segunda-feira, 6 de julho de 2015

Incompatibilidades




- Quer uma xícara de café?
- Eu não gosto.
- Mas quando saímos pela primeira vez você propôs tomarmos um café.
- Era só um pretexto, um charme.
- Mas você tomou de fato.
- Na vida a gente faz alguns sacrifícios.
- Você bebeu três enquanto a gente conversava.
- Sim, me sacrifiquei três vezes.
- Não sabia que eu estava com tanta moral.
- Não é isso, é que eu não podia voltar atrás.
- Ah.
- Depois tive muitas queimações no estômago.
- E o que mais você fez como sacrifício?
- O seu sanduíche com bacon.
- Mas você elogiou.
- Não como bacon nunca.
- Mas você comeu.
- Não comi, cuspi nos guardanapos quando você não estava olhando.
- Os dois sanduíches?
- Sim.
- Puxa...
- Pois é.
- O que mais?
- Como assim?
- Quero saber todo o resto.
- Mas por quê?
- Quero saber do que você realmente gostou. Se é que gostou.
- Ok. Eu detestei os seus LPs favoritos de música instrumental.
- Mas você falou que era relaxante.
- Até demais, eu dormi várias vezes enquanto você falava dos artistas.
- Não sei o que dizer.
- E tem mais. Eu senti pavor quando você me levou para conhecer sua cidade natal.
- O que tem a minha cidade?
- É tenebrosa. Feia. Sem atrativo nenhum. Não serve nem pra dormir.
- Gente.
- Eu também detestei sua mãe.
- Mas por que isso? Ela foi super gentil.
- O santo não bateu. Pronto.
- Eu tô chocado.
- Ué gente...
- Estamos juntos há quarenta anos. Por que nunca disse nada, mulher?
- Quis evitar a fadiga.
- E agora?
- Agora o quê?
- Agora você pode me alcançar a travessa de brócolis, né?
- Mas você sempre detestou brócolis!
- Não senhora, eu sempre amei. 


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Ricardo Rodrigues
6/7/2015

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