Chovia há tanto tempo que ela havia esquecido como era viver
sem estar cercada por água. Não era como uma ilha, mas ela estava lá: molhando
o calçado, invadindo as residências e enfraquecendo suas vontades.
Tudo era um sacrifício. Tudo era difícil. Apesar de gente
sofrer com a seca, sentia que em alguns dias iria mutar para algum animal
marinho.
Se fosse criativa com palavras podia escrever textos
deprimidos, contextualizando o clima como pano de fundo, mas não podia.
Olhava pela janela e sentia um acréscimo de tristeza sim,
mas ela não podia ser externada.
Sentia falta de estar com as pessoas, de estar com ele.
Porém constatou que as pessoas, de uma forma geral, estavam tristes também.
Ninguém queria confraternizar, ninguém queria comentar sobre o filme favorito
visto na TV, ou sobre a festa ao ar livre que não aconteceria mais.
Teve um leve receio, ao pensar por alguns instantes, de que
aqueles mil dias de chuva fossem na verdade um sofrimento interno retido. E que
tivessem sofrido um processo de condensação de uma forma que jamais pudesse
explicar racionalmente. Se fosse pensar no processo de chuva normal, a camada líquida
de lágrimas tristes guardadas no peito poderia ter esquentado e subido para o
céu em forma de pequenas gotículas. Essas gotas teriam se acumulado e formado
nuvens pesadas. A gravidade, não conseguindo suportar essa carga, poderia ter
derramado a água salgada, enfim, sobre a terra. Num ciclo que não acabaria.
“Mas é muita água”, pensou ela.
E caberia somente a ela tentar fazer o sol apontar novamente
naquele céu emburrado e amargo.
24/9/2015
Minha vida
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