Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=Ls0WfopgR9k
Marcela nem precisava rever os momentos seguintes daquela noite em sonho para recordar.
Porque ela nunca esqueceria.
Quando foram para o quarto, Marcela deitou na cama e, pouco tempo depois, o sono pesou em suas pálpebras feito persianas estragadas.
Sim, Marcela adormeceu na frente do barbudo. E nada fizeram. Fizeram sim: dormiram.
Era efeito do vinho. Sempre, sempre fora fraquíssima para vinho. Devia ter pedido um refrigerante. Ou uma água levemente gaseificada sabor limão.
Acordou na manhã seguinte envergonhadíssima. Sentiu que tinha colocado meses de conversa no ralo de uma pia entupida com cabelo. Sentiu a magia escorrendo feito lama barranco abaixo. Levantaram-se e tomaram café da manhã no caminho.
Entre uns goles de café e suco de laranja, havia agora uma certa formalidade. E uma combinação de “nos vemos de novo” que parecia as setinhas azuis do Whatsapp.
Despediram-se. Marcela percebeu que não o veria mais. Não pelo fato de ter dormido e não ter feito nada, mas porque era assim que as coisas tinham se encaminhado. Naturalmente. Ficou levemente incomodada, talvez triste, mas tudo bem. Ainda tinha amigos pra visitar e lugares para conhecer. De qualquer forma, o barbudo foi um fofo com ela, a tratou como em bastante tempo não era tratada. Às vezes um pouco de carinho, independente da forma, vale muito. Depois do café, o pior foi subir, a pé, uma rua tão longa naquele clima atipicamente quente que já estava vendo duendes.
Marcela pressionou stop no VHS daquele filme curtíssimo, saiu da cama e foi tomar café.
***
Na cozinha, Bia terminava o café e colocava a caneca na pia.
Respondeu ao bom dia de Marcela com um resmungo qualquer.
- Você viu a mensagem de Tina no whats?
- Não, Marcela.
- Ela mandou agora há pouco. Disse que a gravidez era alarme falso.
- Sério?
- Seríssimo. Mas disse que está sentindo uma mistura de tristeza e alívio.
- Vou falar com ela no caminho. Tô atrasada!
Bia desceu a rua apressada, segurando a saia e as tranças que na verdade não tinha.
Segurava também a bolsa, uma garrafinha de água, o celular e uns papéis do trabalho. De longe, viu o ônibus chegando.
Correu feito uma desesperada. Enquanto corria pensava que odiava correr porque sempre ficava desengonçada. Começou a suar. Esticou o braço para o motorista esperar, mas não houve jeito. Ficou parada com o cabelo em guerra e cara de derrota.
Respirou fundo. Estava ficando velha pra correr daquele jeito.
Trilha final: https://www.youtube.com/watch?v=bivzkH4g1ao
Já ia abrir o Whatsapp para escrever mensagem para Tina quando chegou uma notificação do Tinder. Sim, como em todas as outras 58645468 vezes que falou que ia deletar o app, voltou a usar.
“O que é bom, assim apareciam mais opções”, pensava.
Mas fazia certo tempo que não abria o aplicativo. Ok, nem tanto.
De qualquer forma, sentiu como se rebobinassem a sua fita do tempo. Era bom relembrar algumas coisas. E a expectativa de um primeiro contato era sempre um delicioso mistério. Embora os seus desfechos quase sempre tenham sido ruins.
A mensagem veio de um menino bem mais jovem do que ela. Ele elogiou o seu cabelo. Ficou meio desconcertada, mas achou fofo. Responderia quando encontrasse algum sinal wifi.
Na banca de revistas ao lado do ponto de ônibus viu umas publicações dessas de astrologia. Num ímpeto comprou uma que tinha o famoso João Bidu na capa. “Meu deus, esse homem ainda existe, e certamente essa foto tem uns mil anos”, pensou.
Abriu na página do seu signo e leu. O resuminho dizia: “Para o próximo ano as expectativas são boas no amor. Fique ligada na web. As ondas virtuais podem trazer um presente”.
Pareceu até piada.
Guardou a revistinha, seu ônibus se aproximava.
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