quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O Médico e a Mulher Infeliz: Capítulo 19


Capítulo 19

O ocorrido, mais uma vez, mexeu com a vida de todos. Quem mais sentiu foi a criadinha. Após ter sido deflorada pelo motorista, a menina tornou-se uma mulher, uma mulher apaixonada, apaixonada e grávida, conforme descobriria semanas depois. Sim, ela carregava no ventre um filho do motorista, o qual se tornou o sentido de sua vida. Ao ver seu homem sendo assassinado pela vagabunda não pensou duas vezes: “Vou dar cabo da vida dessa miserável!”, mas acertou Dr. Alberto, que se atirou na frente do corpo de Rosaura. Valdeli sabia que fora ela a culpada, a pobre menina, mas jamais disse alguma coisa para alguém.
Naquela mesma noite a polícia fora chamada, pois dois corpos estavam apodrecendo nos aposentos da bela viúva. A própria telefonou para a delegacia. Delegado Miranda chegou momentos depois no casarão atordoado, já não sabia mais o que pensar diante daquele caso. “Será que ela os matou, será, será santo Deus?”, perguntava-se ele, diante dos dois defuntos mergulhados em um mar de sangue, bem diante do leito nupcial de D. Rosaura. Ela estava bem vestida, e com pouca demonstração de sofrimento em seu semblante. Com muito esforço conseguiu separar o seu encanto pela mulher dos fatos ocorridos, e a possibilidade dela ter culpa, enfim, lhe caiu na mente como um raio. Os corpos foram fotografados, examinados, e só então retirados da residência. A empregadinha estava inconsolável, Valdeli tentava acalmá-la. O Delegado Miranda advertiu que iria interrogá-las mais tarde. Antes, porém, chamou a viúva para conversar em reservado.
- O que quer de mim, Miranda? Já não basta todo o ocorrido?
Falou ela, com um ar de superioridade que, pela primeira vez, irritou o delegado.
- É justamente sobre isso que quero falar. A senhora precisa entender que tinha dois homens mortos em seu quarto, e uma arma, já recolhida, pertencente ao seu marido. Juntando com isso o histórico da morte de seu esposo, mais a opinião pública...
Nesse momento ela o interrompe, severa:
- Ora, seu estafermo, vai querer justificar alguma iniciativa da polícia com base na opinião publica? Não me admira que você seja achincalhado pela imprensa...
- Vou relevar suas palavras, D. Rosaura. Mas devo dizer que, com base nos acontecidos, a senhora está detida para investigações. Tem o direito a um advogado. Qualquer coisa que disser poderá ser usada contra a senhora no tribunal.
Rosaura arregalou os olhos, admirada. Não acreditava que pudessem ter a coragem de lhe acusar de alguma coisa. Mas se refez, ajeitou os cabelos e disse:
- Tudo bem, faça o que tiver que ser feito. No final, Deus e a sociedade estarão ao meu lado.
Profetizou, enquanto pedia para Valdeli largar a criada chorona e pegar o seu eterno casaco preto. Quando passou, um rastro de Chanel n.o 5 tomou conta do ambiente, tornando aquela noite surreal demais para ser verdade. Do lado de fora, alguns jornalistas, em especial os representantes do jornal carioca, já esperavam a viúva sair de casa. A notícia de sua prisão se espalhou pelo boca a boca, e todos queriam uma foto da detida. Rosaura saiu linda, logo após a saída dos corpos, mas não estava algemada. Fez questão de se comprometer em colaborar, pois não queria ser vista com algo nos punhos que não fosse uma pulseira de brilhantes. Os flashes das máquinas fotográficas estouravam, e a cegaram por alguns momentos. Delegado Miranda se apressou em colocá-la no carro, não queria que a história ganhasse proporção de circo, mais do que já ganhara nas últimas semanas. Enquanto isso, conforme instruções para Valdeli, o advogado da família era chamado.
Rosaura foi encaminhada para a sala de detenção da delegacia. Chegou, disse que não tinha nada a declarar, conforme instruções do advogado Jonas Siqueira, e foi para uma saleta reservada, onde uma senhora com rosto sisudo começou a retirar os seus pertences pessoais. As jóias, valiosas demais para aquela situação, seu vestido de grife e o seu penteado foi desmanchado. Era agora uma mulher com roupa de detenta, uma espécie de túnica escura. Então, após deixar seus objetos e lavar a cara para retirar a maquiagem, Rosaura foi conduzida para a sua cela. Ainda que estiivesse despida de seus encantos comprados em boutiques, era uma mulher de dar inveja. As outras presas, que aguardavam julgamento, ficaram atiçadas, mas Rosaura entrou em seu lugar altiva, dona de si. Assim que as portas se trancaram, virou-se para a janelinha e viu uma cidade escura, uma Porto Alegre vazia, fria, mas com uns feixes de luz no horizonte que, naquele momento, lhe pareceram uma metáfora apropriada para a sua vida.
“Sim, Rosaura, há uma luz no fim do seu caminho”, pensou ela, enquanto nem imaginava as tantas coisas que aconteceriam pouco tempo depois. Antes disso, porém, Rosaura ainda iria sentir o gelado do banco dos réus em suas entranhas.

Confira abaixo cenas do último capítulo:

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