Temporada 3
Episódio 3 – Asas
Trilha inicial deste episódio: https://www.youtube.com/watch?v=hV76KXU1x6g
Bia chegou em casa putíssima.
Talvez Daniel tenha ido até a galeria, e ao vê-la de longe,
não tenha curtido sua figura lendo o livro. Talvez não tenha achado que fosse
bonita o suficiente, ou descolada o suficiente.
“Para, Bia.”
Pensou, quando percebeu que estava colocando a culpa toda
nela mesma.
Daniel era só mais um otário.
Se existisse um álbum de figurinhas de otários igual ao da
Copa, Bia já teria completado há muito tempo.
Ia deixar uns desaforos na inbox do homem, mas ele a havia
bloqueado.
Um cretino.
Sinceramente não conseguia entender o problema que as
pessoas têm em dizer “ok, não curti você e vai rolar apenas amizade”. Todos os
caras preferiam sumir em vez de encarar a realidade.
Tão mais fácil sumir, eles deveriam pensar. Poderia até ser,
assim evita o desgaste de ter uma DR com quem não conhece.
Porém, mais difícil iria ser um dia passar pela mesma
situação e lembrar que já fez o mesmo.
Bia não ia se vingar de Daniel, nunca se vingou de nenhum
homem, e além disso, vingança amorosa só funcionava em filmes do Super Cine.
Na vida real, o melhor a fazer era bloquear o fulano nas
redes sociais (caso ele não tivesse feito isso antes) e tocar a vida. Mas um
dia, se Deus quisesse e lhe ajudasse, iria topar com Daniel na rua e dizer:
“vai tomar no cu!!!”
***
Na manhã seguinte, Bia ainda estava puta. E pra piorar era
segunda-feira.
Acordou com um Whatsapp no grupinho. Era mensagem de Tina.
Tina: Oiiii meninas
Tina: vocês nem sabem!!!
Tina: Rafael me chamou pra sair na sexta-feira!
Tina: <3 p="">3>
Bia nem respondeu, estava recalcadíssima.
E Marcela silencia os grupos, portanto, demoraria para
responder.
Realmente era difícil, em um grupo de amigos, todos estarem
realizados ao mesmo tempo. Porém, era comum todos estarem ferrados na mesma
hora. O que não era o caso, já que Tina parecia estar bem contente.
Tina. Logo Tina!
Sentiu-se mal por pensar assim, como se Tina merecesse menos
do que ela.
“Desculpa ae Deus, foi apenas meu recalque gritando.”
Naquela manhã, pela primeira vez em muito tempo, Bia colocou
açúcar em seu café, numa tentativa de tornar sua pessoa um pouco menos amarga.
***
Quando o relógio marcou 18h o coração de Marcela sofreu um leve
descompasso.
Iria se despedir de Ícaro.
Marcou de encontrá-lo perto da roda gigante do parque.
Lá estava ele, de roupa preta. Achou elegante.
Marcaram de encontrar Bia logo mais, afinal, também queria
se despedir do amigo. Enquanto os ponteiros não andavam (e eles iam voar),
foram sentar-se na beira do lago.
Marcela ainda sentia-se muda perto de Ícaro, diante de tamanha
desenvoltura, inteligência, vontade de fazer as coisas darem certo.
Foi quando Ícaro olhou para o lado e viu uma tartaruga
saindo do lago.
Marcela jamais vai esquecer daquele momento.
Impressionadíssimo, Ícaro perguntou:
- Mas o que é isso?
- Uma tartaruga!
Ele nunca havia visto uma. E achou adorável o fato de que,
ao mesmo tempo que era um homem vivido, cheio de histórias e opiniões, sua
porção menino se revelava diante da delicadeza de ver uma tartaruga pela
primeira vez.
Deu-lhe um beijo e foram ao encontro de Bia, que já os
esperava impacientemente.
Pediram copos grandes de suco para beber enquanto
conversavam. Suco bom e barato.
Apesar do lugar ser um tanto mequetrefe, reunia algumas das
tribos mais interessantes da cidade.
Ficou acertado com Bia que, se um dia fossem para a cidade
de Ícaro, iriam visitá-lo.
Ao se despedir, Bia deu-lhe um abraço e um discreto “juízo”
para Marcela.
Os dois continuaram juntos por mais algumas horas.
Caminharam pela cidade, falaram sobre música, e também
ficaram em silêncio.
Às vezes, é no silêncio que se percebe os anseios do outro,
as vontades, as angústias.
Mas angústia, naquele momento, apenas a sua.
Porque com Ícaro, mais tinha certeza de que momentos de
felicidade não duram tanto quanto gostaria. Mas também sabia que a vida é uma
coletânea desses momentos. Entre eles, existem os outros.
Trilha final: https://www.youtube.com/watch?v=dwnmw9XFzAc
Ícaro acompanhou Marcela até a estação do metrô.
Já era tarde, e Marcela ficou preocupada com seu retorno ao
hotel. Mas Ícaro não se importava.
Enquanto andavam, achou que seu nome não poderia ser mais
apropriado. Ícaro era aquele que na mitologia quis voar alto, e que não escutou
as recomendações do pai. Ele o avisou que o calor podia derreter as suas asas
coladas com cera. Mas Ícaro queria voar.
Porém, o Ícaro que estava do seu lado, apesar de partilhar
do mesmo desejo, conhecia os seus limites, e suas asas estavam seguras.
- Até mais.
Disse ele.
- Se cuida.
Respondeu Marcela.
Enquanto Ícaro se distanciava, Marcela já havia entendido que
não mais o veria.
Mas isso não a deixou chateada. Pelo contrário.
Marcela entendeu que, durante a vida, é possível ter vários
príncipes passageiros; os que duram alguns dias, semanas ou meses. Até mesmo
anos. Cada um especial do seu jeito. Porque seria absurdo pensar que somente um
pudesse existir.
Ainda sobre príncipes, Marcela sabia que a figura do cavalo
branco e do “felizes para sempre” havia ficado nos contos infantis e nos
romances da coleção Julia e Sabrina. No mundo de verdade, eles podem vir de
diferentes formas; a pé, de carro, de trem, correndo, e até mesmo por meio do
sinal de internet. Na maior parte das vezes eles aparecem disfarçados. Depende das
expectativas de cada um para poder reconhecê-los.
Quando desembarcasse do metrô iria comprar alguns bolinhos
para comer com Bia. Apenas porque o dia merecia terminar literalmente doce.
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