domingo, 6 de dezembro de 2015

Amores Wi-Fi - Temporada 6 Episódio 18: Boa Viagem






Marcela acordou com uma ressaca do bem. Não tinha dores de cabeça ou enjoo, mas sim um gosto profundo na boca, que era uma mistura de cerveja e do beijo de Henrique.

Lembrou que era o dia da despedida. Mas não estava triste. Já havia resolvido tudo dentro dela mesma, acertando as contas com a própria expectativa. Sabia que Henrique iria embora, e diferente de outros chamados príncipes passageiros, era a certeza de que havia ganhado um excelente amigo.

Um amigo lindo, cheiroso, que beijava bem...

“Marcela chega!”

A única coisa que a chateou foi o fato de não ter conseguido providenciar todos os apetrechos para realizar o inédito piquenique na vida de Henrique.

Pensou em improvisar. Podia comprar uma toalha qualquer em alguma loja e as bebidas e comidinhas. Afinal, estavam perto de um dos parques mais bonitos da cidade.

Enquanto isso foi até a cozinha. Bia preparava o café, como sempre. Algumas rotinas nunca mudam, e ficou feliz por isso. Era bom ver a amiga sempre por perto. Sempre que precisasse de uma palavra de conforto ou apenas uma xícara de café da cafeteira com defeito.

- Você está bem?

Perguntou Marcela.

- Amiga eu tô sim. Por mais estranho que pareça, estou de bom humor. Pegue aqui o seu café.

De fato Bia estava mais serena. Depois do garoto das trufas não havia se relacionado de forma mais intensa com ninguém, mas as tentativas foram de grande aprendizado.

Talvez aprendesse a ser menos ansiosa, a controlar as suas emoções.



Depois do almoço Marcela saiu mais cedo do trabalho para se despedir de Henrique. Estava tão ansiosa que passou a manhã toda ouvindo a mesma música da Lorde, Royals, para desespero de sua colega de ilha, a Carolina.

Quando saiu na rua percebeu que a temperatura havia caído um pouco, e que a tarde seria pequena. Pequena porque certamente iria anoitecer mais rápido, ainda não estavam em horário de verão, e pequena porque a relatividade do tempo iria atuar da forma mais intensa possível. Apenas por estar com Henrique.

Eles foram juntos comprar suco de laranja, biscoito doce e salgado, chocolates e balas. Compraram também uma toalha para sentar na grama, porém só acharam toalha de banho.

- Não é xadrez e nem temos uma cesta de vime, mas vale a intenção, né?

E assim passaram a tarde, em um pseudo-piquenique em pleno dia útil.

Perto deles uma grávida fazia book de fotos com a barriga de fora. Ao lado, um grupo de adolescentes que certamente estava matando alguma atividade escolar conversava amenidades.  

Em outro ponto, donos de cachorros confraternizavam, e uma moça carregando um coelho miúdo alvoroçou os outros animais.

Marcela fechou o casaquinho pra tentar se aquecer, mas se aqueceu de verdade no abraço de Henrique.

Pela primeira vez pôde dizer que aproveitou cada segundo. Quando não estavam conversando ela o observava, analisava cada parte da sua pele, guardava nas lembranças o seu perfume.

“Queria que esse dia não acabasse.”

Mas os dias acabam. E logo aquela tarde estaria com algumas páginas borradas pelo tempo, inclusive pela ação de outras lembranças. Mas o principal ficaria sempre lá.

Estava ficando tarde, e Marcela sugeriu que voltassem, para que ele pudesse arrumar as coisas e ir para o aeroporto.

***


Marcela acompanhou Henrique até o hotelzinho.

Ficou sentada em um sofazinho que ficava de frente para velhas poltronas de cinema, colocadas no lugar mais como decoração do que como alternativa para descansar de forma confortável.

Enquanto o esperava tocava uma playlist triste no ambiente. Marcela, como sempre, se inseriu em um universo videoclíptico. Na verdade, Marcela era uma mulher de trilhas sonoras, sua memória estava fundamentada em muitas canções, e não apenas às cores, texturas e outros recursos que o cérebro utiliza para fazer alguém recordar certos momentos da vida.

Ela sabia que aquelas músicas iriam fazer com que lembrasse de Henrique um dia. E tratou de usar um aplicativo de celular para descobrir quem eram os artistas e ouvir em casa.

Queria, na verdade, subir aquelas escadas e abrir a porta do quarto e chegar no banheiro, onde ele estava tomando banho.

Queria dizer para Henrique ficar mais um pouco. Riu sozinha, um riso fraco, como quem diz “acorda”.


Então ele desceu e resolveram pegar um ônibus que desembarcava direto no aeroporto.

Henrique se dividia entre segurar a mochila, se segurar na barra e pegar na mão de Marcela. E lhe dava uns beijos de vez em quando.

Desejou que o ônibus andasse a 10 km por hora.

Estava ficando especializada em se sentir atraída por pessoas que moravam longe, mas hoje pode dizer, seguramente, que não é mais uma atitude de auto boicote. Apenas o acaso.

Em cada curva, em cada constatação de que a distância até o destino final diminuía, Marcela sentia uma saudade antecipada. E uma certa tristeza por não ter tido tempo o suficiente de conhecer Henrique melhor.

Guardaria na lembrança cada café bebido, cada drink compartilhado, cada foto tirada, cada beijo na boca. Porque teve a certeza, enquanto observava Henrique olhando pela janela, que certamente não mais o veria.

“Um amigo, um bom amigo virtual”, constatou.

E pensou que esses dias com ele se tornaram um bom motivo para qualificar a sua recente temporada amorosa com quatro estrelas de cinco. Sim, quatro estrelas, porque cinco é sempre exagero.

Marcela pensou também que, caso um dia reencontrasse Henrique, ele estaria com outra mulher. Iria agir com naturalidade, mas ainda estaria costurada por suas próprias lembranças. Com fio duplo. E seria estranho ver outra no seu abraço. Mas não reagiria mal.

Parou de pensar. O ônibus chegou na área do aeroporto.

- Então... – disse Henrique.

- Então...

- Queria agradecer muito a sua companhia nesses dias, por ter me aguentado. Você foi uma linda.

Marcela quis chorar.

- Não precisa agradecer, eu adorei te conhecer. Desculpa se não fui a melhor guia turística ou a melhor organizadora de piqueniques.

Henrique riu e a beijou brevemente, mas pareceu ser por horas. Marcela se sentiu num episódio do programa Chegadas e Partidas, da Astrid.

- Então... tchau, até mais.

Ele falou, e se afastou.

- Boa viagem.


Marcela não quis olhar pra trás quando se virou para voltar pra casa. Apenas seguiu na direção do metrô, onde iria se sentar, colocar os fones de ouvido e escutar alguma música triste.


***

Em algum lugar longe dali, Bia cantarolava a mesma música que Marcela escutava. 4 Non Blondes.

Bia haveria de ser, pra sempre, a sua Sense8.


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