros. Era o que os fofoqueiros
precisavam para encará-la como uma viúva normal, pois não derramara uma lágrima
por toda a noite. Então, foi amparada pelos sogros até a saída, enquanto um
vento frio varria os túmulos e causava uma sensação mórbida em cada um dos
presentes naquela despedida da vida.
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