Trilha inicial: https://www.youtube.com/watch?v=Z-LxjNbD7XM
Dizem que quando amigas desiludidas se encontram equivale a
um rito de bruxaria. O caldeirão na brasa é substituído por alguma bebida, onde
elas depositam mágoas no lugar de ingredientes para feitiços mirabolantes.
Em vez de um livro de magias com muitos séculos de vida,
estão as próprias histórias individuais – e as pragas rogadas nos momentos de
frustração.
Não há nada mais poderoso do que uma mulher magoada. Segundo
lendas urbanas, uma mulher ferida é capaz de descobrir poderes sobrenaturais
até então adormecidos.
Mas, na contemporaneidade, tais poderes são facilmente
substituídos por pequenas vinganças do cotidiano, como escrever mensagens
públicas em redes sociais, por exemplo. Mas nem Bia, Nem Marcela ou Tina
queriam essa exposição. Elas só queriam desabafar.
Naquela reunião de causar inveja para qualquer bruxa da
Idade Média, foram proferidas as maiores sentenças contra os homens.
Bia estava desiludida com a maneira dos homens de conduzir
os contatos virtuais. Tina, que não era muito adepta da internet, tinha o mesmo
problema. E Marcela... bom, Marcela vivia desiludida.
O que prova que o meio em que nascem os relacionamentos é
indiferente, porque a conduta vai ser sempre semelhante.
- Eu tô cansada, tão cansada! – Disse Bia – Mas não posso
parar. É minha cartada. Ninguém me olha na rua, às vezes pareço invisível. Por
mais que odeie certos aspectos de conhecer um cara na internet, é uma opção
viável. Odeio mesmo, mas marquei um date com um homem do Happn haha.
- No momento o problema é comigo – falou Tina – eu que to em
dúvida entre duas situações. E claro que minha tendência é escolher a errada.
Pois sou eu, né?
- Rafael? – Perguntou Marcela.
- Sim, ele ainda mexe comigo.
Ninguém a julgou. Quem não tinha passado por isso ainda,
certamente iria passar.
No lugar de condenar, as meninas brindaram. Como se fosse o
ápice de um ritual mágico, em que a intenção era alcançar a suavidade
necessária para contornar os problemas afetivos – já que era impossível se
livrar deles.
***
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=dls_cBmUt7Q
Mais tarde, já no final do expediente, Bia se preparava para
encontrar o contato do Happn. O tal aplicativo que mostrava as pessoas que se cruzavam
pela rua.
Seu nome era Celso, parecia ser bem humorado, era advogado.
Tinha um pouco de receio deles, mas na atual situação não tinha gosto, e sim
pressa. Queria um beijo, aquele beijo. Sentia falta de um beijo de verdade.
Podia ser com ele.
Marcaram em um bar que Bia já tinha feito outros dates. “Não
sei se é ético, mas o que fazer, né? Uma hora as opções na cidade acabam”,
pensou ela, no caminho, enquanto ajeitava o cabelo com pequenas amassadinhas.
Chegou no lugar e olhou para os lados, não avistou ninguém
com as características dele. Havia uma criança sentada em uma das mesas,
sozinha. “Que estranho, será que está perdida?”, pensou. E foi só quando olhou
com a devida atenção que percebeu se tratar de Celso. Celso era a criança
perdida.
Tão pequenininho que sentiu uma vontadezinha de pegá-lo no
colo. Como aquelas tias que passam anos sem ver o sobrinho.
- Oi! Desculpa, eu sou tão distraída, não te vi.
- Tudo bem! Sente-se, vamos pedir uma bebida?
E assim a noite começou. Mesmo com peso na consciência, a
única coisa que Bia queria era ir pra casa. Não apenas por ele ter metade do
seu tamanho, mas porque não estava conectada. Era um roteador quebrado sem
sinal.
Mais da metade dos assuntos giraram em torno da paixão de
Celso por gatos. Bia odiava gatos. Tinha medo deles. Muito já havia sido ferida
pelos gatos dos amigos. Mas não quis dizer isso.
Após beber algumas cervejas disse que precisava ir embora.
No final, tirando a parte dos felinos, a conversa havia sido agradável. Ao
menos ele era de fato bem humorado. Enquanto caminhavam, Bia tinha, a todo o momento,
o impulso de segurá-lo pela mão, apenas porque era assim que cuidava de
crianças.
E sentiu-se mal por isso.
***
Trilha final: https://www.youtube.com/watch?v=lppPiUyIyt8
Marcela estava no Twitter falando com o amigo que iria
chegar na cidade, no dia seguinte. Rapidamente se prontificou a ser a sua guia
turística.
- Vou te apresentar lugares descolados, divertidos e,
principalmente, boa comida!
- Acho ótimo! Tô contando com isso.
Ela sempre teve um carinho muito grande por ele. E tinha
total consciência que ao vivo poderia não agradá-lo, e vice-versa, mas a
expectativa era de que agradasse. Por isso deu uma ajeitada no cabelo, para
que, nas fotos que tirassem juntos, não parecesse a bruxa Onilda de cabelo
ressecado.
Mulheres podem ser consideradas bruxas poderosas e más
quando estão com raiva. Mas também existem as bruxas boas. Naquele momento,
Marcela era Glinda, a bruxa boa do Sul. Mas não conduziria nenhuma menina
perdida do Kansas, e sim a si mesma.
Através de todos os dias ruins por quais havia passado, por
todas as tempestades. E para achar a melhor forma de derrubar as paredes
construídas sem necessidade.
Porque um dia acreditou que isso fosse possível.
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