quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O Médico e a Mulher Infeliz: Capítulos 7 e 8



No capítulo anterior:

Leandro, me deixe, está ouvindo? Está acabando com minha vida.

- Nunca! Nem morto!
- Pare com isso, pelo amor de Deus!
- Faria qualquer coisa para ficar contigo, está me entendendo? Qualquer coisa! Qualquer coisa!

Capítulo 7

Impressionada e assustada com as palavras do jovem, Rosaura saiu e foi para a capela. Os círios ardiam e as coroas de flores fediam. Não soube se foi isso ou a visão do caixão que quase lhe fez desmaiar. O fato é que, mais uma vez, precisou ser amparada. Nesse momento, Rosaura sentiu falta de um filho ou filha para lhe consolar. Dizia que tinha o ventre seco quando, na verdade, ela não queria filhos, e mentia para não ser reprimida, afinal, mulher nascia para procriar. Logo, conhecidos e parentes vieram dar-lhe os pêsames, abraços e palavras que para ela soavam vazias. O caixão tinha uma janelinha de vidro, mas só aparecia o nariz e a boca do defunto, porque o resto fora destruído pela bala. Quando chegou diante da janelinha todos a observaram com expectativa, esperando uma cena horrível, Rosaura se rasgando e se escabelando, mas não, muito pelo contrário. Rosaura olhou o marido morto e soltou um suspiro de indiferença, como se todo o seu sofrimento tivesse se desfeito igual a uma nuvem de fumaça. Estava em choque com todos os fatos que sucederam nas últimas horas, era isso. No extremo da capela Leandro lhe encarava, e temeu que alguém percebesse. No outro extremo, João lhe encarava também, porém com raiva.
- Meu Deus, meu Deus, João sabe, ele sabe, só pode ser isso!!
Atordoada foi para a sala reservada da capela, precisava pôr os pensamentos em ordem. Se João sabia, logo outros iriam saber e... Nisso, entrou o delegado na salinha:
- Boa-noite senhora Albuquerque... Lamento lhe incomodar nesse momento. Ia falar com a senhora talvez amanhã, mas, diante dos fatos novos, não poderia esperar.
- O... O que houve? – perguntou, já temendo algo de horrível.
O delegado respirou fundo e disse:
- Há algo que a senhora precisa saber.

***
No outro lado da cidade, Rodolfo, o açougueiro, chegava em casa. Estava visivelmente incomodado, nervoso. Carregava uma pasta preta e, na outra mão, uma faca suja de sangue. Pensava em Nina.
- Aquela vagabunda, vagabunda!!! Bem feito!!!
Horas antes, Rodolfo estava trabalhando em seu açougue, quando sentiu uma enorme vontade de ver Nina. Não era de sentir saudades de alguma mulher, as mulheres é que sentiam saudades dele. Então, foi ao seu quartinho, tomou um banho, pôs uma roupa limpa e até se perfumou, com um perfume que já havia vencido há muito e muito tempo. “Devo estar louco, louco”, pensava ele, enquanto descia as escadas, afinal, jamais havia se apaixonado, ao menos era o que achava estar sentindo. Assustado e maravilhado com a novidade que lhe caíra feito um raio, pegou um carro de aluguel, iria até a clínica onde Nina trabalhava. No caminho, pensava no que ia dizer, o que fazer, queria namorar Nina. Sim, iria pedi-la em namoro.
- Meu Deus, como pode? Até ontem eu comia qualquer mulher e a chutava depois... agora tô pensando... em casar?
Essa mudança súbita se devia à originalidade de Nina, seu carisma, sua meninice, sua beleza. Nina era comprometida, ele sabia, mas esperaria pela sua vez. Mas se precisasse fazer alguma coisa para que eles se separassem, faria, ah se faria. 
Quando o carro chegou pensou em desistir, era um resquício do antigo Rodolfo. Mas retomou o seu objetivo.
- Agora vou até o fim.
Entrou na clínica, não havia sinal de pacientes nos corredores nem na sala de espera. Olhou para o balcão onde ficava Nina, e não havia ninguém. Caminhou até a recepção, e então avistou as salas dos médicos: Dr. Alberto Cardoso – Clínico geral; Dra. Elisabeth – Pneumologista e Dr. Abílio Albuquerque – Ginecologista. No completo silêncio que inundava a clínica apenas um ruído se fazia perceber para os mais atentos, vindo da sala do Dr. Abílio. Aproximou-se devagar, e o ruído foi ficando mais claro. Eram vozes. Duas. E uma delas de Nina. Já prevendo o pior, mas não querendo acreditar, Rodolfo abriu a porta com cuidado, torcendo para que não fosse descoberto. Então viu, sobre a maca, Nina cavalgando sobe o colo de Dr. Abílio, sem a parte de cima de sua combinação, com a saia arreganhada e amontoada no seu tronco. Estupefato, teve o cuidado de fechar a porta, sob o pensamento:
- Vou me vingar, vou me vingar...
Rodolfo escondeu-se, pois um homem entrava na clínica naquele momento, deveria ser o outro médico. Até poder sair, ficou recluso em seu silêncio, sofrendo, sofrendo por alguém que, pensava ele, não o merecia.
Mais tarde, quando chegou em casa, após caminhar sem rumo pela cidade, Rodolfo colocou a mala preta sobre a sua mesa e foi ao banheiro lavar o sangue da faca...


Capítulo 8

- O que eu preciso saber, seu delegado?
E ele, cuidadoso com as palavras:
- Seu marido, D. Rosaura, ele... ele, na verdade, foi assassinado.
- Ohhh... Por isso que não me deixaram ver além da janelinha do caixão... ele... tá deformado?
- Ora, isso não é necessário saber, senhora... O fato é que a situação é grave, há um assassino solto por aí...
E ela só conseguiu dizer:
- Meu Deus, meu Deus...
- Pois é. Mas, D. Rosaura, é o seguinte: ainda não temos um suspeito. A senhora sabe de alguém? Uma pessoa qualquer?
Ela ficou alguns minutos pensando profundamente para, então, responder, secamente:
- Não.
Ele olhou nos olhos da mulher e disse:
- Bem... Acontece, então, o seguinte: todos se tornam suspeitos, até que se prove o contrário.
- Todos?
E ele, com um risinho típico de delegado:
- Todos. Inclusive a senhora.
Rosaura pensou em mandar o homem se foder, ir à merda, à puta que o pariu, dar uma bofetada na cara dele, um chute no saco, mas não, isso iria chamar a atenção de todos, a achariam louca. Então se conteve, respirou fundo, ajeitou os cabelos e disse:
- Sim, eu compreendo. Agora, por favor, me deixe só.
Rosaura ficou na salinha, chorando lágrimas de raiva, amargurando o próprio desamor que sofria por parte do marido falecido.
- Canalha! Canalha!
Esbravejou, cheia de tristeza. Então, Leandro entrou na sala, aumentando seu desespero:
- Mas o q...
Antes de dizer qualquer coisa, Leandro segurou-lhe pela cara e deu-lhe um beijo ardente, de cinema, pareciam Humprey Bogart e Ingrid Bergman, porém mais picantes. Sem poder resistir, deixou-se beijar, como se fosse uma cadela no cio que não pode negar o sexo ao cachorro desesperado e tomado por seu instinto. “Meu Deus, como sou cretina, no velório do meu marido!”, pensou ela, mas não queria deixar de se encostar nos lábios de Leandro. Eram como mel, do mais doce. Então, nessa mágica fantasia que se tornou aquele beijo inesperado, Rosaura desgrudou-se da boca de Leandro, pois ouviu um barulho se aproximando. Era a criadinha que viera avisar:
- D. Rosaura, os pais de Dr. Abílio chegaram!
Rosaura olhou para Leandro, censurando-o. Ajeitou seus cabelos e voltou. Ainda pôde pensar que era impressionante os pais de Dr. Abílio ainda serem vivos, mesmo tão velhos, e ainda lúcidos. D. Marieta, com suas costas encurvadas, vinha na sua direção toda chorosa. Genésio, o pai, veio abraçar-lhe também, mas sentiu nojo, sempre sentia nojo ao ver suas gengivas à mostra, desde que um escorbuto destruiu seu sorriso quando era moço.
- Oh minha filha, quanta tristeza!
- Sim. D. Marieta, sim...
Após os cumprimentos, o casal de velhinhos precisou ir para a sala reservada, onde momentos antes Rosaura atracou-se aos beijos com Leandro, pois estavam sentindo-se mal por causa da emoção. Perto da porta da capela, fumando, João, o motorista, lhe encarava novamente, com a mesma expressão de ódio que lhe deu calafrios... De repente, sentiu que aquele homem, o qual tinha uma imensa devoção pelo patrão, poderia ser capaz até de matá-la, matá-la por vingança à memória de Dr. Abílio, pois ele deveria ter certeza de que ela era a culpada. Seu corpo gelou.
- E se esse homem monstruoso me matar, meu Deus?
Falou ela para si mesma, mas foi interrompida, pois Nina, a secretária, chegava para lhe cumprimentar.
- Meus pêsames, senhora...
- Obrigada, minha filha, obrigada...
Durante alguns segundos Rosaura olhou Nina nos olhos, e lhe pareceu que ela estava sendo cínica. Podia estar enganada, mas havia, sim, um certo cinismo no olhar da secretária, aquela moça que era jovem e bela demais para trabalhar entre dois homens.
“Que horror pensar uma coisa dessas...”.
Mas pensou, e aquilo continuou em sua cabeça por toda a noite. Acompanhou Nina com os olhos, enquanto ela se dirigia ao caixão, para olhar o patrão. Ela não chorava, mas viu que ela fazia um esforço sobre-humano para não cair em lágrimas, como se fosse ela a viúva. Sentou raiva de Nina, mas conteve-se.

Nenhum comentário:

Postar um comentário