Trilha
inicial: https://youtu.be/DDWKuo3gXMQ?t=44s
Tina estava parada na calçada em frente ao prédio de Rafael.
Não sabia dizer há quanto tempo. Olhava fixamente para a janela fracamente
iluminada. Sabia que ele estava em casa.
Estava perdida, mas tinha uma única certeza.
DUAS HORAS ANTES
Tina estava enrolada na toalha de banho em frente ao
espelho. Naquele início de noite, olhando para o seu reflexo, entendeu que era
o momento de atualizar as pendências de sua vida.
Cortou as pontas quebradas do cabelo. Fez o autoexame
preventivo de câncer de mama. Retirou pelos fora do lugar das sobrancelhas.
Prometeu recomeçar a dieta.
E o mais importante, resolveu falar com Rafael. Sem recaídas
sexuais, sem ouvir suas músicas country enquanto ele a chamava de “minha Shania
Twain”.
Era uma conversa para resolver a vida de ambos.
Por isso se vestiu calmamente. Escolheu um look mais sóbrio,
pois assim a ocasião pedia. Calçou um tamanco com salto de cortiça apenas para
dar uma quebrada no visual, pegou a bolsinha clutch e saiu. Caminhando mesmo, que era para ter tempo de formular
o roteiro com todos os diálogos necessários.
Era péssima roteirista.
Muitas vezes Tina havia feito aquele caminho até a casa de
Rafael. Porém nunca para um momento tão decisivo.
Chegou a cogitar se estava fazendo a coisa certa, se era com
ele que queria mesmo passar os anos seguintes da sua vida. Se queria ser sua
mulher, e tentar novamente ter um filho.
E por causa disso ficou parada na frente do prédio, enquanto
a hora do rush passava, as pessoas
paravam de transitar, e os carros já não mais circulavam.
Estava apenas ela e um silêncio de sepulcro.
Relembrou fases de seu envolvimento com Rafael. Ele parecia
ter saído de um filme em muitas ocasiões. E por isso estava dando errado.
Romance de filme funciona nos filmes.
“Eu preciso acertar as coisas com esse homem, meu Deus ajuda
eu!!”, pensou.
Após duas horas parada feita uma fiscal de trânsito bem
vestida, resolveu subir. Tocou o interfonezinho e Rafael destrancou a grade que
a separava do seu destino.
Evitou olhar para o espelho do elevador, vai que ele
tagarelasse conselhos equivocados?
Quando chegou a porta estava entreaberta, tipo nos filmes
quando alguém chega em casa e encontra sinais de arrombamento.
Mas não havia nenhum ladrão, apenas Rafael na cozinha,
cotidianamente preparando o jantar, e abrindo uma garrafa do vinho favorito de
Tina.
- Que surpresa! Você saiu tão escondida aquele dia, achei
que não fosse mais voltar.
Tina sentiu um aperto quente no peito, ao vê-lo manuseando a
garrafa e pegando as tacinhas pra servir a bebida.
Sentiu uma ponta de ternura, até.
Acho que fosse entrar em mais um de seus muitos flashbacks
do tempo de escola, mas se conteve. Não era o momento pra viver do passado.
E foi com base nisso que falou, como num tiro:
- Rafael, eu não quero vinho. E nem quero mais ficar com
você.
- ...
- A gente não nasceu pra ficar junto. O que a gente tinha
era um sonho de colegial. Sabe os filmes da Sessão da Tarde, em que a menina
passa a vida lamentando o jogador de futebol que não a quis, quando na verdade
sua paixão verdadeira era o nerd feioso? É meio assim que me sinto.
- ...
- Vim aqui pra esclarecer isso. Tô saindo de cena da reprise
sem fim desse filme. Não quero mais ser Sessão da Tarde, quero ser Tela Quente,
um Telecine Prime, qualquer coisa que me tire da comodidade do óbvio.
- ...
- Eu amei cada minuto do que a gente teve, mas é isso, tô
terminando aqui. Os créditos já estão subindo, e a trilha final está tocando.
Rafael ficou parado com as taças de vinho nas mãos. Não
estava tão surpreso, apenas não sabia mesmo o que falar.
Trilha desta cena: https://www.youtube.com/watch?v=12zPU-8bsTE
Tina saiu pela rua, dessa vez correndo, tropeçando nos
tamancos de cortiça.
Não correu mais do que duas quadras, seu destino naquele
momento era longe dali. Entrou na estação do metrô em tempo de pegar o último
horário.
Sentou-se ofegante enquanto ria e chorava ao mesmo tempo,
borrando o rímel, ficando com a cara igual do Alice Cooper.
Não sabia o que ia encontrar, nem qual a situação. Mas
estava decidida.
Seu destino: o apartamento de Thiago.
Desceu do metrô correndo parecendo ainda mais maluca
enquanto chorava, e só parou quando chegou no prédio. Estava longe, era do
outro lado da cidade. De repente percebeu que se ele não estivesse em casa, ou
se não quisesse falar com ela, não teria como voltar, porque não tinha dinheiro
na bolsinha.
“Meu Deus eu tô é fodida! Segura essa marimba, monamur!”,
falou, enquanto esperava Thiago atender o interfone.
Ele atendeu e quase não ouviu a sua voz. Havia música
tocando, risadas ao fundo, barulho de taças e brindes. E só então lembrou que
era seu aniversário.
Ele não falou nada, apenas desbloqueou a porta.
Tina subiu os cinco andares pelas escadas, pois o elevador
estava estragado.
“CARALHO!”
Quando a porta abriu alguém lhe ofereceu bebida. Aceitou e
virou tudo ali mesmo, de um único gole.
Trilha final: https://www.youtube.com/watch?v=QbUiJOiC4SE
- Andou pelo apartamento, desviando dos homens que a
observavam toda borrada e das mulheres bem vestidas com jeito de cobiçadoras de
homem alheio, e avistou Thiago na cozinha. Foi até ele.
- Thiago, eu preciso falar com você.
- Não.
Disse ele.
E aquelas palavras foram cortantes, mais que um arpão. Se
sentiu um golfinho nas redes de predadores. Mas não ia deixar barato.
Um novo filme estava para começar. Nem que fosse um drama.
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