Trilha
inicial: https://www.youtube.com/watch?v=7pAEDUlgYxk
Bia tentava
reconhecer os vultos masculinos que se aproximavam ao longe. Mas não tinha
certeza da direção que Alison viria. Só sabia que ele morava ali perto. É que
gostaria de passar uma imagem natural e ao mesmo tempo lindamente construída.
Por exemplo,
não queria estar largada na cadeira, nem com cara de ansiosa. Queria estar com
a coluna reta, o olhar sereno, segura de si. Mas nada disso seria possível na
calçada de um buteco barato.
Até que viu
um homem alto se aproximando, vindo em sua direção. Pelo tamanho da barba
reconheceu Alison. Vestia negro da cabeça aos pés, temeu ser um desses góticos
dos anos 2000.
“Ai meu Deus,
o que eu faço?”
Mas apesar do
detalhe ele era bonito. Um homem enorme, com uma bela barba e um olhar que
parecia decifrar até os pensamentos que ainda não havia tido (concluiu isso só
quando ele chegou bem perto, claro).
Ele a
cumprimentou e começaram a conversar. Alison falava muito. E não deixava Bia
ficar quieta, o que gostou.
Enquanto
bebericavam cerveja barata, ele contava sobre a sua vida.
E aos poucos,
Alison se relevou a pessoa mais esclarecida que já havia conversado.
Alison contou
que vivia em um relacionamento aberto com uma mulher, que tinha uma filha
pequena de um relacionamento anterior, mas que também sentia atração por
homens.
- O que eu
prezo, na verdade, é a atração. Não me importa se é homem ou mulher. Não ligo
para o gênero. Pode ser até transexual. Me importo é com as coisas boas que eu
sinto.
Disse ele.
De início Bia
ficou um pouco surpresa, até mesmo chocada. Fingiu achar normal para sentir-se
descolada diante de Alison, mas a verdade é que, conforme o assunto avançava,
mais ela compreendia aquele ponto de vista.
Não que fosse
sair dali e arrumar relacionamento com uma mulher (o que não seria problema se
realmente desejasse), mas começou a se questionar a forma como os
relacionamentos funcionavam.
Lhe pareceu
que a sociedade ainda vivia encaixada no modelo de homem perfeito para cada
mulher. Ninguém precisa ser perfeito pra ninguém. E nem precisa ser homem com
mulher.
Um lampejo de
claridade rachou sua cabeça. Mas também porque estava um pouco bêbada depois de
algumas cervejas. “O que aconteceu com o príncipe e a Cinderela?”, pensou.
- O que acha
de bebermos mais umas cervejas lá em casa? Podemos comprar umas diferentes.
- Acho ótimo!
Disse Bia,
segurando-se na hora de levantar da cadeira para não cair.
***
Trilha desta
cena: https://www.youtube.com/watch?v=j-TK8bpxvBQ
Marcela e
Henrique chegaram no café. Ainda estava sob efeito do beijo.
Queria que
Henrique tivesse um pouco das experiências que ela mais valorizava, como por
exemplo, estar nos lugares em que ela se sentia em casa.
Enquanto ele
comia a tortinha de doce de leite que escolheu no balcão, só pensava na hora de
ir para o bar, tomar uns bons drinks e conseguir ter cara de pau para propor
sexo.
Sim, Marcela
queria fazer muito sexo com Henrique. Mas tinha um trato com Bia de que não
levariam mais homens para o apartamento por medo de serem assaltadas. E como
Henrique estava em um hotel com quarto compartilhado, não teriam privacidade
lá. Ou seja, restava ir de táxi para um motel.
Lembrou que
uma vez havia passado por essa situação embaraçosa. O senhorzinho motorista do
táxi deveria estar acostumado, mas ainda assim sentiu-se envergonhada. Ele os
deixou na porta da garagem e pronto. Subiu com o rapaz e fez o que tinha que
fazer.
Na hora de
irem embora saíram a pé. Marcela desejou ter um lenço de Tieta para enrolar na
cara. Ainda bem que era noite, assim a chance de ser reconhecida caiu
consideravelmente.
Não queria
propor a mesma situação para Henrique. Ficaria caladinha. “Mas se ele sugerir,
ah, eu não pensarei duas vezes em aceitar!”
Não, não
estava louca. Em todas as vezes que tentou racionalizar o que sentia, concluiu
que sentia por Henrique um tipo amor. Porém com tempo certo para acabar.
***
Trilha final:
https://www.youtube.com/watch?v=YAzC1zX3nAc
Bia e Alison
passaram em um mercadinho para comprar as tais cervejas e foram para o
apartamento. Quando entrou, sentiu-se em um atelier daqueles jovens artistas de
filme, mas estava bêbada, apenas.
Quadros
inacabados dividiam espaço com latas de tinta, telas em branco e objetos de
decoração. Pediu para ir ao banheiro, enquanto ele colocava alguma playlist no
computador.
Do banheiro
ouviu a música. “Que bom, assim ele não ouve o barulho do meu xixi”, pensou.
Quando saiu
foi ao quarto. Ele havia aberto a porta de uma sacadinha, onde havia uma rede.
Sentou-se ali. Odiava sentar em rede, se sentia como aquelas vaquinhas de
plástico que se contorciam toda ao apertar o botãozinho.
Abriu a
cerveja enquanto Alison fumava um baseado e continuava com suas histórias
afetivas.
De repente
Bia se sentiu triste. Pois percebeu que por mais que ganhasse um bônus de mais
100 anos de vida, não conseguiria viver nada de forma tão intensa quanto
Alison.
Em
determinado momento achou que o grande objetivo dele era sondá-la para a
possibilidade de sexo a três com sua namorada.
“Será????”
Bia não
julgou a possível tentativa, mas certamente não estava pronta para uma
experiência dessas.
A bebida
acabou, a conversa avançou e o tempo também. Olhou no relógio e lembrou que
precisava ir pra casa assistir Xuxa na Record.
Ele se
prontificou a lhe acompanhar até o ponto de táxi. Bia estava tão inebriada com
as revelações que nem lembrou que não havia sido beijada.
Mas no
elevador o beijo aconteceu. Rápido, porém muito bom.
Foi embora
com o gosto da vivência de Alison na boca. Não falaria mais com ele, nem mais o
veria, por motivos naturais do cotidiano, até um encontro casual na saída de
uma festa.
Sentia-se,
naquele momento, um passarinho preso na gaiola.
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