quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Os Mil Dias de Água





Chovia há tanto tempo que ela havia esquecido como era viver sem estar cercada por água. Não era como uma ilha, mas ela estava lá: molhando o calçado, invadindo as residências e enfraquecendo suas vontades.

Tudo era um sacrifício. Tudo era difícil. Apesar de gente sofrer com a seca, sentia que em alguns dias iria mutar para algum animal marinho.

Se fosse criativa com palavras podia escrever textos deprimidos, contextualizando o clima como pano de fundo, mas não podia.

Olhava pela janela e sentia um acréscimo de tristeza sim, mas ela não podia ser externada.

Sentia falta de estar com as pessoas, de estar com ele. Porém constatou que as pessoas, de uma forma geral, estavam tristes também. Ninguém queria confraternizar, ninguém queria comentar sobre o filme favorito visto na TV, ou sobre a festa ao ar livre que não aconteceria mais.

Teve um leve receio, ao pensar por alguns instantes, de que aqueles mil dias de chuva fossem na verdade um sofrimento interno retido. E que tivessem sofrido um processo de condensação de uma forma que jamais pudesse explicar racionalmente. Se fosse pensar no processo de chuva normal, a camada líquida de lágrimas tristes guardadas no peito poderia ter esquentado e subido para o céu em forma de pequenas gotículas. Essas gotas teriam se acumulado e formado nuvens pesadas. A gravidade, não conseguindo suportar essa carga, poderia ter derramado a água salgada, enfim, sobre a terra. Num ciclo que não acabaria.

“Mas é muita água”, pensou ela.

E caberia somente a ela tentar fazer o sol apontar novamente naquele céu emburrado e amargo.





24/9/2015

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