quinta-feira, 2 de julho de 2015

O Call Center do Amor





- Alô boa tarde?
- Quem tá falando?
- É sua vida amorosa.
- Oi?
- Sim, sua vida amorosa.
- O que quer?
- Detectamos uma dívida no sistema.
- Que dívida?
- Aqui consta que você está em débito.
- Mas de que?
- Nenhuma das prestações do boleto do amor foram pagas.
- Boleto?
- Sim, senhor. Emitido quando você atingiu a adolescência.
- ...
- Todas as páginas estão ali com descrição variável. Tem os boletos dos amores rápidos e os boletos de amores longos. O senhor não efetuou o pagamento de nenhum.
- Mas... mas... pagar como isso, gente?
- Correspondendo a eles. Verificamos aqui que o senhor fugiu de todos. Usou temporariamente, descartou.
- Mas tem vezes que a gente não gosta de um produto, acontece.
- Senhor, não são produtos. São pessoas.
- Você... como sabe meu número?
- Tá no face.
- Tô.
- ...
- ...
- Senhor, foi uma piada. Mas voltando ao motivo desta ligação, queremos estar negociando uma forma de pagamento.
- Isso é um absurdo!
- Não é não. Está no contrato de vida sentimental.
- Eu não assinei nada!
- Senhor, aguarde um momento na linha.
*toca someone like you*
- Senhor, temos uma proposta para quitar o seu débito, mas ela vai estar durando por apenas 48 horas.
- Cobrança de vida amorosa também fala no gerúndio?
- Senhor, não é piada.
- Desculpa.
- Posso oferecer o plano?
- Isso deve ser uma brincadeira de mau gosto de algum amigo.
- Temos aqui uma série de pequenos casos amorosos e alguns mais profundos. O senhor reclama que ninguém lhe quer, mas quando alguém lhe quer, sai correndo. Os amores de bem não entendem o motivo do senhor fazer isso.
- Ei!!! E aqueles que fizeram o mesmo comigo?
- Foram pequenos avisos judiciais da cobrança que já estava em um valor elevado.
- O quê?
- O senhor pode perder o direito de não amar mais caso não pague o valor acumulado.
- Mas que valor, que é isso, como pagar essa joça?
- Responder aquela mensagem no whatsapp de ontem vai valer como a entrada.
- Mas eu não quero, não gostei, não me senti atraído!
- Então diga isso. Sempre é mais adulto falar do que deixar no vácuo, na esperança que a outra parte perceba, senhor.
- ...
- Isso vai abater uma parte da dívida.
- Mas eu não sei...
- E a primeira parcela das seis pode ser aceitar aquele convite pra sair, de quem o senhor julga que não faz seu tipo.
- Mas não faz!
- Tipo é muito relativo.
- Quem é você, afinal?
- Funcionário do Call Center do Amor. O seu, no caso. E na sequência, pode, caso não goste mesmo do encontro, aceitar que sua autoestima é tão baixa e que por isso está sempre se sabotando.  Aceitar isso vai estar abatendo outra parcela.
- ...
- Senhor, podemos estar fechando o contrato de pagamento?
- Eu...
- É muito simples. Mas se quiser pensar, fique à vontade, senhor. O Call Center do Amor agradece a sua atenção, tenha uma boa tarde.
Ele pegou o celular e mandou um whatsapp.
- Oi, tudo bem? Desculpe a demora em responder. Sim, aceito sair para jantar.

E largou o aparelho na mesinha. Melhor pagar logo a dívida, afinal, o coração é o pior agente de cobrança que pode existir. 


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Ricardo Rodrigues
1/7/2015

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