Ela tinha um problema cientificamente inexplicável.
Seu coração nasceu colado do lado de fora do peito. E do
lado de fora ele batia, bombeando o sangue para dentro. E ele voltava pra fora,
e depois era impulsionado para dentro e assim por diante. Ninguém jamais ousou
operá-la.
Mas não, não era nojento de se ver.
Seu coração era como uma pequena peça de brinquedo. Dele não
escorria sangue, e nem tinha a viscosidade que o interior do corpo humano
conferia. Parecia um pequeno e delicado coração de feltro.
Mas seus anos foram difíceis.
Ela não frequentou a
escola, porque a mãe tinha medo que as brincadeiras infantis lhe arrancassem o
órgão do peito desprotegido.
Na adolescência ela tinha vergonha, e nunca usava roupas
decotadas. Parecia viver com o corpo em uma espécie de luto. Tudo por conta do
coraçãozinho com aspecto de tecido.
Quando começou a se interessar pelos meninos a situação se
agravou. Porque ficava difícil esconder. Tomada pelo nervosismo o coração
palpitava tanto, tanto que, por vezes, quase escapava pelos espaços entre os
botões do vestido.
Assim, ficava longos períodos trancada dentro de casa com
medo de ser apontada na rua. A vida não era fácil para alguém com diferenças.
Mas isso foi há muito tempo. Hoje ela é uma senhora de
cabelos com cor de papel reciclado.
O tempo passou e com ele incontáveis maneiras de tentar
esconder o que, para muita gente, era um defeito inconcebível.
E hoje o coraçãozinho de feltro já não existe mais.
No lugar dele um coração de mentirinha, duro e frio, desenvolvido
pela ciência, executa as funções que o corpo precisa.
“Mas o que aconteceu?”, perguntavam as pessoas, sempre que a
história era contada.
“Um dia roubaram meu coração. Não poderia nunca supor a
intenção. Me levaram o coração embora, arrancado do peito sem esforço, com
apenas uma das mãos. Não, eu não morri, como pode ver, e nem morreria. O que
acontece é que, com o passar dos anos, a gente aprende a viver com um coração
duro no lugar do original”.
Corações de feltro são realmente raros e, por isso, os mais
cobiçados para serem roubados.
19/8/2015
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